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São Paulo, terça-feira, 11 de fevereiro de 2003

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ANÁLISE

Crise iraquiana ameaça ONU, Otan e UE


A crise iraquiana está envenenando as relações transatlânticas e as relações entre os países da Europa


RUPERT CORNWELL
DO "THE INDEPENDENT"

Essa é a estação do "dano colateral". Mesmo antes de começar, a guerra contra o Iraque já ameaça causar danos colaterais imensos às estruturas diplomáticas e de segurança do mundo moderno.
A crise está envenenando as relações transatlânticas e as relações entre os países da Europa. As Nações Unidas e a Otan, sem mencionar aquilo que passa por uma política externa comum da União Européia (UE), podem ver sua credibilidade ruir caso persistam as atuais divisões.
Trata-se de um momento Henry Kissinger, e o grande homem ontem cumpriu seu papel. A estrada para o desarmamento do Iraque, escreveu ele no "Washington Post", é a mais séria crise na Otan desde que ela foi criada, em 1949.
"Se os Estados Unidos cederem à ameaça de um veto francês, ou se o Iraque, encorajado pela ação de nossos aliados, escapar às opções não-militares cada vez mais reduzidas, o resultado será uma catástrofe para a aliança atlântica e para a ordem internacional". Em outras palavras, na opinião de Kissinger, não só "a credibilidade do poder americano na guerra contra o terrorismo... será grave e talvez irreparavelmente prejudicada" como também, na mais apocalíptica opinião expressa até agora sobre a crise, as principais instituições multilaterais criadas depois de 1945 também correm o risco de desabarem.
O julgamento talvez represente um exagero. A Otan, a UE e a ONU tiveram seus momentos difíceis. Mas a crise atual é diferente.
Trata-se de um momento de verdade, esperado desde o final da União Soviética, que pôs fim à ameaça existencial que aproximava os EUA e a Europa.
O verdadeiro final do século 20 foi o Natal de 1991, quando a bandeira soviética foi removida do Kremlin e substituída pela da Federação Russa. Os flagelos ideológicos do fascismo, do nazismo e do comunismo que fizeram do século passado o mais sangrento da história estavam extintos.
Depois houve um interregno marcado por pequenas guerras, progresso econômico e escândalos provocantes, o que não impediu o então chanceler francês, Hubert Vedrine, de cunhar a expressão "hiperpotência" para descrever o acachapante poderio relativo dos EUA.
O século 21 começou na ensolarada manhã de 11 de setembro de 2001. Os ataques daquele dia definiram o novo inimigo: terroristas internacionais capazes de golpear não só com jatos comerciais, mas com armas biológicas ou até mesmo nucleares. A atitude da hiperpotência ferida e zangada mudou. O 11 de setembro expôs a imensa força dos EUA.
Os acadêmicos teorizam sobre uma "guerra assimétrica" opondo grupos terroristas nebulosos às forças americanas. Mas a verdadeira assimetria, que está na raiz das atuais dificuldades entre os EUA e seus aliados, é o poderio militar de cada um. É isso que expôs, definitivamente, a ficção de que a Otan e a ONU são parlamentos de iguais. Mais claramente do que nunca, as decisões que realmente importam são tomadas em Washington.
A verdadeira questão é até que ponto a discussão se estenderá. Os americanos já falam abertamente em considerável redução de seus contingentes militares na Europa, o que expressaria o crescente desdém do país em relação ao continente.
A segunda área de "danos colaterais" é no interior da Europa. A crise iraquiana mais uma vez provou que, em momentos decisivos, o Reino Unido sempre optará pela aliança com os EUA. E uma política externa européia comum, dadas as histórias e os interesses diferentes dos principais países da UE, foi sempre uma utopia.
A verdadeira novidade é a nova divisão dos países europeus. França e Alemanha sempre se consideraram propulsores da integração européia. Como 18 países europeus -incluindo Itália, Espanha, Polônia e Reino Unido, quatro dos seis mais populosos países atuais e futuros da UE- expressaram apoio aos EUA, a idéia passou a ser questionável.
Mas a França é o principal alvo da ira dos EUA, pois ela é o epicentro do terceiro, e mais importante, desafio institucional que a crise iraquiana expôs: o futuro da ONU em si. Seu momento mais vitorioso foi a coalizão montada sob sua égide pelo presidente George Bush (pai) para expulsar Saddam Hussein do Kuait.
Como tudo mudou... "É a ONU que está realmente em discussão", diz o professor Michael Mandelbaum, um dos principais especialistas americanos em política externa. "As relações transatlânticas serão ruidosas e contenciosas. Mas operarão mais ou menos como uma democracia, onde as disputas, em última análise, são secundárias diante daquilo que mantém as partes unidas."
"O estranho é que aqueles que professam amar mais a ONU [franceses] a estão solapando, enquanto aqueles que não a apreciam muito [EUA] estão tentando dar poder prático a ela. Se isso fracassar, ninguém perderia mais que os franceses", afirma ele.


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