São Paulo, domingo, 11 de abril de 2004

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Materialismo exagerado fortalece extremismo, diz ativista americano

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Benjamin Barber, 64, é professor de sociedade civil na Universidade de Maryland (EUA) e um ativo defensor da democracia e da sociedade civil global. Para o autor de "McMundo x Jihad", o materialismo agressivo americano gera insatisfação e fortalece o fundamentalismo islâmico. Ele foi assessor informal do presidente Bill Clinton entre 1994 e 1999. (HP)

 

Folha - Como o sr. vê a luta de Bush contra o terrorismo?
Benjamin Barber -
O governo Bush pôs toda a sua fé na supremacia militar e econômica americana. Podemos ganhar a batalha contra o Taleban no Afeganistão e contra a Guarda Republicana no Iraque, mas nossa força militar suprema é assimétrica em relação à ideologia fundamentalista e às táticas terroristas. "McMundo" é ele mesmo a causa da jihad: o materialismo secular exagerado de um mundo ocidental que fala sobre democracia, mas pratica o capitalismo global, que fala sobre liberdade, mas exporta hambúrguer e basquete.

Folha - Qual deveria ser o papel dos EUA hoje?
Barber -
Os EUA deveriam apoiar as leis internacionais, o multilateralismo, como fez após a Segunda Guerra, quando tinha mais poder que hoje. Muitos achavam que os EUA deveriam seguir da Alemanha até a URSS. Mas os EUA acreditaram que a democracia floresceria sob a lei e a cooperação. E democracia não é apoiar governos de que a gente gosta. Na Argélia, em 1991, um partido moderado islâmico ganhou o primeiro turno de uma eleição, e o governo francês, com apoio dos EUA e em conluio com o Exército argelino, acabou com a democracia, lançando o país numa guerra civil de dez anos que massacrou milhares de pessoas. Apoiar a democracia significa também apoiar o direito das pessoas de cometer erros.

Folha - O que é a democracia preventiva que o sr. sugere como alternativa à guerra preventiva?
Barber -
É construir instituições da sociedade civil de baixo para cima, que criam cidadania. Você não tem democracia sem cidadãos, e para isso é preciso educação e livre expressão religiosa. Se os Estados Unidos quisessem apoiar a educação, teriam posto um tanque diante de cada escola quando invadiram Bagdá, e não na frente do Ministério da Energia! Hoje no Afeganistão há pouquíssimas escolas, e em nosso aliado Paquistão há 30 mil madrassas [escolas islâmicas] que inculcam ódio ao Ocidente.

Folha - Mas esse tipo de ação não é mais invasiva ainda?
Barber -
Você tem de trabalhar com instituições democráticas autóctones. Você não pode exportar a Declaração de Direitos americana, não pode chegar e dizer: vamos transformar Bagdá em Hollywood! Em sociedades onde homens e mulheres têm papéis culturais diferentes, você deve inicialmente criar instituições que dêem poder a ambos em suas respectivas esferas.

Folha - E por que então não deixar simplesmente que cada sociedade siga seu caminho?
Barber -
Em parte por causa da preocupação com nossa segurança. Um mundo mais democrático, onde as pessoas não sejam subjugadas, é um mundo onde o terror não é atraente. Mas você não dá autonomia às pessoas na ponta do fuzil. Há um papel para a presença americana na manutenção da paz, mas como parte de uma presença internacional e da ONU. No Haiti, gostaria que tivéssemos chamado o Brasil e a Venezuela para participar [da resolução do conflito]. Se outros têm visões diferentes, por que não estão envolvidos, e por que os EUA insistem em fazer as coisas sozinhos?

Folha - Como o sr. vê o debate atual na sociedade americana sobre o novo papel dos EUA?
Barber -
O 11 de Setembro mostrou que os EUA não conseguem nem defender o Pentágono. Outra questão é a do livre movimento de capital e de empregos no mundo.
Muitos americanos estão assustados com o fato de que as duas coisas que mais os afetam, a situação econômica internacional e o fundamentalismo islâmico internacional, estão fora de seu controle. Para Bush, se nós perdemos soberania dentro dos EUA, devemos estender a soberania no mundo. Mas muitos americanos acham que é preciso tornar os EUA mais participantes do mundo, trabalhando com parceiros e aliados.

Folha - Como o sr. viu a derrota de um aliado de Bush na eleição espanhola, após os atentados de Madri?
Barber -
É ambíguo, mas não foi uma vitória do terrorismo, como se disse nos EUA. Como nos casos Watergate, Irangate e Monica Lewinsky, a questão não é o que você faz, mas o que você abafa. Se eu sou Osama bin Laden, estou bem melhor com Bush e a Guerra do Iraque. A Guerra do Iraque é um milagre para Osama.


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