São Paulo, domingo, 11 de abril de 2004

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"Império informal" é solução para crises, afirma historiador britânico

FREE-LANCE PARA A FOLHA

O historiador britânico Niall Ferguson, 40, é professor de história financeira na Universidade Nova York e defende o império americano como solução para as crises financeiras e políticas de um mundo globalizado.
Suas teses provocaram debate na revista do "New York Times" em 2003, pois, como admite, os americanos não gostam da idéia de gerir um império. (HP)

 

Folha - Por que uma defesa tão ardorosa da centralização política?
Niall Ferguson -
O Brasil seria mais ou menos estável se se dividisse nos Estados federativos que o compõem? A resposta é óbvia. A integração européia tem sido fonte de estabilidade, e o colapso do Império Soviético levou à instabilidade. O Oriente Médio é muito menos estável do que quando os britânicos governavam.

Folha - Então os EUA devem ser uma entidade unificadora?
Ferguson -
Não sei quem mais faria esse papel. Existe uma economia integrada globalmente, mas não há uma polícia global para lidar com as regiões do planeta mal governadas. Mas os EUA são um império bem hesitante, pois os americanos detestam o conceito de império.

Folha - E o mundo estaria disposto a aceitar esse papel?
Ferguson -
Já aceitou. Quando os EUA fizeram bem esse papel, como na Europa ocidental ou na Coréia, houve poucas queixas. Quando fizeram uma enorme bagunça, como no Chile ou na América Central, houve hostilidade.

Folha - Muitos americanos acham que os EUA perdem hoje uma guerra cultural.
Ferguson -
Não é a cultura que explode trens em Madri ou joga gás nos curdos no Iraque. A idéia de um choque de civilizações sempre me pareceu uma grande simplificação, e regimes inescrupulosos podem existir em qualquer cultura.

Folha - Mas como as células terroristas conseguem recrutar gente?
Ferguson -
Há uma enorme oferta de homens jovens desempregados no mundo, particularmente nos países islâmicos, onde as taxas de natalidade ainda são bem altas. Ela forma uma base de apoio natural para ideologias radicais, como a que existia nas sociedades européias havia um século.

Folha - Então Bush está no rumo certo?
Ferguson -
Está indo bem melhor do que as pessoas acham. O regime do Taleban caiu, muita gente da Al Qaeda foi presa e a ameaça terrorista nos EUA diminuiu. E por isso os americanos não vêem mais a coisa como uma guerra.

Folha - E a guerra no Iraque?
Ferguson -
A razão real para a guerra contra Saddam Hussein era que ele era uma ameaça aos seus vizinhos e também que era culpado de violações grotescas de direitos humanos. Ele foi tolerado pela comunidade internacional por motivos nada idealistas. O verdadeiro escândalo era que ele ainda estava no poder em 2003!

Folha - Mas os Estados Unidos podem continuar sua ação militar sem apoio internacional?
Ferguson -
Sem a Espanha, pode. Mas, depois da queda de Bagdá, os americanos perceberam que precisavam de ajuda militar e econômica. Foi uma tremenda ingenuidade do pessoal de Bush ter alienado outras potências e desacreditado o Conselho de Segurança da ONU. Mas, depois das bravatas, haverá cooperação: a alternativa é desastrosa para todos.

Folha - Qual o papel da opinião pública americana hoje?
Ferguson -
O Império Britânico e o atual império informal americano são entidades bem incomuns. Continuam tendo pluralismo e liberdade política, mesmo enquanto governam outros países. Uma das forças do Império Britânico é que era constantemente debatido em casa. Mas a pressão sobre Bush ou Kerry para retirar a presença americana no Iraque vai aumentar nos próximos meses, e o perigo é que os EUA percam o controle da situação lá.

Folha - Essas intervenções não acabarão sempre como o Império Britânico?
Ferguson -
O Império Britânico se desintegrou porque dois impérios rivais o atacaram. O nacionalismo era um problema menor. Se os iraquianos sentirem que é de seu interesse colaborar com a Autoridade Provisória da Coalizão, irão fazê-lo, e vai funcionar. Se sentirem que Paul Bremer [administrador americano no Iraque] e sua gente vão embora no dia 1º de julho, eles não vão colaborar, e a situação não será estável.

Folha - E os americanos estão dispostos a ficar dez anos lá?
Ferguson -
Não, e esse é mais um motivo para a cooperação com outras potências. Quem estaria disposto a fazer esse trabalho de manter a paz depois que a batalha termina? A resposta está nos países da União Européia, que têm feito mais esse tipo de operação.


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