São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2009

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Conflito ressalta sutilezas nos blocos tradicionais no Oriente Médio

Enquanto Egito e Arábia Saudita mantêm alinhamento com EUA, Turquia tenta consolidar polo negociador neutro; laços do Irã com Hamas revelam-se frágeis

SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL

Os ataques contra a faixa de Gaza evidenciam as profundas divergências entre os países islâmicos do Oriente Médio em relação a Israel e contribuem para redefinir o equilíbrio de forças na região.
A ofensiva contra o Hamas despertou a fúria de opiniões públicas amplamente solidárias aos palestinos e colocou governos na parede, obrigando-os a se posicionar em função de suas prioridades estratégicas e geopolíticas.
A atual crise trouxe à tona uma geometria mais tênue nas tradicionais clivagens: israelenses x árabes; vizinhos que reconhecem Israel x quem não reconhece; sunitas x xiitas; radicais x moderados.
Um dos traços mais marcantes neste cenário é o "inédito alinhamento total do Egito com Israel", segundo Bashir Bashir, cientista político palestino da Universidade Hebraica de Jerusalém.
Bashir afirma que o Egito, embora mantenha relações normais com Israel há três décadas e seja um aliado dos EUA, nunca antes havia endossado tão claramente uma guerra contra árabes.
Historicamente a maior potência política árabe e berço do pan-arabismo, o Cairo manteve fechada a fronteira com Gaza, impedindo que palestinos pudessem fugir dos ataques e barrando a entrada de suprimentos no território.
A diplomacia egípcia chegou a minar a realização de uma cúpula árabe que discutiria a crise em Gaza, alegando que "a ideia precisava amadurecer".
O Egito, que mediou a última trégua entre Hamas e Israel (que expirou no mês passado), apresentou o plano de paz atualmente sob negociações, mas o fato de o texto atender às exigências israelenses e americanas reforça a suspeita de que os EUA estão por trás dele.
Segundo Bashir, o interesse do Cairo em enfraquecer o Hamas vem da ojeriza da ditadura egípcia a movimentos religiosos. O governo do país árabe mais populoso vê o ataque a Gaza como uma maneira de acabar de vez -ou ao menos enfraquecer- o Hamas e, por tabela, desmoralizar a Irmandade Muçulmana, entidade oposicionista egípcia que inspirou o surgimento do grupo palestino.
O Cairo também quer um Hamas mais fraco por considerá-lo um instrumento do Irã, rival persa do Cairo na disputa por influência regional.
A posição egípcia na crise gerou repúdio em todos os países muçulmanos, o que, segundo Bashir, "enfraquece o governo do Cairo e aumenta o potencial de instabilidade no Egito".
A Arábia Saudita, outra potência árabe, também acabou sendo vista como cúmplice dos ataques em Gaza, por nem sequer fazer gestões diplomáticas pelo fim dos ataques.
Nesse vácuo de liderança do mundo islâmico, inseriram-se inimigos de Israel: Síria e principalmente Irã, que angaria força política, mas revela nesta crise a sua inépcia militar.
"O Irã quer ser visto como "guardião da fé" e superpotência regional e está conseguindo", diz o intelectual iraniano Hooman Majd, autor do livro "The Ayatollah Begs to Differ" (O aiatolá pede para discordar).
Majd minimiza no entanto o apoio do xiita Irã ao sunita Hamas. "A relação só existe porque o grupo palestino está isolado e se volta para Teerã em busca de apoio e dinheiro", afirma o iraniano.
Ele afirma ainda ser improvável que o Irã forneça armas ao Hamas. "Seria difícil, pois a fronteira de Gaza é controlada pelo Egito, que nem sequer tem relações formais com Teerã."
De acordo com Majd, a crise revela também as limitações geopolíticas do Irã que, após anos jurando vingar muçulmanos mortos por israelenses, nada fez além das clássicas declarações de repúdio a Israel e promessas de ajuda humanitária aos palestinos.
"Teerã [mostrou de vez que] não pode e não quer uma guerra com Israel."
O mesmo, segundo Majd, vale para o libanês Hizbollah, que também mostrou relutância em agir contra Israel.

Terceira via
Entre os que apoiam e os que se erguem contra o ataque ao Hamas, um pequeno grupo de protagonistas parece ter escolhido uma espécie de terceira via, norteada pela necessidade de levar em conta as aspirações de Israel e ao mesmo tempo reconhecer -e até mesmo respeitar- o Hamas como o partido escolhido pelos palestinos nas legislativas de 2006.
Dois dos expoentes deste grupo são países que cultivam relações normais com Israel e EUA: Jordânia e Turquia.
Amã, contrariando a imagem de títere da Casa Branca, usa seu influente serviço secreto para fazer gestões que permitam ao Hamas sair da crise de cabeça erguida e pavimentar o caminho rumo à reconciliação do grupo islâmico com o inimigo laico Fatah.
"Os jordanianos sabem que não há solução israelo-palestina sem o Hamas", diz Bashir.
Na mesma sintonia, Ancara surge como interlocutor crível e maduro. "A Turquia, além de ser a única democracia efetiva no mundo muçulmano, se firma como potência", afirma.
Para o francês Bruno Tertrais, da Fundação pela Pesquisa Estratégica, a crise de Gaza confirma uma tendência iniciada há alguns anos. "Cada vez mais os países muçulmanos estão mediando os seus problemas de vizinhança, e isso atende melhor aos interesses da região", diz Tetrais, citando como exemplo o fim da crise libanesa, mediada no ano passado pelo Qatar e pela Síria.


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