São Paulo, terça-feira, 10 de outubro de 2006

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Teste é novo golpe na não-proliferação

Regime internacional de controle dos armamentos nucleares vem dando sinais de fragilidade nos últimos dez anos

EUA criaram programa de modernização de seu arsenal e se negam a ratificar tratado amplo de banimento de testes

QUENTIN PEEL E DANIEL DOMBEY
DO "FINANCIAL TIMES"

O anúncio feito pela Coréia do Norte de que detonou uma explosão nuclear subterrânea intensificou o receio de que seja iniciada uma nova corrida armamentista no Leste Asiático e desferiu um golpe potencialmente devastador contra as esperanças de que seja possível prevenir uma nova rodada de proliferação nuclear em todo o planeta.
Está em jogo a sobrevivência do sistema de controle de armas que há quase 40 anos restringe o número de Estados dotados de armas nucleares, mas que nos últimos dez anos vem parecendo mais e mais frágil.
A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), guardiã do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, disse que o teste equivale à "quebra de uma moratória global "de facto" sobre os testes de explosões nucleares, que vinha sendo observada há quase uma década".
O teste norte-coreano representa o segundo e mais dramático revés sofrido recentemente pelos esforços internacionais para conter a proliferação, após a recusa do Irã em suspender seus planos de enriquecimento de combustível nuclear.
Japão e Estados Unidos são os membros da comunidade internacional a reagir de maneira mais agressiva ao fato novo. A reação do Japão pode determinar se a ação norte-coreana vai ou não precipitar uma corrida armamentista regional.
Mas, segundo Mark Fitzpatrick, especialista em não-proliferação no Instituto Internacional de Estudos Estragégicos, em Londres, "o impacto maior será sobre a não-proliferação em âmbito mundial, sobre países que querem possuir o prestígio ou o efeito dissuasivo que acreditam ser proporcionado pelas armas nucleares".
As ameaças de proliferação de armas nucleares vêm aumentando rapidamente no Oriente Médio, e vários países -incluindo Irã e Líbia- já fizeram negócios nucleares no mercado negro com Pyongyang. A administração Bush discorda com veemência da afirmação de que as ambições nucleares da Coréia do Norte foram intensificadas em decorrência da invasão do Iraque em 2003. Mas o Oriente Médio volátil de hoje virou parte de um mundo em que muitos países parecem estar buscando a opção de desenvolver a capacidade nuclear armada.
A Turquia e o Egito anunciaram recentemente planos para construir usinas nucleares. Apesar dos desmentidos oficiais, a visão que se tem é que ambos estão mantendo abertas suas opções nucleares.
"Existe um componente estratégico no programa egípcio de energia nuclear, como existe na ampliação da capacidade nuclear da Turquia", disse Fitzpatrick, que descreveu o fato como "cerca de proteção nuclear para o caso de o Irã adquirir armas nucleares".
O regime de não-proliferação teve falhas desde o início: Israel, país nuclearizado de fato há 30 anos, nunca assinou o tratado, como tampouco o fizeram a Índia e o Paquistão. Apesar disso, o TNP ajudou -até agora- a prevenir o que o presidente americano John Kennedy temia quando, em 1963, falou de "um mundo em que 15, 20 ou 25 nações possam ter essas armas".
Nos últimos dez anos, porém, as divergências vêm se ampliando: Índia e Paquistão realizaram testes nucleares importantes em 1998, sem sofrerem conseqüências de longo prazo em termos de sanções. A própria Coréia do Norte anunciou sua retirada do TNP em 2003. Os EUA criaram programas para estudar a modernização de seu arsenal nuclear. Mohammed El Baradei, diretor-geral da AIEA, culpa as superpotências por não terem agido mais em prol do desarmamento nos últimos anos.
Ontem, El Baradei reforçou seu chamado por uma proibição universal e legalmente obrigatória dos testes nucleares, por meio do Tratado Abrangente de Proibição de Testes Nucleares, que os EUA vêm se negando a ratificar. El Baradei e Kofi Annan, o secretário-geral da ONU, também defendem a adoção de um tratado que reduza a quantidade de material que pode ser empregado para armas nucleares.


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