São Paulo, terça-feira, 10 de outubro de 2006

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Governo Bush desmontou acordos negociados por Clinton

PHILIPPE PONS
DO "MONDE", EM TÓQUIO

O teste nuclear que a Coréia do Norte acaba de realizar, violando o acordo intercoreano de desnuclearização da península, de 1992, é resultado da escalada que teve início em outubro de 2002, quando Washington acusou Pyongyang de levar adiante um programa clandestino de enriquecimento de urânio.
A tensão que se seguiu a isso se traduziu na saída da Coréia do Norte do Tratado de Não-Proliferação Nuclear e na retomada de sua produção de plutônio, que desde 1994 tinha sido congelada e posta sob a inspeção da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
As iniciativas norte-coreanas em matéria de enriquecimento eram conhecidas desde 1988, mas o governo Bill Clinton [1993-2001] preferiu tratar a questão dentro do contexto de um compromisso global. Em 1994, Pyongyang e Washington chegaram a um acordo de meio-termo: congelamento do programa de plutônio norte-coreano em troca do fornecimento de duas centrais nucleares de água leve (cuja energia é mais difícil de ser desviada para finalidades militares), fornecimento de petróleo e o levantamento das sanções norte-americanas em vigor desde o fim da Guerra da Coréia (1953).
Diante da oposição da maioria republicana no Congresso, Bill Clinton atrasou a implementação do acordo. Pyongyang sentiu-se ludibriada. Em 1998, um teste do míssil de longo alcance Taepodong, que sobrevoou o Japão, obrigou Washington a rever sua política. Um ano mais tarde, americanos e norte-coreanos chegaram a um acordo sobre o congelamento dos testes de mísseis, e, em outubro de 2000, a então secretária de Estado Madeleine Albright foi até Pyongyang para preparar a visita de Bill Clinton à Coréia do Norte, antes de ele deixar a Casa Branca. Mas o presidente desistiu da viagem, sob pressão dos republicanos.
Quando George Bush chegou ao poder, ele tinha a idéia de destruir o edifício erguido por seu predecessor. O primeiro golpe foi dado em outubro de 2002, com a visita a Pyongyang do secretário de Estado adjunto James Kelly, que acusou o regime de levar adiante o enriquecimento de urânio.
Washington declarou caduco o acordo de 1994, e Pyongyang expulsou os inspetores da AIEA, saiu do TNP e retomou sua produção de plutônio. Resultado: enquanto em 2000 a CIA estimara que a Coréia do Norte possuía material físsil suficiente para fabricar duas bombas, em 2006 ela já poderia produzir uma dezena.
Quando, em 2003, o governo Bush tomou consciência dos limites de sua tática, ele se decidiu a iniciar um diálogo, através de conversações a seis partes (China, as duas Coréias, Estados Unidos, Japão e Rússia).
Em setembro de 2005, foi assinado um acordo de princípio prevendo o desarmamento da Coréia do Norte em troca de garantias de segurança. O texto do acordo era pouco definido e não previa nenhum calendário.
A partir do dia seguinte à assinatura, Pyongyang declarou suas exigências de reciprocidade, e Washington decidiu por sanções financeiras visando estrangular a Coréia do Norte, acusada de emissão de dinheiro falso.


Tradução de CLARA ALLAIN


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