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Eleições hoje testam obstáculos políticos criados por Putin
Leis aplicadas em pleito regional antecipam legislativas de dezembro e dificultam vida da oposição; Kremlin incentiva agremiação para tirar votos do PC
MARCELO NINIO
DA REDAÇÃO
Com as votações regionais de
hoje, a Rússia começa um ciclo
eleitoral que terminará em
março de 2008, quando será
desvendado o mistério que domina a política do país: quem
será o sucessor do presidente
Vladimir Putin. Se a votação de
hoje servir de modelo, a maioria dos opositores terá dificuldades na eleição para o Parlamento, em dezembro, e ficará
fora da briga pelo Kremlin.
A campanha para as eleições
legislativas deste domingo, em
14 das 89 regiões do país, foi
marcada pela quantidade incomum de partidos barrados -a
maioria de oposição a Putin.
Quem ficou de fora acusa o governo de promover um expurgo político com o intuito de
preparar um pouso suave no
Kremlin para o sucessor do
presidente. O mistério só envolve o nome, pois ninguém
tem dúvida de que ele será indicado pelo popular Putin.
As normas eleitorais estão no
centro de mais uma polêmica
envolvendo a concentração de
poder nas mãos do presidente e
o cerco à oposição. Aprovadas
em dezembro por um Parlamento dominado por deputados governistas, elas entram
em vigor em algumas das regiões que irão às urnas hoje.
Entre as mudanças estão o
aumento do número mínimo
de membros que um partido
precisa ter para se candidatar,
que passou para 50 mil. Um outro endurecimento passa a valer na eleição de dezembro,
quando aumentará de 5% para
7% o mínimo de votação necessário para um partido entrar no
Parlamento. Há ainda uma lei
que coíbe "campanhas negativas" e outra extinguindo a opção "contra todos" na cédula de
votação.
Democracia controlada
O cumprimento das exigências não garante vida fácil à
oposição. Em São Petersburgo,
cidade natal de Putin, o Yabloko, principal partido liberal do
país, foi eliminado sob a alegação de que o número de assinaturas inválidas de filiados ultrapassara o permitido.
O Kremlin diz que as leis são
necessárias para combater partidos de ocasião e estimular a
criação de um sistema eleitoral
estável. Os opositores acham
que o governo foi longe demais
com o modelo que Putin chama
de "democracia controlada".
"Estamos testemunhando
uma tentativa primária do governo de impor sua "democracia controlada". Quando surge
um rival forte, ele é desqualificado com base em alguma tecnicalidade ou por ter violado
leis cada vez mais rígidas e arbitrárias", disse à Folha Andrew
Konitzer, estudioso do sistema
eleitoral russo da Universidade
de Austin (EUA). "As novas
restrições a campanhas "extremistas" ou "negativas" são a última indicação disso."
Na prática, as restrições deixaram ao eleitor russo poucas
opções. A principal delas continua sendo o Rússia Unida, partido fiel a Putin que controla
quase 70% das cadeiras da Duma, o Parlamento russo. Agremiações "clássicas", como o
Partido Comunista e o Yabloko, formado na década de 90,
têm cada vez menos espaço.
Um retrato da política russa
na era Putin é a possibilidade
de que o vácuo oposicionista
venha a ser preenchido por um
partido criado pelo próprio
Kremlin. Fusão de três pequenos partidos de esquerda, o
Rússia Justa, nascido em novembro, fará hoje sua estréia
nas urnas.
"Os assessores de Putin não
gostam da idéia de ter uma
eleição cujo resultado não seja
conhecido de antemão. Para
eles, é um aspecto bastante desagradável da democracia", diz
Stephen Sestanovich, ex-assessor do Departamento de Estado americano e especialista em
Rússia do Council of Foreign
Relations, de Washington.
"Uma das questões mais interessantes da eleição de hoje
será o desempenho do Rússia
Justa, partido criado pelo
Kremlin para tirar eleitores social-democratas do campo comunista. Ele será bem-sucedido? Atrairá votos de protesto?
Ou será visto como uma piada?", pergunta-se Sestanovich,
em conversa com a Folha.
Controle da máquina
Desde que chegou ao poder,
em 2000, Putin - que não é filiado a nenhum partido- alienou metodicamente seus rivais
potenciais, tornou a mídia independente um fenômeno
marginal, instalou aliados em
posições-chave e fortaleceu o
controle do Estado sobre largas
fatias da economia.
A prosperidade trazida pela
alta do petróleo, principal produto de exportação do país, vitaminou a popularidade de Putin -além de encorajar o
Kremlin a adotar uma linha de
confronto com os EUA.
O sistema eleitoral é uma das
principais armas de Putin para
evitar ameaças a seu poder. "O
controle da máquina política é
tão grande que as eleições estão
perdendo o sentido", disse à
Folha Nikolay Petrov, que trabalhou em vários órgãos do governo entre 1991 e 1995 e hoje é
pesquisador do Carnegie Center de Moscou.
Antes, conta Petrov, os eleitores podiam expressar sua insatisfação com um voto de protesto ou deixando de votar.
Com a aprovação de leis que extinguem o "voto contra todos" e
acabam com a exigência de um
índice mínimo de comparecimento para que uma eleição seja legitimada, nem isso existe
mais. "O Kremlin está tentando
construir um sistema à prova
de surpresas", conclui Petrov.
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