São Paulo, domingo, 11 de março de 2007

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Eleições hoje testam obstáculos políticos criados por Putin

Leis aplicadas em pleito regional antecipam legislativas de dezembro e dificultam vida da oposição; Kremlin incentiva agremiação para tirar votos do PC

MARCELO NINIO
DA REDAÇÃO

Com as votações regionais de hoje, a Rússia começa um ciclo eleitoral que terminará em março de 2008, quando será desvendado o mistério que domina a política do país: quem será o sucessor do presidente Vladimir Putin. Se a votação de hoje servir de modelo, a maioria dos opositores terá dificuldades na eleição para o Parlamento, em dezembro, e ficará fora da briga pelo Kremlin.
A campanha para as eleições legislativas deste domingo, em 14 das 89 regiões do país, foi marcada pela quantidade incomum de partidos barrados -a maioria de oposição a Putin. Quem ficou de fora acusa o governo de promover um expurgo político com o intuito de preparar um pouso suave no Kremlin para o sucessor do presidente. O mistério só envolve o nome, pois ninguém tem dúvida de que ele será indicado pelo popular Putin.
As normas eleitorais estão no centro de mais uma polêmica envolvendo a concentração de poder nas mãos do presidente e o cerco à oposição. Aprovadas em dezembro por um Parlamento dominado por deputados governistas, elas entram em vigor em algumas das regiões que irão às urnas hoje.
Entre as mudanças estão o aumento do número mínimo de membros que um partido precisa ter para se candidatar, que passou para 50 mil. Um outro endurecimento passa a valer na eleição de dezembro, quando aumentará de 5% para 7% o mínimo de votação necessário para um partido entrar no Parlamento. Há ainda uma lei que coíbe "campanhas negativas" e outra extinguindo a opção "contra todos" na cédula de votação.

Democracia controlada
O cumprimento das exigências não garante vida fácil à oposição. Em São Petersburgo, cidade natal de Putin, o Yabloko, principal partido liberal do país, foi eliminado sob a alegação de que o número de assinaturas inválidas de filiados ultrapassara o permitido.
O Kremlin diz que as leis são necessárias para combater partidos de ocasião e estimular a criação de um sistema eleitoral estável. Os opositores acham que o governo foi longe demais com o modelo que Putin chama de "democracia controlada".
"Estamos testemunhando uma tentativa primária do governo de impor sua "democracia controlada". Quando surge um rival forte, ele é desqualificado com base em alguma tecnicalidade ou por ter violado leis cada vez mais rígidas e arbitrárias", disse à Folha Andrew Konitzer, estudioso do sistema eleitoral russo da Universidade de Austin (EUA). "As novas restrições a campanhas "extremistas" ou "negativas" são a última indicação disso."
Na prática, as restrições deixaram ao eleitor russo poucas opções. A principal delas continua sendo o Rússia Unida, partido fiel a Putin que controla quase 70% das cadeiras da Duma, o Parlamento russo. Agremiações "clássicas", como o Partido Comunista e o Yabloko, formado na década de 90, têm cada vez menos espaço.
Um retrato da política russa na era Putin é a possibilidade de que o vácuo oposicionista venha a ser preenchido por um partido criado pelo próprio Kremlin. Fusão de três pequenos partidos de esquerda, o Rússia Justa, nascido em novembro, fará hoje sua estréia nas urnas.
"Os assessores de Putin não gostam da idéia de ter uma eleição cujo resultado não seja conhecido de antemão. Para eles, é um aspecto bastante desagradável da democracia", diz Stephen Sestanovich, ex-assessor do Departamento de Estado americano e especialista em Rússia do Council of Foreign Relations, de Washington.
"Uma das questões mais interessantes da eleição de hoje será o desempenho do Rússia Justa, partido criado pelo Kremlin para tirar eleitores social-democratas do campo comunista. Ele será bem-sucedido? Atrairá votos de protesto? Ou será visto como uma piada?", pergunta-se Sestanovich, em conversa com a Folha.

Controle da máquina
Desde que chegou ao poder, em 2000, Putin - que não é filiado a nenhum partido- alienou metodicamente seus rivais potenciais, tornou a mídia independente um fenômeno marginal, instalou aliados em posições-chave e fortaleceu o controle do Estado sobre largas fatias da economia.
A prosperidade trazida pela alta do petróleo, principal produto de exportação do país, vitaminou a popularidade de Putin -além de encorajar o Kremlin a adotar uma linha de confronto com os EUA.
O sistema eleitoral é uma das principais armas de Putin para evitar ameaças a seu poder. "O controle da máquina política é tão grande que as eleições estão perdendo o sentido", disse à Folha Nikolay Petrov, que trabalhou em vários órgãos do governo entre 1991 e 1995 e hoje é pesquisador do Carnegie Center de Moscou.
Antes, conta Petrov, os eleitores podiam expressar sua insatisfação com um voto de protesto ou deixando de votar. Com a aprovação de leis que extinguem o "voto contra todos" e acabam com a exigência de um índice mínimo de comparecimento para que uma eleição seja legitimada, nem isso existe mais. "O Kremlin está tentando construir um sistema à prova de surpresas", conclui Petrov.


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