São Paulo, terça-feira, 11 de março de 2008

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Igreja Católica faz lista de novos "pecados sociais"

Manipulação genética e ações antiecológicas estão entre práticas condenáveis

Sociólogo da USP observa em classificação da igreja tendência para tirar do indivíduo responsabilidade sobre seus atos nocivos

FÁBIO CHIOSSI
DA REDAÇÃO

A Igreja Católica listou, por meio de um de seus membros do alto escalão, o que considera serem os "novos pecados sociais". O elenco foi mencionado pelo arcebispo Gianfranco Girotti em entrevista ao jornal "Osservatore Romano", publicação oficial do Vaticano, na edição do domingo, dia 9.
Ao responder quais são, para ele, esses novos pecados, Girotti, bispo-regente da Penitenzieria Apostolica, listou "várias áreas nas quais encontramos ações pecaminosas" hoje, especificando o que chamou de manipulação genética, o uso e comércio de drogas, a desigualdade social e ações antiecológicas, como poluição.
As "manipulações genéticas" são uma referência também a algumas pesquisas com células-tronco, condenadas pela igreja e cuja legalidade no Brasil está sendo julgada pelo STF.
Esses novos pecados, disse o arcebispo ao "Osservatore", são conseqüência do "inevitável processo de globalização". Girotti, o segundo homem na linha de comando do dicastério que tem sob sua responsabilidade, entre outras atribuições, a absolvição dos pecados cometidos na Santa Sé, deu a entrevista ao jornal do Vaticano após encerrar um curso de atualização para padres confessores.
Antônio Flávio Pierucci, professor do Departamento de Sociologia da USP, lembra que há uma gama de classificações e hierarquizações de pecado na Igreja Católica, e que sua gravidade é determinada em parte pelo padre confessor, que toma a confissão do pecador.

Pecado estrutural
Para o padre e teólogo José Oscar Beozzo, do Cesep (Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização Popular), é importante que a igreja esteja chamando a atenção para "novos tipos de responsabilidade". Beozzo viu com bons olhos a menção à ecologia, embora tenha citado um outro aspecto ligado à poluição, o trânsito, "que mata", como um mal social.
Quanto à desigualdade, Beozzo diz ser importante que seja mantida como preocupação da igreja, por ser o "pecado estrutural mais profundo nas nossas sociedades, particularmente na América Latina". Já sobre a manipulação genética fez uma ressalva, defendendo a atividade científica e dizendo que "um cantinho" dessa atividade de pesquisa é efetivamente manipulação, sendo ruim colocar "tudo num pacote só".
O teólogo afirmou ainda que a igreja sempre teve dificuldade em separar o que seriam os pecados individuais dos sociais, e que a América Latina teve uma contribuição fundamental nesse debate. "Pouco a pouco viu-se que há coisas que são estruturalmente injustas, que não dependem de uma pessoa só", e dentro da igreja, diz, tomou-se consciência de que há "situações de pecado" que levam danos a outras pessoas. São injustiças, afirma, causadas por "sistemas montados, sim, por pessoas, mas que, a partir de um momento, aquilo gira sozinho".
Já segundo o sociólogo Pierucci, historicamente o pecado é ligado ao indivíduo: a religião busca salvar o indivíduo, não o coletivo -assim, o pecado é individual. Uma exceção, afirma, é o judaísmo, em que a salvação é visada por um povo.

Culpa e eficiência
O professor da USP diz ainda que a noção do pecado social pode ser vista como integrante de um movimento das religiões contemporâneas rumo ao que classifica de "cultura da inocência", na qual há uma "desculpabilização" do indivíduo. "O pecado social não vincula o indivíduo, portanto fica muito difícil que ele seja operacional", diz Pierucci. Assim, segue, evita-se o mais eficaz da noção de pecado do cristianismo, que é fazer com que o indivíduo se sinta responsável pelo ato que praticou. Noção essa que, completa, tem eficácia social.
Ao "Osservatore", o bispo Gianfranco Girotti disse também que, entre os pecados mais graves, ainda estão o aborto -prática que a igreja condena em quaisquer circunstâncias- e a pedofilia, crime que rendeu escândalos e diversas derrotas na Justiça americana para a Igreja Católica. Em julho do ano passado, por exemplo, a Diocese de Los Angeles foi condenada a pagar US$ 660 milhões a pessoas que se disseram vítimas de abusos de padres.


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