São Paulo, segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

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Bolívia aprova reeleição com limite

Em sessão-maratona em Oruro, constituintes sancionam os 411 artigos da nova Carta, que ainda irá a referendo

Governo cede em reeleição ilimitada, mas texto votado com presença diminuta da oposição permite a Morales continuar no poder até 2019

FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A ORURO (BOLÍVIA)

Depois de quase 16 horas de uma sessão confusa e em vários momentos tensa, a Assembléia Constituinte da Bolívia aprovou ontem na cidade de Oruro (oeste) o texto da nova Carta Magna do país, o principal projeto do governo do esquerdista Evo Morales. A Constituição será submetida a referendo.
Além de ampliar os direitos dos povos originários -62% da população boliviana se diz pertencente a uma etnia indígena-, a Carta permitirá a reeleição para presidente e vice para mais um único mandato de cinco anos.
Mas, pelas novas regras, Evo Morales poderá ficar no poder até o fim 2019, totalizando quase 14 anos no cargo, pois a nova Constituição prevê a convocação de eleições gerais cerca de um ano depois de sancionada -desconsiderando mandatos anteriores. Durante o atual mandato, o presidente poderá se candidatar novamente, e, se vencer, ao final do período poderá concorrer mais uma vez.
Ainda assim, o mecanismo de reeleição aprovado é um recuo em relação ao texto geral da Carta, que não impunha limites ao número de mandatos consecutivos. A aprovação, porém, contradiz afirmações tanto do vice-presidente Álvaro García Linera à Folha como de dirigentes do governista MAS (Movimento ao Socialismo), que declararam preferir ver o tema ser submetido a referendo próprio.
Os 411 artigos da nova Carta foram referendados por dois terços dos presentes na sessão em Oruro: a esmagadora maioria do MAS (130 dos 160 assembleístas presentes) e aliados menores. O maior partido de oposição, o Podemos, não participou da sessão -só quatro dissidentes foram-, ao contrário do também oposicionista União Nacional (sete integrantes votaram ontem).

Meses de conflito
A maratona deste fim de semana para a aprovação da nova Constituição coroa um processo de quase um ano e meio de disputa entre oposição e governo marcado por episódios de violência. Há duas semanas, em sessão na cidade de Sucre, sede original da Assembléia, três pessoas morreram em confrontos entre manifestantes pró e contra Morales.
Após meses de paralisia da Constituinte devido a protestos da população de Sucre, que defendia que a cidade fosse reconhecida capital do país -sentimento aproveitado pela oposição-, os governistas aprovaram o texto geral em um quartel da cidade, cercado por simpatizantes. Na sessão, só o sumário da nova Constituição foi lido, e mudou-se a toque de caixa o regulamento.
Na noite do último sábado, a situação se repetiu em Oruro, reduto de Morales escolhido como sede da Assembléia na madrugada de sexta. Um grupo de apoiadores do governo cercou o Centro de Convenções da Universidade de Oruro. Com explosões de dinamite e ameaças, os manifestantes praticamente impediram que se deixasse do prédio após as 2h.
Dentro do edifício, a sessão se arrastou durante toda a noite de sábado e a manhã de ontem -o governo corria contra o tempo porque a convocação da Assembléia expira no dia 14.
Os governistas começaram a leitura dos artigos seguida pela aprovação por aclamação, sem respeito a "pedidos de palavra" dos constituintes. Um grupo do Podemos entrou no prédio gritando que a sessão era "ilegal"". Após momentos de tensão, a mesa diretora da Assembléia voltou ao regulamento e passou à leitura dos 411 artigos, divididos em cinco blocos, com debate dos assembleístas.

Latifúndio
Por vezes confusa e tentando acelerar a votação, a presidente da Assembléia, Silvia Lazarte, foi responsável por momentos cômicos: "Rápidos, violentos!", gritava para que os constituintes levantassem a mão. A aprovação de todos os temas foi praticamente automática, à exceção do artigo que contemplaria a demanda de Sucre para ser reconhecida como capital. A apresentação da proposta causou furor entre os assembleístas de La Paz, hoje sede dos poderes Executivo e Legislativo.
Após horas de negociação, Sucre foi reconhecida a capital. La Paz exigiu a aprovação de um artigo que torna crime de "traição da pátria" qualquer intento de "dividir o país" -a meta é impedir um referendo para decidir qual cidade deve ser a capital plena da Bolívia. Como o texto é vago, a confusão em torno do tema deve continuar.
Os governistas também apresentaram duas propostas para a definição de latifúndio (se maior que 5.000 ha ou 10 mil ha). Não houve maioria de dois terços, e o tema vai a referendo independente, antes de o texto completo da Carta ser submetido a consulta.
O referendo do latifúndio foi uma estratégia do MAS para levar adiante a aprovação da Carta. Sem consulta específica, eles teriam de aprovar o texto, por lei, com o voto de 170 dos 255 constituintes -meta impossível sem a participação expressiva do Podemos e do MNR (Movimento Nacional Revolucionário), que boicotam a Assembléia por considerá-la ilegal.

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