São Paulo, quarta-feira, 10 de novembro de 2010

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CRÍTICA

Fora do poder, ex-presidente finalmente mostra humildade

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE SÃO PAULO

Numa entrevista coletiva no início de 2005, alguém perguntou ao presidente George W. Bush qual tinha sido o seu maior erro no primeiro mandato.
Ele olhou para o teto, com expressão indagadora, por uns dez segundos e respondeu, assertivo: "Não consigo pensar em nenhum".
Talvez o tempo fora do poder lhe tenha ensinado alguma lição de humildade.
Ou seus sempre eficientes assessores de relações públicas o tenham aconselhado a escrever como se a tivesse aprendido.
O fato é que "Decision Points", sua autobiografia talvez precoce (ele tem apenas 64 anos), lançada ontem nos EUA, traz inúmeras expressões de autocrítica.
"Eu fui pego desprevenido [pela crise financeira], achava que qualquer problema sério de crédito seria contido pelas agências reguladoras ou de classificação de risco.
Eu me senti como o capitão de um navio naufragando." Sobre a invasão do Iraque, a mais polêmica de suas decisões, diz que não se arrepende, mas que ficou surpreso ao constatar que sua principal justificativa (a posse de armas de destruição em massa pelo regime de Saddam Hussein) não existia:
"Ninguém ficou mais chocado e bravo com isso do que eu. Sentia enjoo toda vez que pensava nisso. Ainda sinto".
No caso das providências para ajudar as vítimas do furacão Katrina, diz que"deveria ter reconhecido as deficiências antes e intervindo mais rapidamente".
O livro é escrito na linguagem rastaquera que distinguiu a retórica desse político, nunca notabilizado pela sofisticação do pensamento.
Os fatos são descritos de modo simplório, sem nada que sugira ter resultado de algum esforço de introspecção por parte do autor.
Mas é magnificamente bem ilustrado, com ótimas fotos, quase todas do fotógrafo oficial da Casa Branca, Eric Draper.
Bush não demonstra nenhum respeito pela liturgia do cargo que ocupou. Fala com naturalidade desconcertante sobre um de seus hábitos após ter deixado a Casa Branca (apanhar o cocô de seu cachorro) e sobre o modo heterodoxo com que tomou decisões importantes antes dela (como opor-se ao aborto após sua mãe trazer para casa o feto que havia perdido por causas naturais e o mostrar ao filho adolescente).
No fim, o ex-presidente diz que se satisfaz com a convicção de que sempre fez o que acreditava ser a coisa certa.
Usa o lugar-comum de que a história julgará o seu governo, mas, no melhor estilo Luís 15 ("après mois, le déluge"), afirma que não se importa muito com isso:
"Qualquer que venha a ser o veredicto sobre minha Presidência, sinto-me confortável pelo fato de que não estarei por aqui para ouvi-lo".
Esse homem é visto favoravelmente por 49% dos americanos, segundo pesquisa do Instituto Gallup no mês passado, e recebeu US$ 7 milhões de adiantamento pelos direitos do livro, que teve uma primeira tiragem de 1,5 milhão de cópias (fora as centenas de milhares vendidas eletronicamente).

DECISION POINTS
AUTOR George W. Bush
EDITORA Crown
QUANTO US$ 18,90 pela Amazon, mais frete (512 págs.)
AVALIAÇÃO regular


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