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Carta dos Direitos Humanos chega aos 60 como marco
Apesar de revezes em sua aplicação, declaração da ONU é referência obrigatória
Documento inspira tratados globais e leis em mais de 90 países; alta comissária lamenta persistência de impunidade e autoritarismo
MARCELO NINIO
DE GENEBRA
A Declaração Universal dos
Direitos Humanos, talvez o documento internacional mais
conhecido da história, completa hoje 60 anos de sua adoção
como referência obrigatória no
respeito às liberdades e direitos
fundamentais do homem.
Mesmo entre os ativistas que
se dedicam a denunciar a limitada aplicação prática de seus
30 artigos, o texto é considerado a pedra fundamental do reconhecimento da igualdade e
dignidade humanas, um marco
que influenciou todos os tratados e iniciativas sobre o tema
nas últimas seis décadas.
Inspirada na Declaração
francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e
na Declaração de Independência dos EUA, de 1776, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi criada sob o efeito do
trauma provocado pelos horrores da Segunda Guerra Mundial e do genocídio nazista.
Seu primeiro artigo é certamente um dos mais repetidos
em todos os tempos: "Todos os
homens nascem livres e iguais
em dignidade e direitos. São
dotados de razão e consciência
e devem agir em relação uns
aos outros com espírito de fraternidade". Os demais 29 defendem direitos básicos, como
alimentação, segurança, trabalho e liberdade de expressão.
Artigos muitas vezes em falta
no planeta, reconhece a alta comissária de Direitos Humanos
da ONU, Navanethem Pillay,
para quem a declaração continua sendo uma "promessa não
cumprida". Mas ela lembra que
o documento inspirou vários
tratados internacionais e as leis
de mais de 90 países.
Além disso, diz Pillay, a declaração motivou a criação de
mecanismos regionais e nacionais de monitoramento do respeito a seus princípios, incluindo o Alto Comissariado, que
chefia desde setembro.
Para ela, a obsessão por segurança em alguns países nos últimos anos criou um novo desafio à declaração. "É preciso reconhecer que a impunidade, os
conflitos armados e os regimes
autoritários não foram derrotados, e que, lamentavelmente, os
direitos humanos são às vezes
colocados de lado em nome da
segurança", disse a sul-africana
Pillay à Folha, por email.
"Incontornável"
Adotado em Paris no dia 10
de dezembro de 1948 pelos então 58 Estados-membros da
ONU, entre eles o Brasil, o documento tornou-se a base de
tudo o que foi pensado em direitos humanos desde então.
"A Declaração Universal é
um texto incontornável, que
inspirou sete tratados e a própria estrutura da Comissão de
Direitos Humanos da ONU",
disse à Folha, de Pequim, o
cientista político Paulo Sérgio
Pinheiro, um dos brasileiros
mais respeitados na área.
Pinheiro, que foi relator da
ONU em países onde o respeito
aos princípios da declaração
são pouco mais que uma utopia, como Mianmar, destaca a
relevância histórica do texto.
"Ele lembra que o século 20
não foi só os horrores de genocídio e limpeza étnica, mas
também o início da caminhada
para combater essas e outras
atrocidades", diz.
A embaixadora do Brasil para direitos humanos em Genebra, Maria Nazareth Farani
Azevedo, defende a declaração
como instrumento de cooperação, não de pressão. "Direitos
humanos devem servir como
inspiração, não imposição."
A aplicação do documento é
tema de constantes debates. Os
ativistas que acompanham o
Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, costumam deixar as sessões com
uma sensação de impotência,
pela falta de mecanismos de
punição aos violadores.
"Ninguém nega a importância da declaração, nem os países que não a respeitam", diz
Julie Rivero, da Human Rights
Watch. "O problema é que a
politização dos debates leva os
países a esquecerem que o mais
importante é a defesa das vítimas, não de seus interesses."
Veja cobertura multimídia
na Folha Online
www.folha.com.br/083441
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