São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2009

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Divisão entre palestinos complica crise

Hamas vê Fatah, único interlocutor levado em conta por Israel, como traidor; dirigente da ANP qualifica grupo islâmico de "estúpido"

Futuro político é obscuro; embora mandato de Abbas tenha expirado, não se sabe como nem quando poderão acontecer novas eleições

Olivier Fitoussu/Efe
Jovens palestinos lançam pedras contraa polícia israelense em Jerusalém Ocidental, em protesto contra ofensiva na faixa de Gaza

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A RAMALLAH

Em meia hora de conversa com uma delegação de deputados europeus, na elegante sala de espera de seu gabinete, em Ramallah, o toque do celular obriga Salam Fayad a se desculpar três vezes. "Lamento, mas vou ter que atender."
Após um diálogo curto, de respostas monossilábicas, o primeiro-ministro palestino explica aos convidados, com semblante fechado: "Estou sendo atualizado ao mesmo tempo sobre Gaza e Ramallah. A situação é muito tensa".
Fayad recebe os parlamentares no novo e superprotegido prédio em que chefia o governo palestino, justamente no momento em que terminam as orações de sexta-feira nas mesquitas de Ramallah e de outras cidades da Cisjordânia e a polícia se prepara para mais uma série de demonstrações contra os ataques na faixa de Gaza.
A preocupação de Fayad com as duas "frentes" reflete o dilema que a Autoridade Nacional Palestina (ANP) enfrenta desde a vitória eleitoral do Hamas, em 2006, e que assumiu feições ainda mais problemáticas desde o início da ofensiva de Israel contra os fundamentalistas.
"A situação é catastrófica do ponto de vista humanitário", diz Fayad no encontro com os parlamentares, o qual a Folha presenciou. "A destruição da infraestrutura de Gaza é sem precedentes. Vocês podem imaginar a raiva das pessoas. Ao mesmo tempo, temos que impedir que o caos se instale."
Economista respeitado, com formação em universidades americanas e passagens por Banco Mundial e FMI (Fundo Monetário Internacional), Fayad foi nomeado primeiro-ministro em junho de 2007, depois que uma miniguerra civil em Gaza deu proporções geográficas à divisão política palestina. Desde então, o laico Fatah controla a Cisjordânia, e o islâmico Hamas, a faixa de Gaza.

Cessar-fogo
Candidato independente nas eleições de 2006, que provocaram um terremoto na região ao dar a vitória ao Hamas, Fayad é visto como um administrador competente, sem laços políticos com nenhuma das facções.
Mas no cenário de desconfiança que tomou conta da política palestina, independência e neutralidade parecem coisa do passado. Apontado para um cargo que o Hamas conquistou nas urnas, Fayad não perdoa a recusa dos fundamentalistas em aceitar o cessar-fogo proposto pela ONU.
"É perturbador. Diante da extensão de destruição em Gaza, o mais importante agora deveria ser um cessar-fogo imediato, que pudesse salvar vidas", diz Fayad, que também não poupa críticas a Israel. "Se Israel tivesse cumprido os acordos assinados, não estaríamos nesta situação."
O fosso ideológico criado entre os dois principais grupos palestinos torna a crise atual ainda mais difícil de ser solucionada. No esboço da proposta franco-egípcia apresentada há poucos dias, o Hamas nem sequer é mencionado, enquanto a ANP recupera a responsabilidade pela supervisão das fronteiras. Mas poucos acreditam numa solução sustentável sem a aprovação do Hamas.
Nos últimos meses, seguidas tentativas de promover uma reconciliação entre os palestinos fracassaram. Isolado em Gaza, sob pressão militar israelense e boicotado por boa parte da comunidade internacional, que o considera um grupo terrorista, o Hamas vê a parceria entre o Fatah do presidente Mahmoud Abbas e Israel como uma traição.

Entre dois inimigos
Por sua vez, os dirigentes do Fatah caminham numa corda bamba entre o Hamas, seu rival político, e Israel, o inimigo histórico. "Travamos uma batalha com o Hamas pelos corações e mentes de nosso povo", diz à Folha Rafiq Husseini, chefe-de-gabinete do presidente Abbas. "O problema é que todas as decisões estratégicas de Israel fortalecem o Hamas, incluindo a invasão de Gaza."
Husseini diz que Israel sabota as tentativas da ANP de oferecer um modelo político promissor aos palestinos, pois não oferece recompensas pelo processo de paz. Expande os assentamentos judaicos, afirma, toma 12% do território com a construção do muro e torna a vida na Cisjordânia um sofrimento permanente, com 640 barreiras militares.
Ao mesmo tempo, Husseini não esconde sua frustração com o Hamas. Diz que a ANP alertou repetidamente que o lançamento de foguetes contra Israel acabaria mal. "O Hamas é estúpido", dispara. "É um partido religioso, seus líderes acreditam que irão para o paraíso se morrerem. São irresponsáveis, e nós dizemos isso claramente a eles. Civis estão sendo mortos por causa de suas decisões."
Em meio à fumaça dos bombardeios israelenses, o futuro político palestino jamais esteve tão obscuro. O mandato de Abbas terminou oficialmente anteontem, mas ninguém se arrisca a dizer quando e como novas eleições serão possíveis.
Três semanas antes da ofensiva israelense, uma pesquisa de opinião mostrou que o Fatah receberia 48% dos votos no caso de uma nova eleição, contra 38% para o Hamas. Mas o balanço pode ser radicalmente alterado, dependendo do desfecho da crise e da imagem dos líderes ao final da ofensiva.
Uma reconciliação, considerada essencial para resolver a crise, pode não ser mais possível. "É tarde demais para isso, a desconfiança é muito grande", diz o cientista político palestino Mahdi Abdul Hadi. "Se quisermos ter esperança, uma nova geração terá que emergir."


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