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Conflito ressalta sutilezas nos blocos tradicionais no Oriente Médio
Enquanto Egito e Arábia Saudita mantêm alinhamento com EUA, Turquia tenta consolidar polo negociador neutro; laços do Irã com Hamas revelam-se frágeis
SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL
Os ataques contra a faixa de
Gaza evidenciam as profundas
divergências entre os países islâmicos do Oriente Médio em
relação a Israel e contribuem
para redefinir o equilíbrio de
forças na região.
A ofensiva contra o Hamas
despertou a fúria de opiniões
públicas amplamente solidárias aos palestinos e colocou
governos na parede, obrigando-os a se posicionar em função
de suas prioridades estratégicas e geopolíticas.
A atual crise trouxe à tona
uma geometria mais tênue nas
tradicionais clivagens: israelenses x árabes; vizinhos que
reconhecem Israel x quem não
reconhece; sunitas x xiitas; radicais x moderados.
Um dos traços mais marcantes neste cenário é o "inédito
alinhamento total do Egito
com Israel", segundo Bashir
Bashir, cientista político palestino da Universidade Hebraica
de Jerusalém.
Bashir afirma que o Egito,
embora mantenha relações
normais com Israel há três décadas e seja um aliado dos EUA,
nunca antes havia endossado
tão claramente uma guerra
contra árabes.
Historicamente a maior potência política árabe e berço do
pan-arabismo, o Cairo manteve
fechada a fronteira com Gaza,
impedindo que palestinos pudessem fugir dos ataques e barrando a entrada de suprimentos no território.
A diplomacia egípcia chegou
a minar a realização de uma cúpula árabe que discutiria a crise
em Gaza, alegando que "a ideia
precisava amadurecer".
O Egito, que mediou a última
trégua entre Hamas e Israel
(que expirou no mês passado),
apresentou o plano de paz
atualmente sob negociações,
mas o fato de o texto atender às
exigências israelenses e americanas reforça a suspeita de que
os EUA estão por trás dele.
Segundo Bashir, o interesse
do Cairo em enfraquecer o Hamas vem da ojeriza da ditadura
egípcia a movimentos religiosos. O governo do país árabe
mais populoso vê o ataque a Gaza como uma maneira de acabar de vez -ou ao menos enfraquecer- o Hamas e, por tabela,
desmoralizar a Irmandade Muçulmana, entidade oposicionista egípcia que inspirou o surgimento do grupo palestino.
O Cairo também quer um
Hamas mais fraco por considerá-lo um instrumento do Irã, rival persa do Cairo na disputa
por influência regional.
A posição egípcia na crise gerou repúdio em todos os países
muçulmanos, o que, segundo
Bashir, "enfraquece o governo
do Cairo e aumenta o potencial
de instabilidade no Egito".
A Arábia Saudita, outra potência árabe, também acabou
sendo vista como cúmplice dos
ataques em Gaza, por nem sequer fazer gestões diplomáticas
pelo fim dos ataques.
Nesse vácuo de liderança do
mundo islâmico, inseriram-se
inimigos de Israel: Síria e principalmente Irã, que angaria
força política, mas revela nesta
crise a sua inépcia militar.
"O Irã quer ser visto como
"guardião da fé" e superpotência
regional e está conseguindo",
diz o intelectual iraniano Hooman Majd, autor do livro "The
Ayatollah Begs to Differ" (O
aiatolá pede para discordar).
Majd minimiza no entanto o
apoio do xiita Irã ao sunita Hamas. "A relação só existe porque o grupo palestino está isolado e se volta para Teerã em
busca de apoio e dinheiro", afirma o iraniano.
Ele afirma ainda ser improvável que o Irã forneça armas
ao Hamas. "Seria difícil, pois a
fronteira de Gaza é controlada
pelo Egito, que nem sequer tem
relações formais com Teerã."
De acordo com Majd, a crise
revela também as limitações
geopolíticas do Irã que, após
anos jurando vingar muçulmanos mortos por israelenses, nada fez além das clássicas declarações de repúdio a Israel e
promessas de ajuda humanitária aos palestinos.
"Teerã [mostrou de vez que]
não pode e não quer uma guerra com Israel."
O mesmo, segundo Majd, vale para o libanês Hizbollah, que
também mostrou relutância
em agir contra Israel.
Terceira via
Entre os que apoiam e os que
se erguem contra o ataque ao
Hamas, um pequeno grupo de
protagonistas parece ter escolhido uma espécie de terceira
via, norteada pela necessidade
de levar em conta as aspirações
de Israel e ao mesmo tempo reconhecer -e até mesmo respeitar- o Hamas como o partido
escolhido pelos palestinos nas
legislativas de 2006.
Dois dos expoentes deste
grupo são países que cultivam
relações normais com Israel e
EUA: Jordânia e Turquia.
Amã, contrariando a imagem
de títere da Casa Branca, usa
seu influente serviço secreto
para fazer gestões que permitam ao Hamas sair da crise de
cabeça erguida e pavimentar o
caminho rumo à reconciliação
do grupo islâmico com o inimigo laico Fatah.
"Os jordanianos sabem que
não há solução israelo-palestina sem o Hamas", diz Bashir.
Na mesma sintonia, Ancara
surge como interlocutor crível
e maduro. "A Turquia, além de
ser a única democracia efetiva
no mundo muçulmano, se firma como potência", afirma.
Para o francês Bruno Tertrais, da Fundação pela Pesquisa Estratégica, a crise de Gaza
confirma uma tendência iniciada há alguns anos. "Cada vez
mais os países muçulmanos estão mediando os seus problemas de vizinhança, e isso atende melhor aos interesses da região", diz Tetrais, citando como
exemplo o fim da crise libanesa,
mediada no ano passado pelo
Qatar e pela Síria.
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