São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 2007

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Portugal vota hoje para descriminar aborto

País, que restringe prática e a pune com até três anos de prisão da mulher, tem uma das leis mais duras da Europa

Pesquisas indicam vitória do "sim", mas ativistas temem abstenção; proposta só vai virar lei se mais da metade dos eleitores for às urnas


VITORINO CORAGEM
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LISBOA

Os portugueses vão hoje às urnas decidir sobre a descriminação do aborto. A votação ocorre oito anos e oito meses depois da primeira consulta, em 1998, marcada por uma vitória tangencial (50,9%) do "não" e por uma abstenção de dois terços dos portugueses.
O "sim", escolha de muitos que não tinham idade para votar em 1998, vence nas cinco pesquisas publicadas anteontem. As diferenças sobre o "não" vão dos 6 aos 21 pontos percentuais, e a abstenção oscila entre 11% e 40%.
Desta vez, a mobilização civil é maior. Os movimentos de cidadãos reuniram 260 mil assinaturas, cinco vezes mais do que as apresentadas durante a campanha de 1998.
As principais forças políticas de esquerda, o Partido Comunista Português, o Partido Socialista e os Verdes, apelaram pelo "sim". José Sócrates, secretário-geral do PS e líder do governo, foi um dos destaque.
Em contrapartida, os conservadores do Partido Popular estão em campanha pelo "não". O Partido Social-Democrata decidiu pela liberdade de voto.
Por sua vez, a Igreja Católica encampou sua oposição à prática. O padre de Castelo de Vide, Tarcísio Alves, ameaçou de excomunhão todos os cristãos que votarem "sim". Aqueles que o fizerem não poderão casar, ser batizados nem ter um funeral religioso. Já o bispo de Bragança e Miranda, dom António Moreira Montes, comparou o aborto à pena de morte.
Mas houve quem manifestasse dissidência. Um padre de Viseu, Manuel Costa Pinto, 79, afirmou votar "sim" para "acabar a humilhação das mulheres" em tribunal e o "verdadeiro infanticídio" a que, a seu ver, a lei atual obriga.

Lei dura
Portugal está entre os seis países da Europa com leis mais restritivas em relação ao aborto. A lei atual, de 1984, permite o aborto apenas em situações específicas: estupro, até 16 semanas de gravidez; deformações graves do feto, até 12 semanas; e quando for o único meio para evitar a morte ou lesão grave da mãe. Em outros casos, a prática é punível com até três anos de prisão.
Se o "sim" ganhar, será possível realizar o aborto com até dez semanas de gravidez. Como não há consenso sobre o momento do início da vida, estabeleceu-se um prazo em que é certo que o feto não tem sistema nervoso central. Para o referendo ser vinculativo, é preciso mais de 50% dos votos.
O preço do aborto clandestino em Portugal varia de 400 a 750 -nas clínicas que atuam dentro da lei, pode atingir 1.000. Mas, com a disponibilidade do Cytotec (medicamento com efeito colateral abortivo) em qualquer farmácia portuguesa, a prática do aborto em clínicas vem caindo.
Segundo dados da Associação de Planejamento Familiar (APF), são feitos cerca de 20 mil abortos clandestinos por ano em Portugal, e em 5.000 desses casos as mulheres têm de ser socorridas em hospital depois da intervenção.
As que têm melhores condições financeiras vão até Espanha. Clínicas privadas espanholas já ponderam a hipótese de investir em Portugal, caso o "sim" vença. Estima-se que, nos últimos 20 anos, cerca de cem mulheres morreram em decorrência de aborto.
"Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimentos de saúde legalmente autorizados?" é a pergunta que vai constar nas cédulas e que exige uma resposta dos portugueses.


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