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"Omissão também é violação"
Vácuo institucional alimenta animosidades e solapa Declaração Universal dos Direitos Humanos, diz Sérgio Adorno
Para sociólogo, ações internacionais têm sido ineficazes na reconstrução de Estados; casos como o de Guantánamo são paradoxo
CLARA FAGUNDES
DA REDAÇÃO
A omissão do Estado é também uma forma de violação humanitária, afirma Sérgio Adorno, coordenador do Núcleo de
Estudos sobre a Violência da
USP. Otimista sobre o efeito
prático da Declaração Universal dos Direitos Humanos, sexagenária hoje, o sociólogo disse à Folha que o tema se impôs
nas relações entre países, embora a eficácia das convenções
internacionais ainda seja "um
grande desafio".
FOLHA - Qual o legado da Declaração Universal dos Direitos Humanos
após 60 anos?
SÉRGIO ADORNO - O principal legado é o reconhecimento de
que, apesar das diferenças étnicas, religiosas, sexuais, políticas, econômicas, culturais e de
poder, todos têm direito a ter
direitos. O principal deles é o
direito à vida, do qual decorrem
as liberdades civis, políticas e
os direitos coletivos.
FOLHA - A declaração produziu
consciência sobre os direitos humanos. Mas como esse reconhecimento internacional se traduz em ações
práticas?
ADORNO - Essa consciência sobre os direitos humanos resultou em convenções assinadas
por diversos Estados. Além da
própria declaração de 1948, há
hoje convenções internacionais sobre os direitos de grupos
específicos, como mulheres e
crianças, de repúdio a práticas
como o racismo e o genocídio.
A ampliação e a eficácia das
convenções ainda é um grande
desafio, mas acho que muita
coisa aconteceu nesses 60 anos.
Foram criados, no âmbito da
própria ONU, mecanismos de
fiscalização, como sanções e
tribunais. Os direitos humanos
são uma pauta constante das
relações internacionais.
FOLHA - A principal crítica à Comissão de Direitos Humanos da ONU
era o seu viés político. Até que ponto
o Conselho de Direitos Humanos,
que a substituiu em 2006, representa um avanço?
ADORNO - A pressão política é
muito forte nos fóruns internacionais. Mas a iniciativa da comissão de visitar os países e fazer relatórios é uma forma de
pressão. O monitoramento é
feito também por agentes do
Estado, sobretudo, não-governamentais. Estamos falando,
porém, de relações políticas...
Há países que limitam a visita
das comissões, o que é grave.
FOLHA - É o que ocorre em Guantánamo [base militar, em Cuba, onde
os EUA mantêm os detidos da
"guerra ao terror"]...
ADORNO - O caso de Guantánamo é um contra-senso. Os EUA
alegam que os detidos são terroristas e não prisioneiros de
guerra. Mas você não pode excluir pessoas da comunidade
humana; o direito à defesa e à
dignidade se aplica a todos, independentemente dos crimes
que possam ter cometido.
FOLHA - Os direitos humanos surgiram como uma afirmação do indivíduo face à tirania do Estado. O que
muda hoje, quando a falência do Estado é considerada uma razão primordial de violações?
ADORNO - As violações não envolvem necessariamente uma
intervenção ativa do Estado,
mas também a omissão. O vácuo institucional cria um clima
de todos contra todos. A ação
internacional tem sido ineficaz
quando é preciso restaurar as
bases do Estado.
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