São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 2007

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Canadá aposta em superpoder energético

Chanceler canadense diz que estratégia é tornar-se fornecedor estável diante de uso político de petróleo e gás por países como a Rússia

Em entrevista à Folha, Peter MacKay marca distância de Washington, mas afirma: "estamos fartos das provocações de Chávez"


CAROLINA VILA-NOVA
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

O Canadá pretende se firmar como uma superpotência energética. Mas, ao contrário de países como Venezuela e Rússia, que usam seus recursos como uma alavanca política, quer aproveitar sua diversidade energética para atuar como um fornecedor estável e seguro para nações que hoje dependem de uma única fonte de energia.
A afirmação é do chanceler do Canadá, Peter MacKay, 41, que esteve no Brasil no início da semana para discutir comércio, cooperação na área ambiental e a colaboração dos dois países na Missão de Estabilização da ONU no Haiti.
Em entrevista exclusiva à Folha, MacKay buscou marcar diferenças entre seu país e os EUA, mas demonstrou ao menos uma preocupação em comum: quer que a Venezuela seja uma influência mais positiva na região. Leia trechos a seguir.

 

FOLHA - Quase três anos após a chegada da Minustah no Haiti, como o sr. avalia a situação econômica e de segurança lá?
PETER MACKAY -
É justo dizer que, enquanto houve um aumento na estabilidade de modo geral e ganhos em muitas áreas, em particular na de segurança, resta muito o que fazer. Não há como negar que a criminalidade e o crime organizado ainda são um obstáculo a ser superado. Estamos comprometidos, junto com o Brasil, no longo prazo. Como em tentativas anteriores de ajudar o Haiti, percebemos que não podemos sair ou diminuir nosso comprometimento no momento crítico. Atualmente, a situação de segurança tem de se estabilizar mais para permitir maiores esforços em termos de ajuda humanitária e de reconstrução. É uma situação parecida com a do Afeganistão. Para haver um empurrão verdadeiro na área de desenvolvimento e reconstrução é preciso haver um perímetro de segurança estabelecido.

FOLHA - O premiê Stephen Harper disse no ano passado que o Canadá deveria assumir seu papel como uma superpotência energética. O que mudou desde então? Até que ponto seu país está disposto a usar esse poder politicamente como fazem Venezuela e Rússia?
MACKAY -
Temos cerca de 60% da energia mundial, e é um suprimento diversificado. Isso torna mais proeminente o status de superpotência, já que não estamos limitados ao petróleo e ao gás. Temos amplos recursos hidrelétricos, somos um dos maiores fornecedores mundiais de urânio e temos um dos mecanismos mais limpos e sustentáveis de energia eólica e de biocombustíveis. Nesse aspecto, creio que nosso país se tornou mais ativo na produção e na promoção dessas fontes de energia para uso comercial.

FOLHA - E quanto ao uso desses recursos como arma política?
MACKAY -
Há alguns países, mais notadamente a Rússia, que têm usado isso como alavanca. O Canadá, como produtor de uma série de formas de energia transferível, pode usar isso como não como alavanca, mas como uma válvula de escape das pressões impostas pelos outros países. Mantendo-se as forças do mercado, o Canadá será capaz em alguns casos de garantir uma maior estabilidade e retirar a insegurança que ocorre quando se tem um único fornecedor de energia.

FOLHA - O Canadá fica à sombra dos EUA nas relações regionais?
MACKAY -
De jeito nenhum. O Canadá sempre exerceu uma política externa sólida, e o que esse novo governo tem feito é impulsionar uma política externa mais robusta e engajada. Esperamos promover valores que prezamos e que achamos que sejam compartilhados com países como o Brasil: democracia, estado de direito, liberdade, respeito aos direitos humanos.
Expressamos esses valores não de uma maneira beligerante ou não-razoável. Há muitos anos somos muito ativos no monitoramento eleitoral, por exemplo. Temos um programa bastante generoso de ajuda internacional. Buscamos maneiras de ajudar os demais países em sua busca pela democracia. No passado, alguns descreveram nossa proximidade com os EUA como "um camundongo dormindo do lado do elefante".
Mas às vezes o camundongo consegue chamar a atenção do elefante. Discordando de tempos em tempos, mas de um modo não ofensivo. Claro que, com uma grande fronteira com os EUA e preocupações mútuas com a questão de segurança, adotamos uma série de passos que deram ao governo americano mais confiança. Compartilhamos interesses na área econômica e na segurança da América do Norte.

FOLHA - O sr. também compartilha da preocupação em relação ao governo da Venezuela?
MACKAY -
Não temos o mesmo nível de estranhamento nas relações como os EUA e a Venezuela têm tido. Estamos fartos com algumas das provocações do presidente Chávez com relação ao uso da energia como instrumento político, de uma maneira negativa. Mas até este ponto ainda estamos nos relacionando com a Venezuela. Em nível econômico, temos relações significativas. Descreveria nossa atitude em relação à Venezuela como sendo de alguma trepidação, mas ainda temos esperança de que a Venezuela baixe o tom da retórica e se torne uma influência mais positiva nos países vizinhos.


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