São Paulo, quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

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Irã se abre a diálogo "respeitoso" com EUA

Em festejo de 30 anos de revolução, Ahmadinejad diz que está pronto a "manter conversações baseadas no respeito mútuo"

Slogans contra EUA são raros em multidão que foi à festa; em largas avenidas, famílias compram balões do Mickey e fazem piquenique


RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A TEERÃ

Na sua resposta mais explícita aos acenos de Barack Obama, o presidente ultraconservador do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, abriu ontem as portas para a retomada do diálogo com os Estados Unidos: "Nossa nação está pronta para manter conversações baseadas no respeito mútuo e sob uma atmosfera equilibrada".
A declaração foi feita diante de dezenas de milhares de pessoas, na celebração dos 30 anos da vitória da Revolução Islâmica, que em 1979 colocou os aiatolás no poder e derrubou a monarquia que era aliada de Washington. Os dois países cortaram relações desde então.
Um dia antes, Obama havia repetido em entrevista coletiva o que vem dizendo desde a campanha à Presidência americana -que procura oportunidades para retomar o diálogo com o regime iraniano.
No discurso que serviu como recado aos EUA, Ahmadinejad disse que, "se você quer lutar contra o terrorismo, venha e coopere com a nação iraniana, que é a maior vítima do terrorismo. Se você quer confrontar as armas nucleares, você precisa ficar ao lado do Irã".
Diante da multidão, o presidente iraniano disse que o Irã é uma superpotência, usando como exemplo o lançamento do primeiro satélite produzido no país ao espaço, no último dia 3.
Um modelo do satélite e do foguete que o lançou estavam em exibição no meio da manifestação.

Em campanha
Ahmadinejad tenta a reeleição em junho, e sua mudança de tom foi interpretada no Irã como adaptação à nova liderança americana. Com o ex-presidente George W. Bush, Ahmadinejad usava uma retórica ainda mais agressiva que a do republicano, que listou o Irã entre os componentes do "eixo do mal".
Na eleição presidencial, Ahmadinejad é desafiado pelo seu antecessor, Mohammad Khatami, que presidiu o país entre 1997 e 2005. Reformista, ele relaxou a perseguição a dissidentes e a política de costumes no país, que voltaram a ser mais estritas sob Ahmadinejad.
Khatami anunciou sua vontade de concorrer às eleições de junho - e sofreu assédio dos ultraconservadores durante a manifestação de ontem, aos gritos de "morte a Khatami, não queremos um governo americano".
Independentemente de quem ganhe a eleição, quem realmente dá as cartas na política iraniana continuará sendo o líder supremo religioso, o aiatolá Ali Khamenei, que controla as Forças Armadas e o Poder Judiciário.

Paz e piquenique
Apesar de alguns protestarem contra Khatami, foi o tom conciliador adotado ontem por Ahmadinejad que predominou entre a multidão que lotava a praça da Liberdade e as avenidas vizinhas.
Ao contrário das cenas comuns de cantos de guerra e punhos cerrados ao alto constantemente exibidas pela tevê, a maioria do público estava mais interessada em balançar bandeirinhas do Irã e cantar slogans de orgulho pela revolução.
Tirando o grupo coreografado, majoritariamente masculino, que ficou diante do palco presidencial e gritava sem parar, a maioria parecia só querer aproveitar o feriado e ver as evoluções de paraquedistas.
Observadores locais, testemunhas de várias paradas do gênero, confirmaram à Folha que o clima deste ano era mais pacífico. Poucas bandeiras americanas e israelenses foram queimadas. Gritos de "morte aos Estados Unidos" e "morte a Israel" foram exceção entre os poucos exaltados.
A multidão aproveitou as avenidas e ruas largas cortadas ao trânsito, em um clima parecido ao de um feriado comum. Famílias inteiras se aboletaram em praças e faziam piqueniques em meio à marcha.
Muitos estavam com sua melhor roupa de feriado e se distraíam com seus filhos pequenos. No país onde a lei proíbe música e "produtos culturais ocidentais", camelôs vendiam bonecos do Homem-Aranha sem problemas, assim como balões para as crianças com as orelhas do Mickey.
Nesses congestionamentos, um carro com cinco rapazes barbudos buzinou e começou a assobiar ao se aproximar de um carro com duas jovens. Os cinco aplaudiram a beleza das vizinhas de engarrafamento. Se não estivessem com véu cobrindo o cabelo, a cena poderia ter acontecido no Brasil.


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