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Árabes israelenses querem recriar Estado
Estudo assinado por notáveis protesta contra desigualdade e pede mudança de sistema de governo, bandeira e hino
Minoria, que compõe 20% da população e reclama de discriminação, ganha seu
primeiro representante muçulmano no gabinete
MARCELO NINIO
DA REDAÇÃO
Israel tem 7,1 milhões de habitantes, segundo o último censo do governo, divulgado em
dezembro. Vinte por cento são
cidadãos árabes (1,4 milhão), a
grande maioria muçulmanos
(81%). Marcada pela insólita e
pouco confortável condição de
pertencer aos dois lados do
conflito, essa parcela da população saiu da sombra neste início de 2007 com um acontecimento inédito: a nomeação do
primeiro ministro muçulmano
da história de Israel.
A indicação do trabalhista
Rajeb Majadele para integrar o
gabinete do premiê Ehud Olmert coincidiu com a turbulência
causada por um estudo lançado
no fim do ano passado, que tem
irritado muita gente e trouxe
de volta a antiga discussão sobre o suposto paradoxo de um
Estado que é, ao mesmo tempo,
democrático e judeu.
O estudo, assinado por 40
importantes intelectuais e ativistas árabes, protesta contra
as desigualdades entre a minoria e a população judia e faz
uma proposta ousada para
compensar as injustiças sofridas pelos palestinos que ficaram dentro das fronteiras de
Israel após sua criação, em
1948: nada menos que mudar o
sistema de governo do país para
o chamado modelo belga de representação proporcional, concedendo o status de "população
originária" aos palestinos em
Israel e possibilitando a implantação de uma "democracia
consensual".
Entre as idéias sugeridas há
desde as que teriam boa chance
de aprovação num hipotético
referendo, como a concessão de
autonomia aos árabes em áreas
como educação, cultura e assuntos religiosos, até as consideradas inimagináveis pela
maioria dos israelenses, como a
substituição da bandeira e do
hino nacionais de Israel por
símbolos que representem a
sua população não-judia.
Numa linguagem contundente, em que acusa Israel de
ser uma "etnocracia" que garante a hegemonia da maioria e
marginaliza um quinto da população, os autores do documento "A Visão de Futuro dos
Árabes Palestinos em Israel"
decretam a falência do modelo
"judeu-democrático".
"Quem determinou que o Estado judeu seria acompanhado
de exploração, expropriação,
leis civis racistas e discriminação em todos os níveis?", indagou Asad Ghanem, chefe do Departamento de Governo e Pensamento Político da Universidade de Haifa, um dos autores
do relatório. "Se este é o Estado
judeu, então somos contrários
ao Estado ser judeu."
As reações foram explosivas,
mesmo entre os que reconhecem que a discriminação existe
e apóiam ações afirmativas, como a ampliação do sistema de
cotas em universidades e no
funcionalismo público. "O espírito do documento marca uma
convocação a deslegitimar o
Estado de Israel", rebateu em
editorial o periódico do Programa Konrad Adenauer para
Cooperação Judaico-Árabe, da
Universidade de Tel Aviv.
A instituição advertiu para o
risco de o relatório fortalecer a
imagem de "quinta-coluna"
que a ultradireita israelense
gosta de atribuir aos árabes do
país, antes de seguir, com sarcasmo: "É difícil não ter impressão que o documento tenta
impor a narrativa nacional árabe palestina sobre a maioria judia. O princípio comumente
aceito, de "dois Estados para
dois povos" é substituído pela
exigência de estabelecer um
Estado e meio para os palestinos e meio para os judeus."
Muitos árabes israelenses se
sentem como cidadãos de segunda classe, alegando não receber os mesmos serviços e
verbas do Estado destinados à
população judia. A amargura é
agravada por indicadores sociais que refletem um padrão
de vida inferior ao da maioria.
Em 2002, um estudo do Escritório Central de Estatísticas
mostrou que a renda dos árabes
em Israel equivalia a 60% da
média dos judeus. Outros dados comprovaram a disparidade: 55,6% da população árabe
vivia abaixo da linha de pobreza, contra 30,8% da judia. O desemprego atingia 14,1% dos trabalhadores árabes, enquanto o
índice entre judeus era de 9,1%.
Parte desse fosso pode ser
creditado à única distinção prevista na lei israelense. Ao contrários dos judeus, os árabes
não são obrigados a servir no
Exército, para evitar o constrangimento de forçá-los a pegar em armas contra outros palestinos. Com isso, acabam não
tendo alguns benefícios e perdem empregos para veteranos
que receberam treinamentos
técnicos altamente qualificados durante o serviço militar.
Apesar de não haver segregação institucional, judeus e árabes vivem separados por opção.
O contato, por estranho que pareça, é mínimo. Com exceção
de Haifa, no norte, as cidades
não têm bairros mistos. A
maioria dos jovens estuda em
escolas elementares próprias e
só se encontra na universidade.
Mas também há casos de integração bem-sucedida. Além
do recém-nomeado ministro
de Estado, os árabes de Israel
têm um juiz na Suprema Corte,
um autor de best-sellers que só
escreve em hebraico e até um
time de futebol do qual se orgulhar. Em 2004, o Bnei Sakhnin
fez história ao conquistar a Copa de Israel, o que o credenciou
a representar o Estado judeu na
Copa da Uefa. Um gol de placa
contra a segregação.
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