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Egito aperta cerco a Gaza e tensiona divisa
Cairo restringe movimento na fronteira com território palestino, angustia moradores e refugiados e revolta ativistas
Comboios humanitários de estrangeiros, palestinos e descendentes têm de passar por romaria para chegar ao local por passagem egípcia
Marcelo Ninio/Folha Imagem
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Grupo aguarda enquanto tenta entrar na faixa de Gaza pela passagem de Rafah, única controlada pelo Egito no território palestino
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A RAFAH (EGITO)
Passa um pouco das 5h e uma
porta de ferro se abre a poucos
metros da divisa do Egito com a
faixa de Gaza. Cinco jovens estrangeiros com cara de sono
saem enrolados em cobertores
de uma das duas vendas do local, um bar sujo cujo cardápio
se resume a chá, café, refrigerantes, biscoitos e batata frita.
Vai começar mais um dia de
espera em Rafah, a imprevisível
fronteira egípcia com o território palestino controlado pelo
grupo extremista Hamas. Na
virada do ano, duas caravanas
de solidariedade com palestinos colocaram a polícia egípcia
em alerta, tornando os caminhos e cercanias de Rafah quase proibidos para estrangeiros.
Os cinco que dormiram no
bar foram dos raros, entre centenas, que superaram as várias
barreiras policiais do Cairo a
Rafah e chegaram à divisa, com
poucas esperanças de entrar.
"Para nós a virada do ano foi
como jogo de gato e rato com a
polícia", conta uma universitária italiana, pedindo para não
ser identificada. "Policiais chegaram a cercar o nosso hotel no
Cairo, para assegurar que não
chegaríamos à fronteira", diz.
Cursando o segundo ano de
Ciências Políticas, ela foi uma
das 1.300 ativistas que foram ao
Egito atendendo a chamado do
grupo feminino americano Codepink para uma marcha contra o bloqueio à faixa de Gaza.
O plano era todos entrarem
em 27 de dezembro, para protestar contra o ataque israelense que começou nesta data, em
2008. Mas não adiantou acampar na frente da embaixada da
França nem fazer greve de fome: só 84 entraram, ainda assim por intervenção da primeira-dama, Suzanne Mubarak.
Dor de cabeça
Ao mesmo tempo, o comboio
humanitário Viva Palestina, liderado pelo polêmico e midiático deputado britânico George
Galloway, tentava entrar em
Gaza com mais de cem veículos
e US$ 4 milhões em suprimentos. Desde Londres, alguns dos
450 ativistas percorreram quase 8.000 km até chegar a Rafah.
Conforme anunciado, o Egito reabriu a fronteira no dia 3
de janeiro, mas o movimento
nos dois sentidos, sob controle
redobrado, fluiu a conta-gotas.
Estrangeiros foram mantidos longe, inclusive a imprensa.
Apesar de ter obtido permissão
do Ministério do Interior para
ir a Gaza, a reportagem da Folha foi barrada por "mudanças
nas normas de segurança".
Única passagem de Gaza não
controlada por Israel, Rafah é
uma dor de cabeça para o Egito
desde que o Hamas assumiu à
força o território, em 2007. Antigo desafeto ideológico, por
suas ligações com a oposição islâmica no Egito e o rival Irã, o
Hamas se tornou um vizinho
extremamente indesejável para o ditador Hosni Mubarak.
E criou um dilema: de um lado, a pressão do mundo islâmico por solidariedade aos palestinos; de outro, preocupações
com a segurança de sua fronteira e possíveis infiltrações do
Hamas. No meio de tudo, o drama dos residentes e refugiados.
"Por Israel não posso entrar
por ser refugiado. E pelo Egito
também não, pois não sou considerado palestino", diz Komy,
34, após ser barrado mais uma
vez em Rafah. Preparador físico
de futebol no Cairo, ele nasceu
no Kuait, para onde a sua família fugiu na Guerra de 1948,
quando Israel foi fundado.
Em 1990, nova mudança forçada: perseguida pelos soldados iraquianos que invadiram o
Kuait, a família migrou para o
Egito, de onde Komy tenta há
15 anos entrar em Gaza para
reaver as propriedades do pai.
De acordo com a UNRWA,
agência especializada da ONU,
há cerca de 4 milhões de refugiados palestinos, a maioria
nascida nessa condição. Em
Rafah, histórias de três gerações no exílio se acumulam.
Após um mês de viagem e
uma série de atritos com a polícia, na última quinta o comboio
de Galloway recebeu permissão para entrar em Gaza. Horas
antes, um policial egípcio fora
morto por um atirador no lado
palestino em meio a protestos
contra o atraso do comboio.
Para evitar novos incidentes,
o Cairo decidiu que, a partir de
agora, não haverá mais entrega
direta de ajuda aos palestinos
por seu território, apenas por
meio do Crescente Vermelho.
Mas Galloway, que acabou
sendo deportado do Egito, já
planeja a quarta versão da caravana em 2011 e promete: virá
com o venezuelano Hugo Chávez. "Ele disse que vem como
cidadão, não como presidente",
diz Komy, repetindo a manchete do noticiário no rádio que
acabou de ouvir.
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