São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 2007

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Árabes israelenses querem recriar Estado

Estudo assinado por notáveis protesta contra desigualdade e pede mudança de sistema de governo, bandeira e hino

Minoria, que compõe 20% da população e reclama de discriminação, ganha seu primeiro representante muçulmano no gabinete


MARCELO NINIO
DA REDAÇÃO

Israel tem 7,1 milhões de habitantes, segundo o último censo do governo, divulgado em dezembro. Vinte por cento são cidadãos árabes (1,4 milhão), a grande maioria muçulmanos (81%). Marcada pela insólita e pouco confortável condição de pertencer aos dois lados do conflito, essa parcela da população saiu da sombra neste início de 2007 com um acontecimento inédito: a nomeação do primeiro ministro muçulmano da história de Israel.
A indicação do trabalhista Rajeb Majadele para integrar o gabinete do premiê Ehud Olmert coincidiu com a turbulência causada por um estudo lançado no fim do ano passado, que tem irritado muita gente e trouxe de volta a antiga discussão sobre o suposto paradoxo de um Estado que é, ao mesmo tempo, democrático e judeu.
O estudo, assinado por 40 importantes intelectuais e ativistas árabes, protesta contra as desigualdades entre a minoria e a população judia e faz uma proposta ousada para compensar as injustiças sofridas pelos palestinos que ficaram dentro das fronteiras de Israel após sua criação, em 1948: nada menos que mudar o sistema de governo do país para o chamado modelo belga de representação proporcional, concedendo o status de "população originária" aos palestinos em Israel e possibilitando a implantação de uma "democracia consensual".
Entre as idéias sugeridas há desde as que teriam boa chance de aprovação num hipotético referendo, como a concessão de autonomia aos árabes em áreas como educação, cultura e assuntos religiosos, até as consideradas inimagináveis pela maioria dos israelenses, como a substituição da bandeira e do hino nacionais de Israel por símbolos que representem a sua população não-judia.
Numa linguagem contundente, em que acusa Israel de ser uma "etnocracia" que garante a hegemonia da maioria e marginaliza um quinto da população, os autores do documento "A Visão de Futuro dos Árabes Palestinos em Israel" decretam a falência do modelo "judeu-democrático".
"Quem determinou que o Estado judeu seria acompanhado de exploração, expropriação, leis civis racistas e discriminação em todos os níveis?", indagou Asad Ghanem, chefe do Departamento de Governo e Pensamento Político da Universidade de Haifa, um dos autores do relatório. "Se este é o Estado judeu, então somos contrários ao Estado ser judeu."
As reações foram explosivas, mesmo entre os que reconhecem que a discriminação existe e apóiam ações afirmativas, como a ampliação do sistema de cotas em universidades e no funcionalismo público. "O espírito do documento marca uma convocação a deslegitimar o Estado de Israel", rebateu em editorial o periódico do Programa Konrad Adenauer para Cooperação Judaico-Árabe, da Universidade de Tel Aviv.
A instituição advertiu para o risco de o relatório fortalecer a imagem de "quinta-coluna" que a ultradireita israelense gosta de atribuir aos árabes do país, antes de seguir, com sarcasmo: "É difícil não ter impressão que o documento tenta impor a narrativa nacional árabe palestina sobre a maioria judia. O princípio comumente aceito, de "dois Estados para dois povos" é substituído pela exigência de estabelecer um Estado e meio para os palestinos e meio para os judeus."
Muitos árabes israelenses se sentem como cidadãos de segunda classe, alegando não receber os mesmos serviços e verbas do Estado destinados à população judia. A amargura é agravada por indicadores sociais que refletem um padrão de vida inferior ao da maioria.
Em 2002, um estudo do Escritório Central de Estatísticas mostrou que a renda dos árabes em Israel equivalia a 60% da média dos judeus. Outros dados comprovaram a disparidade: 55,6% da população árabe vivia abaixo da linha de pobreza, contra 30,8% da judia. O desemprego atingia 14,1% dos trabalhadores árabes, enquanto o índice entre judeus era de 9,1%.
Parte desse fosso pode ser creditado à única distinção prevista na lei israelense. Ao contrários dos judeus, os árabes não são obrigados a servir no Exército, para evitar o constrangimento de forçá-los a pegar em armas contra outros palestinos. Com isso, acabam não tendo alguns benefícios e perdem empregos para veteranos que receberam treinamentos técnicos altamente qualificados durante o serviço militar.
Apesar de não haver segregação institucional, judeus e árabes vivem separados por opção. O contato, por estranho que pareça, é mínimo. Com exceção de Haifa, no norte, as cidades não têm bairros mistos. A maioria dos jovens estuda em escolas elementares próprias e só se encontra na universidade.
Mas também há casos de integração bem-sucedida. Além do recém-nomeado ministro de Estado, os árabes de Israel têm um juiz na Suprema Corte, um autor de best-sellers que só escreve em hebraico e até um time de futebol do qual se orgulhar. Em 2004, o Bnei Sakhnin fez história ao conquistar a Copa de Israel, o que o credenciou a representar o Estado judeu na Copa da Uefa. Um gol de placa contra a segregação.


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