São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2009

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Analistas veem limitação em gestões do Brasil na região

Para diplomatas e observadores, Itamaraty não consegue exercer influência no Oriente Médio

Chanceler Amorim começa hoje giro pela região para apresentar propostas, mas especialistas apontam falta de neutralidade do governo

DA REPORTAGEM LOCAL

O esforço do governo brasileiro para tentar mediar a crise em Gaza esbarra no alcance geopolítico limitado do Brasil e na falta de isenção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tido como pró-árabe, segundo diplomatas e analistas consultados pela Folha. A posição brasileira está cristalizada na proposta de organizar e eventualmente sediar uma conferência na qual os EUA -cujo alinhamento a Israel o Brasil considera contraproducente- não teriam o papel de principal mediador.
O Planalto alega a necessidade de "arejar" as conversas de paz, com a inclusão de novos negociadores "mais neutros". O chanceler Celso Amorim foi encarregado de dar vida ao projeto. Ele está em giro por Síria, Israel, Cisjordânia e Jordânia para detalhar o plano brasileiro, que inclui ainda um cessar-fogo e o envio de monitores à fronteira Egito-Gaza, ideias já contempladas nas gestões em andamento -com aval do governo americano.
O Brasil se diz credenciado para mediar a crise e cita como prova a participação, a convite dos EUA e com o aval de Israel, na Cúpula de Annapolis (EUA), em 2007. A reunião tentou relançar o diálogo entre israelenses e palestinos. Prevalece no Itamaraty o sentimento de que uma atuação altiva e madura reforça a candidatura do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Mas, segundo veteranos diplomatas brasileiros, a ideia de um encontro mundial sob os auspícios do Brasil é absurda.
"É uma sugestão que tira nossa credibilidade internacional. Nosso cacife aumentou nos últimos anos, mas não o bastante", afirma Marcos Azambuja, ex-embaixador do Brasil em Paris. "É evidente que nosso poder é limitado no Oriente Médio, pois não fazemos parte do Quarteto [para a mediação do conflito israelo-palestino, que inclui EUA, União Europeia, Rússia e ONU]. Temos que ser sóbrios", diz o diplomata.
Azambuja sugere que o Brasil, no melhor dos casos, poderia associar-se a projetos orquestrados por países com maior inserção no Oriente Médio, como Egito e França. Concorda Roberto Abdenur, ex-embaixador em Washington. "É uma ilusão o Brasil achar que pode ter alguma influência no Oriente Médio."
Neutralidade em xeque
O ex-chanceler Celso Lafer aponta outro empecilho para as gestões do Brasil: o suposto viés pró-palestino do presidente Lula e seus assessores. Lafer lembra que os comunicados do Itamaraty sobre a guerra "deploraram" os ataques israelenses a Gaza, que foram considerados pelo Brasil uma "resposta desproporcional" ao foguetes do Hamas. Em nota, o PT de Lula qualificou os ataques de Israel contra Gaza de "criminosos" e comparou a ofensiva a uma prática "nazista", causando indignação de entidades judaicas.
A neutralidade brasileira também é questionada pelo analista francês Bruno Tertrais, da Fundação pela Pesquisa Estratégica. "O Brasil me parece mais inclinado para os árabes, a exemplo do presidente francês anterior, que também buscava mediar o conflito sem ser imparcial [Jacques Chirac era tido como pró-árabe]."
O ex-embaixador Abdenur afirma que o Brasil também perde credenciais de interlocutor idôneo ao convidar o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, que questiona o Holocausto e a existência de Israel. Ahmadinejad deve visitar Brasília nos próximos meses. O governo israelense, que historicamente rejeitou toda mediação que não fosse americana, evita uma rejeição aberta das propostas brasileiras, dizendo-se apenas "disposto a ouvir toda proposta em busca da paz", nas palavras de Raphael Singer, porta-voz da Embaixada de Israel em Brasília. Em contraste, o entusiasmo palestino é total. "Somos muito gratos pela posição do Brasil e apoiamos suas gestões", diz Ibrahim Alzeben, embaixador da Autoridade Nacional Palestina (ANP) no Brasil.
O cientista político Marcelo Coutinho, do Observatório Sul-Americano, não vê problema no fato de o Brasil emitir posições diplomáticas pronunciadas. Ele cita como êxito o apoio de França, Rússia e China à candidatura brasileira a um assento no CS da ONU. "O Brasil é chamado a opinar sobre questões como Gaza, mas me parece um exagero querer deslocar os EUA das mediações", diz Coutinho. (SAMY ADGHIRNI)
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