São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 2007

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entrevista

"Ser árabe em Israel não é contradição"

DA REDAÇÃO

Ser árabe e israelense não é uma contradição, afirma o deputado trabalhista Raleb Majadele, que no mês passado tornou-se o primeiro árabe muçulmano a integrar o gabinete de Israel.
Embora crises de identidade não o assombrem, Majadele, que deverá assumir a pasta da Cultura, Ciência e Esporte, admite que os cidadãos árabes de Israel sofrem injustiças e diz que usará o cargo para tentar corrigir as distorções.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida por ele à Folha, por telefone, de seu gabinete em Jerusalém.

 

FOLHA - Sua nomeação foi cercada de enorme polêmica, com críticas tanto dos colegas árabes no Parlamento como da direita. Assumir dessa forma aumenta o desafio?
RALEB MAJADELE -
A função da oposição é criticar o governo. Mas a nomeação do primeiro ministro árabe muçulmano em Israel, após 58 anos, tem um significado histórico. É um avanço irreversível, principalmente por ocorrer num momento difícil para o país. O desafio é promover a coexistência dentro de Israel e a igualdade de direitos dos cidadãos árabes israelenses.

FOLHA - Como o sr. vencerá a desconfiança de judeus e árabes?
MAJADELE -
A desconfiança também existiu quando eu exerci outros cargos do Estado, como membro da Comissão de Interior e Meio Ambiente do Parlamento. Minha permanência na vida pública é a comprovação de que a coexistência é possível e da disposição do governo de melhorar a vida dos cidadãos árabes. Nosso objetivo é corrigir as distorções e as desigualdades sofridas pelos árabes em Israel. Também é do interesse dos judeus que a parcela árabe, que perfaz 20% da população, tenha melhor qualidade de vida.

FOLHA - Qual será a prioridade de um árabe na chefia do Ministério da Cultura de Israel?
MAJADELE -
Seja judeu ou árabe, o ministro da Cultura tem a mesma responsabilidade. No meu caso, a diferença é que, além dos assuntos relacionados à toda a população, também quero dar atenção especial ao sistema de cotas, de forma a melhorar o status da população árabe e corrigir as desigualdades.

FOLHA - O sr. vê problema em fazer parte do mesmo gabinete de um ultradireitista, o ministro Avigdor Lieberman?
MAJADELE -
É um problema, sem dúvida. A ideologia de Lieberman nega os direitos de existência dos cidadãos árabes de Israel. Ele quer transferir a população árabe, algo com o qual nós e a maioria dos israelenses jamais poderemos concordar. Lieberman entrou no governo depois do Partido Trabalhista, que é o principal parceiro da coalizão, com base em princípios que negam a ideologia segregacionista dele. Mas Lieberman não é problema só nosso. É um problema de toda a sociedade israelense.

FOLHA - Que papel os árabes israelenses podem desempenhar no processo de paz, sem serem chamados de traidores por nenhum dos lados?
MAJADELE -
Nossa ambição é ajudar no avanço do processo de paz. Um governo que não tiver um programa para obter a paz não tem o direito de existir. A paz é a melhor garantia de segurança e prosperidade para os cidadãos de Israel, tanto árabes como judeus. Como cidadão israelense e parte do povo palestino, acho que posso ajudar. Não temos alternativa: passamos por seis guerras e não conseguimos solucionar o conflito. Queremos voltar ao período dos acordos de Oslo [1993-1995], quando houve prosperidade e estabilidade, e possibilitar a criação de um Estado palestino ao lado de Israel para garantir um futuro melhor a nossos filhos.

FOLHA - O sr. não teme ser chamado de traidor?
MAJADELE -
Não. Os israelenses sabem que a contribuição dos árabes para a paz com os palestinos e para a igualdade pode ser grande. O próprio [Iasser] Arafat disse que os árabes de Israel têm um papel estratégico no processo de paz. Somos ao mesmo tempo palestinos e israelenses, o que facilita a construção da ponte.
Os israelenses entendem que, embora seja ministro do Estado de Israel, também sou um cidadão árabe que tem uma herança cultural própria, da qual não pretendo abrir mão. Ser árabe e israelense não é uma contradição.


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