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Igreja Católica faz lista de novos "pecados sociais"
Manipulação genética e ações antiecológicas estão entre práticas condenáveis
Sociólogo da USP observa em classificação da igreja tendência para tirar do indivíduo responsabilidade sobre seus atos nocivos
FÁBIO CHIOSSI
DA REDAÇÃO
A Igreja Católica listou, por
meio de um de seus membros
do alto escalão, o que considera
serem os "novos pecados sociais". O elenco foi mencionado
pelo arcebispo Gianfranco Girotti em entrevista ao jornal
"Osservatore Romano", publicação oficial do Vaticano, na
edição do domingo, dia 9.
Ao responder quais são, para
ele, esses novos pecados, Girotti, bispo-regente da Penitenzieria Apostolica, listou "várias
áreas nas quais encontramos
ações pecaminosas" hoje, especificando o que chamou de manipulação genética, o uso e comércio de drogas, a desigualdade social e ações antiecológicas,
como poluição.
As "manipulações genéticas"
são uma referência também a
algumas pesquisas com células-tronco, condenadas pela
igreja e cuja legalidade no Brasil está sendo julgada pelo STF.
Esses novos pecados, disse o
arcebispo ao "Osservatore", são
conseqüência do "inevitável
processo de globalização". Girotti, o segundo homem na linha de comando do dicastério
que tem sob sua responsabilidade, entre outras atribuições,
a absolvição dos pecados cometidos na Santa Sé, deu a entrevista ao jornal do Vaticano após
encerrar um curso de atualização para padres confessores.
Antônio Flávio Pierucci, professor do Departamento de Sociologia da USP, lembra que há
uma gama de classificações e
hierarquizações de pecado na
Igreja Católica, e que sua gravidade é determinada em parte
pelo padre confessor, que toma
a confissão do pecador.
Pecado estrutural
Para o padre e teólogo José
Oscar Beozzo, do Cesep (Centro Ecumênico de Serviços à
Evangelização Popular), é importante que a igreja esteja
chamando a atenção para "novos tipos de responsabilidade".
Beozzo viu com bons olhos a
menção à ecologia, embora tenha citado um outro aspecto ligado à poluição, o trânsito, "que
mata", como um mal social.
Quanto à desigualdade,
Beozzo diz ser importante que
seja mantida como preocupação da igreja, por ser o "pecado
estrutural mais profundo nas
nossas sociedades, particularmente na América Latina". Já
sobre a manipulação genética
fez uma ressalva, defendendo a
atividade científica e dizendo
que "um cantinho" dessa atividade de pesquisa é efetivamente manipulação, sendo ruim colocar "tudo num pacote só".
O teólogo afirmou ainda que
a igreja sempre teve dificuldade
em separar o que seriam os pecados individuais dos sociais, e
que a América Latina teve uma
contribuição fundamental nesse debate. "Pouco a pouco viu-se que há coisas que são estruturalmente injustas, que não
dependem de uma pessoa só", e
dentro da igreja, diz, tomou-se
consciência de que há "situações de pecado" que levam danos a outras pessoas. São injustiças, afirma, causadas por "sistemas montados, sim, por pessoas, mas que, a partir de um
momento, aquilo gira sozinho".
Já segundo o sociólogo Pierucci, historicamente o pecado
é ligado ao indivíduo: a religião
busca salvar o indivíduo, não o
coletivo -assim, o pecado é individual. Uma exceção, afirma,
é o judaísmo, em que a salvação
é visada por um povo.
Culpa e eficiência
O professor da USP diz ainda
que a noção do pecado social
pode ser vista como integrante
de um movimento das religiões
contemporâneas rumo ao que
classifica de "cultura da inocência", na qual há uma "desculpabilização" do indivíduo.
"O pecado social não vincula o
indivíduo, portanto fica muito
difícil que ele seja operacional",
diz Pierucci. Assim, segue, evita-se o mais eficaz da noção de
pecado do cristianismo, que é
fazer com que o indivíduo se
sinta responsável pelo ato que
praticou. Noção essa que, completa, tem eficácia social.
Ao "Osservatore", o bispo
Gianfranco Girotti disse também que, entre os pecados mais
graves, ainda estão o aborto
-prática que a igreja condena
em quaisquer circunstâncias-
e a pedofilia, crime que rendeu
escândalos e diversas derrotas
na Justiça americana para a
Igreja Católica. Em julho do
ano passado, por exemplo, a
Diocese de Los Angeles foi condenada a pagar US$ 660 milhões a pessoas que se disseram
vítimas de abusos de padres.
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