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Portugal vota hoje para descriminar aborto
País, que restringe prática e a pune com até três anos de prisão da mulher, tem uma das leis mais duras da Europa
Pesquisas indicam vitória do "sim", mas ativistas temem abstenção; proposta só vai virar lei se mais da metade dos eleitores for às urnas
VITORINO CORAGEM
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LISBOA
Os portugueses vão hoje às
urnas decidir sobre a descriminação do aborto. A votação
ocorre oito anos e oito meses
depois da primeira consulta,
em 1998, marcada por uma vitória tangencial (50,9%) do
"não" e por uma abstenção de
dois terços dos portugueses.
O "sim", escolha de muitos
que não tinham idade para votar em 1998, vence nas cinco
pesquisas publicadas anteontem. As diferenças sobre o
"não" vão dos 6 aos 21 pontos
percentuais, e a abstenção oscila entre 11% e 40%.
Desta vez, a mobilização civil
é maior. Os movimentos de cidadãos reuniram 260 mil assinaturas, cinco vezes mais do
que as apresentadas durante a
campanha de 1998.
As principais forças políticas
de esquerda, o Partido Comunista Português, o Partido Socialista e os Verdes, apelaram
pelo "sim". José Sócrates, secretário-geral do PS e líder do
governo, foi um dos destaque.
Em contrapartida, os conservadores do Partido Popular estão em campanha pelo "não". O
Partido Social-Democrata decidiu pela liberdade de voto.
Por sua vez, a Igreja Católica
encampou sua oposição à prática. O padre de Castelo de Vide,
Tarcísio Alves, ameaçou de excomunhão todos os cristãos
que votarem "sim". Aqueles
que o fizerem não poderão casar, ser batizados nem ter um
funeral religioso. Já o bispo de
Bragança e Miranda, dom António Moreira Montes, comparou o aborto à pena de morte.
Mas houve quem manifestasse dissidência. Um padre de
Viseu, Manuel Costa Pinto, 79,
afirmou votar "sim" para "acabar a humilhação das mulheres" em tribunal e o "verdadeiro infanticídio" a que, a seu ver,
a lei atual obriga.
Lei dura
Portugal está entre os seis
países da Europa com leis mais
restritivas em relação ao aborto. A lei atual, de 1984, permite
o aborto apenas em situações
específicas: estupro, até 16 semanas de gravidez; deformações graves do feto, até 12 semanas; e quando for o único
meio para evitar a morte ou lesão grave da mãe. Em outros
casos, a prática é punível com
até três anos de prisão.
Se o "sim" ganhar, será possível realizar o aborto com até
dez semanas de gravidez. Como
não há consenso sobre o momento do início da vida, estabeleceu-se um prazo em que é
certo que o feto não tem sistema nervoso central. Para o referendo ser vinculativo, é preciso mais de 50% dos votos.
O preço do aborto clandestino em Portugal varia de 400
a 750 -nas clínicas que
atuam dentro da lei, pode atingir 1.000. Mas, com a disponibilidade do Cytotec (medicamento com efeito colateral
abortivo) em qualquer farmácia portuguesa, a prática do
aborto em clínicas vem caindo.
Segundo dados da Associação de Planejamento Familiar
(APF), são feitos cerca de 20
mil abortos clandestinos por
ano em Portugal, e em 5.000
desses casos as mulheres têm
de ser socorridas em hospital
depois da intervenção.
As que têm melhores condições financeiras vão até Espanha. Clínicas privadas espanholas já ponderam a hipótese
de investir em Portugal, caso o
"sim" vença. Estima-se que,
nos últimos 20 anos, cerca de
cem mulheres morreram em
decorrência de aborto.
"Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada,
por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimentos de saúde legalmente autorizados?" é a pergunta que vai constar nas cédulas e que exige uma resposta
dos portugueses.
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