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Bolívia aprova reeleição com limite
Em sessão-maratona em Oruro, constituintes sancionam os 411 artigos da nova Carta, que ainda irá a referendo
Governo cede em reeleição ilimitada, mas texto votado com presença diminuta da oposição permite a Morales continuar no poder até 2019
FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A ORURO (BOLÍVIA)
Depois de quase 16 horas de
uma sessão confusa e em vários
momentos tensa, a Assembléia
Constituinte da Bolívia aprovou ontem na cidade de Oruro
(oeste) o texto da nova Carta
Magna do país, o principal projeto do governo do esquerdista
Evo Morales. A Constituição
será submetida a referendo.
Além de ampliar os direitos
dos povos originários -62% da
população boliviana se diz pertencente a uma etnia indígena-, a Carta permitirá a reeleição para presidente e vice para
mais um único mandato de
cinco anos.
Mas, pelas novas regras, Evo
Morales poderá ficar no poder
até o fim 2019, totalizando quase 14 anos no cargo, pois a nova
Constituição prevê a convocação de eleições gerais cerca de
um ano depois de sancionada
-desconsiderando mandatos
anteriores. Durante o atual
mandato, o presidente poderá
se candidatar novamente, e, se
vencer, ao final do período poderá concorrer mais uma vez.
Ainda assim, o mecanismo
de reeleição aprovado é um recuo em relação ao texto geral
da Carta, que não impunha limites ao número de mandatos
consecutivos. A aprovação, porém, contradiz afirmações tanto do vice-presidente Álvaro
García Linera à Folha como de
dirigentes do governista MAS
(Movimento ao Socialismo),
que declararam preferir ver o
tema ser submetido a referendo próprio.
Os 411 artigos da nova Carta
foram referendados por dois
terços dos presentes na sessão
em Oruro: a esmagadora maioria do MAS (130 dos 160 assembleístas presentes) e aliados
menores. O maior partido de
oposição, o Podemos, não participou da sessão -só quatro
dissidentes foram-, ao contrário do também oposicionista
União Nacional (sete integrantes votaram ontem).
Meses de conflito
A maratona deste fim de semana para a aprovação da nova
Constituição coroa um processo de quase um ano e meio de
disputa entre oposição e governo marcado por episódios de
violência. Há duas semanas, em
sessão na cidade de Sucre, sede
original da Assembléia, três
pessoas morreram em confrontos entre manifestantes
pró e contra Morales.
Após meses de paralisia da
Constituinte devido a protestos da população de Sucre, que
defendia que a cidade fosse reconhecida capital do país
-sentimento aproveitado pela
oposição-, os governistas
aprovaram o texto geral em um
quartel da cidade, cercado por
simpatizantes. Na sessão, só o
sumário da nova Constituição
foi lido, e mudou-se a toque de
caixa o regulamento.
Na noite do último sábado, a
situação se repetiu em Oruro,
reduto de Morales escolhido
como sede da Assembléia na
madrugada de sexta. Um grupo
de apoiadores do governo cercou o Centro de Convenções da
Universidade de Oruro. Com
explosões de dinamite e ameaças, os manifestantes praticamente impediram que se deixasse do prédio após as 2h.
Dentro do edifício, a sessão
se arrastou durante toda a noite de sábado e a manhã de ontem -o governo corria contra o
tempo porque a convocação da
Assembléia expira no dia 14.
Os governistas começaram a
leitura dos artigos seguida pela
aprovação por aclamação, sem
respeito a "pedidos de palavra"
dos constituintes. Um grupo do
Podemos entrou no prédio gritando que a sessão era "ilegal"".
Após momentos de tensão, a
mesa diretora da Assembléia
voltou ao regulamento e passou
à leitura dos 411 artigos, divididos em cinco blocos, com debate dos assembleístas.
Latifúndio
Por vezes confusa e tentando
acelerar a votação, a presidente
da Assembléia, Silvia Lazarte,
foi responsável por momentos
cômicos: "Rápidos, violentos!",
gritava para que os constituintes levantassem a mão. A aprovação de todos os temas foi praticamente automática, à exceção do artigo que contemplaria
a demanda de Sucre para ser reconhecida como capital. A
apresentação da proposta causou furor entre os assembleístas de La Paz, hoje sede dos poderes Executivo e Legislativo.
Após horas de negociação,
Sucre foi reconhecida a capital.
La Paz exigiu a aprovação de
um artigo que torna crime de
"traição da pátria" qualquer intento de "dividir o país" -a meta é impedir um referendo para
decidir qual cidade deve ser a
capital plena da Bolívia. Como
o texto é vago, a confusão em
torno do tema deve continuar.
Os governistas também apresentaram duas propostas para
a definição de latifúndio (se
maior que 5.000 ha ou 10 mil
ha). Não houve maioria de dois
terços, e o tema vai a referendo
independente, antes de o texto
completo da Carta ser submetido a consulta.
O referendo do latifúndio foi
uma estratégia do MAS para levar adiante a aprovação da Carta. Sem consulta específica, eles
teriam de aprovar o texto, por
lei, com o voto de 170 dos 255
constituintes -meta impossível sem a participação expressiva do Podemos e do MNR (Movimento Nacional Revolucionário), que boicotam a Assembléia por considerá-la ilegal.
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