UOL


São Paulo, sexta-feira, 11 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Falta de tropas da coalizão agora afeta ordem nas cidades

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

O número de tropas terrestres que os anglo-americanos enviaram ao Iraque está sendo suficiente para tomar o país, graças ao enorme poder de fogo de que dispõem, notadamente em aviação. Mas é claramente insuficiente para manter a "lei e a ordem".
Mesmo os críticos desse "modo barato de fazer guerra", que foram ironizados pelo vice-presidente Dick Cheney como "generais embutidos nos estúdios de TV", não duvidavam que os anglo-americanos venceriam.
Basicamente, esses "generais de pijama" diziam que seria mais seguro ter mais tropas, pois a guerra é o clássico domínio da confusão, do imprevisível. Depender de situações "imponderáveis" -como a revolta da população iraquiana e a deserção do Exército- seria algo arriscado.
O que falta hoje no Iraque ocupado pelos EUA é um bom número de unidades de polícia militar. Essa "military police" americana é o equivalente no Brasil da Polícia do Exército, e não das polícias militares estaduais.
São tropas que servem na retaguarda, com a função tanto de cuidar de prisioneiros, como de manter a ordem entre a população civil e evitar abusos de soldados contra ela.
Toda cidade conquistada sofre uma imediata quebra na ordem. Essa situação fluida é aproveitada pelos saqueadores ou pelos que têm contas a ajustar. Saddam Hussein distribuiu milhares de armas entre a população. Essas armas agora podem ser usadas não contra os exércitos anglo-americanos, mas para o banditismo puro e simples.
Nos saques do passado, mesmo na Europa da era do Iluminismo, uma cidade sitiada que resistisse poderia ser legitimamente saqueada depois de tomada. Os americanos se limitam a catar souvenires em Bagdá. Mas o caos é o mesmo de sempre, e saqueadores sempre surgem quando as condições permitem -algo que já aconteceu até mesmo em cidades americanas em blecautes.
O secretário da Defesa Donald Rumsfeld, apesar das suas recentes declarações cautelosas, também está exultante com a rápida dissolução das Forças Armadas do Iraque. Sua Marinha mal existia, sua Força Aérea não voou, seu Exército em grande parte "voltou com os pés" a caminho da retaguarda.
Mas a necessidade de proteger extensas linhas de suprimento impediu, por exemplo, que a 101ª Divisão Aerotransportada, especializada em assalto aéreo, tivesse missões à altura das suas capacidades.
O norte e o oeste do Iraque estão sendo "tomados" por forças ridiculamente pequenas, que não têm condições de policiar todas as rotas de fuga que certamente estão sendo utilizadas pelos partidários de Saddam para sair do país.
A fraqueza americana na região curda poderia até mesmo servir de incentivo aos turcos para realizarem uma intervenção preventiva, para "restabelecer a ordem". O vácuo de poder existe. Resta saber como agirão os atores políticos.
Ainda mais grave, a fraqueza americana no terreno pode encorajar os mais fanáticos partidários de Saddam a manter alguma resistência. O ex-ditador construiu uma base de poder durante mais de duas décadas. Afinal, ainda existem centenas de milhares de iraquianos que são partidários do regime que está desabando.


Texto Anterior: À deriva
Próximo Texto: Vizinhos temem ser alvo de novas ações
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.