São Paulo, domingo, 10 de novembro de 2002

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IRAQUE NA MIRA

Americanos estudam a polêmica incursão israelense na cidade palestina como preparação para a guerra urbana

EUA aprendem com ação de Israel em Jenin

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

A batalha entre palestinos e israelenses pelo campo de refugiados de Jenin, no norte da Cisjordânia, em abril passado, está sendo estudada pelas Forças Armadas dos EUA com redobrada atenção por um motivo prático: algo parecido poderia acontecer em uma invasão do Iraque.
Os militares dos EUA não têm a menor dúvida de que conseguiriam derrotar os iraquianos em campo aberto, como aconteceu na Guerra do Golfo, em 1991. O maior temor dos americanos é que o Exército iraquiano se refugie nas cidades em meio a civis, como aconteceu com os guerrilheiros palestinos entocados em um campo abrigando cerca de 13 mil refugiados.
Quando começam a morrer civis, algo inevitável no combate em uma cidade, o atacante começa a perder a guerra de propaganda, o chamado "fator CNN". Os palestinos falaram que houve massacre deliberado de civis -algo depois refutado. Mas a destruição foi em grande escala.

Uniforme especial
A guerra urbana é de longe a operação mais temida por todos os Exércitos e, justamente por isso, ironicamente, é a que menos costuma ser treinada.
Para diminuir o atraso, os americanos construíram áreas especiais para treino simulando bairros típicos de uma cidade, por exemplo em Fort Knox. Existe mesmo um uniforme especial para guerra urbana -em vez de tons de verde e marrom, as cores incluem preto, cinza, branco e cor de tijolo.
Entre as cenas mais perturbadoras da Guerra do Vietnã e que mais abalaram a imagem dos EUA no mundo estavam as filmagens de tanques americanos destruindo casas na cidade de Huê durante a chamada ofensiva do Tet em 1968.
A população já tinha fugido do local, que abrigava basicamente guerrilheiros comunistas do Vietcong. Para poupar baixas causadas por atiradores de tocaia, os americanos bombardeavam a casa antes de seus soldados avançarem. Mas a imagem de um canhão de tanque destruindo uma casa fala por si.
Algo parecido ocorreu em Jenin. Muitos refugiados fugiram dos combates; outros não puderam sair a tempo e viraram "baixas colaterais". Um inimigo abrigado em casas ou em escombros é difícil de ser "desentocado".

Tanques vulneráveis
Mesmo os tanques se tornam extremamente vulneráveis em áreas urbanas. O canhão de um tanque não tem elevação suficiente para atirar contra uma janela em um andar mais alto.
Os russos perderam uma boa quantidade de veículos blindados em ataques impulsivos na Tchetchênia -entre 1994 e 1996. Sem a infantaria para proteger os blindados, eles foram rapidamente caçados pelo inimigo emboscado.
Já a infantaria é vulnerável por estar a pé, caminhando por ruas e calçadas sob a mira do inimigo abrigado em casas. Mesmo armas simples ganham mais poder em cidades.
O lança-foguete RPG, de fabricação russa, é uma arma muito comum entre guerrilheiros e no Exército do Iraque. É de alcance curto, inviável para uso em campo aberto. Mas torna-se ideal numa área urbana, na qual o atirador pode chegar perto do alvo.
Os somalis usaram RPGs para derrubar helicópteros americanos na Somália, em 1993. Apesar do pequeno alcance da arma, os helicópteros Blackhawk estavam pairando sobre área urbana, virando um alvo fácil.
O RPG não tem poder para destruir um tanque pesado, como o israelense Merkava ou o americano M1A2, pela frente. Mas, em uma área estreita, o atirador pode atingir o tanque na sua bem mais vulnerável traseira.

Labirinto
O Exército israelense previa que tomaria o campo de refugiados em dois ou três dias. Os combates em Jenin duraram quase duas semanas. De um lado, estava um Exército bem equipado com armas pesadas, como tanques e artilharia. Do outro, uma força de guerrilheiros repleta de armas leves (fuzis e metralhadoras) e, principalmente, explosivos.
Jenin é um labirinto de ruas estreitas e casas grudadas umas às outras. Os guerrilheiros palestinos puderam espalhar armadilhas por toda parte.
"Nós não queríamos arrasar toda a área, mas não creio que ninguém na história enfrentou isso, cada rua e cada casa com armadilhas", disse o general israelense Shmuel Yachin à revista "Aviation Week & Space Technology".
Um oficial de engenharia israelense contou 128 explosões separadas durante o processo de "limpeza" de armadilhas explosivas em uma única rua. EUA e Israel perceberam que o poder de fogo sozinho não basta para eliminar um inimigo decidido de uma área urbana, sem destruição maciça e baixas elevadas entre civis, além de grandes perdas entre os atacantes. Uma solução parcial é o emprego da tecnologia.
Israel está modificando sua doutrina de luta urbana, dando menos importância ao combate entre blindados e ao uso de artilharia e mais atenção a aviões não-tripulados e helicópteros.
A idéia básica é juntar o lado prático -como invadir uma casa, como atravessar uma rua debaixo de fogo etc.- com o enfoque tecnológico. Os aviões sem piloto são equipados com câmaras, radares e meios de identificar transmissões para localizar o inimigo.
Até robôs foram recrutados. Os fuzileiros navais dos EUA estão examinando dois modelos de robô de guerra urbana. Um deles se chama mesmo K8 Urban Robot System, da empresa iRobot, de Massachusetts.
O K8 anda sobre lagartas, como se fosse um minitanque. Tem 60 cm de comprimento por 51 cm de largura e 17 cm de altura, pesando apenas 13,5 kg. Pilotado por controle remoto, pode mesmo subir rampas e escadas e até se endireitar em caso de queda.
Mas, apesar disso, atrás do robô vai ter que estar um soldado com fuzil na mão.


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