São Paulo, domingo, 11 de abril de 2004

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ARTIGO

O novo império da liberdade

Claro Cortes - 16.jul.2002/Reuters
Menino chinês observa anúncio de restaurante fast-food com foto de um sanduíche, em Xangai


PAUL JOHNSON

O 11 de Setembro foi um novo Grande Despertar para os Estados Unidos. Pela primeira vez o país se deu conta de que era uma entidade globalizada, que não tinha mais fronteiras. Suas fronteiras eram o mundo, já que ele poderia ser atacado desde qualquer parte do mundo que abrigasse seus inimigos, e, se esses inimigos possuíssem armas de destruição em massa, atacado mortalmente.
Por esse motivo os EUA foram obrigados a traçar uma nova doutrina estratégica, substituindo por completo aquela do Documento 68 do Conselho de Segurança Nacional (NSC), de 1949, que apresentara a doutrina da contenção.
Em um mundo globalizado, os EUA precisam prever o que seus inimigos irão fazer, buscar e destruir suas bases e desarmar os Estados que provavelmente os poderão ajudar. Chamo a isso ""imperialismo defensivo". É um tipo novo de imperialismo, mas inclui elementos do imperialismo velho. O documento 68 do NSC, de 1949, repudiava o imperialismo de maneira específica e significativa. Seu substituto vai necessariamente aderir ao imperialismo sob sua forma nova. Há razões convincentes pelas quais os EUA ocupam uma posição única para exercer esse tipo de autoridade global.
Para começar, os EUA falam a língua do século 21. O inglês já é a primeira língua mundial sob muitos aspectos, e, neste século, vamos assistir à sua ampliação e sua consolidação aceleradas. Como descobriram primeiro os gregos, depois os romanos, a posse de uma língua comum constitui o primeiro passo vital e energizante para a adoção de normas comuns em termos de leis, comportamento e cultura. Um mundo mais seguro será legislado, policiado e julgado em inglês.
Em segundo lugar, os EUA possuem e vão continuar a adquirir a tecnologia pioneira do século 21, sendo sua dianteira nessa área ampliada pelo fato de criarem um clima de liberdade favorável à atuação de inventores e empreendedores de todos os tipos.
No século 19, a grande era dos impérios formais, o avanço imperialista foi respaldado pela Revolução Industrial, produzindo bens manufaturados a um custo muito menor e em quantidade muito maior do que se vira até então. Em 1800, era a Ásia quem produzia a maior parte (57%) do produto manufaturado mundial, enquanto o Ocidente gerava apenas 29%; em 1900, o Ocidente já produzia 86%, e a Ásia, apenas 10%. Hoje, a parcela americana da produção mundial de riqueza está aumentando, tanto em termos absolutos quanto relativos. No último quarto do século 20, o país acrescentou US$ 5 trilhões a seu PIB anual. Até 2050, a parcela dos EUA na produção mundial já vai constituir mais de um quarto do total e será até três vezes maior do que a da União Européia, por exemplo.
Tradicionalmente, o imperialismo bem-sucedido tem refletido altos índices de natalidade e a capacidade de exportar grandes populações excedentes. O auge do imperialismo europeu, no século 19, coincidiu com a explosão demográfica européia. Os EUA nunca exportaram pessoas. Pelo contrário, seu poder e sua riqueza crescentes têm refletido sua capacidade de atrair e absorver imigrantes. Essa tendência se mantém. Hoje os EUA recebem mais imigrantes do que todo o resto do mundo junto. A capacidade espantosa de grupos como cubanos, chineses de Hong Kong, vietnamitas e outros que chegaram ao país recentemente de deitar raízes e criar riqueza é uma parte-chave da história de sucesso dos EUA. Mas o país também possui alto índice de natalidade. Sua população já se aproxima dos 300 milhões de pessoas. Até 2050, chegará a mais de 400 milhões.
Num contraste marcante, a população da Europa vai encolher, e a porcentagem de habitantes em idade economicamente ativa vai diminuir rapidamente. A capacidade dos EUA de manter um papel global é demonstrada pelas cifras demográficas, especialmente os número referentes à população economicamente ativa. Até 2050, a população economicamente ativa do Japão terá se reduzido em 38%, a da Rússia, da Ucrânia e de Belarus, em 46%, e a de 15 países da UE em porcentagens diferentes -8% na França, 41% na Itália, 35% na Espanha, 21% na Alemanha. Dos países da UE como um todo, incluindo tanto os países-membros quanto os candidatos a membros, apenas o Reino Unido e a Irlanda terão aumentado suas populações economicamente ativas até 2050. Todos os outros (com exceção de Luxemburgo) terão tido uma queda que chegará à média de 19% entre os membros atuais e 38% nos outros.
Enquanto isso, a população economicamente ativa dos EUA terá aumentado em mais de 54 milhões (31%), um aumento que supera as dimensões da população economicamente ativa da Alemanha, hoje. Essas cifras não levam em conta nem o total de horas trabalhadas nem a produtividade, ambos os quais aumentam tremendamente a dianteira produtiva dos EUA em relação à Europa.
É fato sabido que dificilmente se pode confiar nas previsões demográficas, e algumas previsões quanto ao que provavelmente vai acontecer na Europa (e no Japão) neste século são tão alarmantes que merecem ser desconsideradas. Mas fica claro que existe um contraste marcante e crescente entre a velha Europa e a jovem América. E a soma de tecnologia em avanço e força de trabalho em expansão será irresistível, em termos de poderio econômico e militar. Os EUA conseguem desincumbir-se de suas responsabilidades com coragem e determinação. Mas não estão sozinhos. O Reino Unido, com recursos muito menores, mas dotado de experiência longa e diversificada, possui determinação igual à dos EUA de fazer sua justa parte.
Quando eu era menino, nos anos 30, um quarto do mapa-múndi era colorido de vermelho -era a parte coberta pelo Império Britânico e pela Comunidade Britânica. Era um império liberal e uma comunidade democrática de nações, e seu objetivo, assim como o objetivo dos EUA nas Filipinas, era preparar seus integrantes para se autogovernar. Houve alguns êxitos notáveis. Canadá, Terra Nova, Nova Zelândia, Austrália, Cingapura, Hong Kong e, sobretudo a Índia, que, com 1 bilhão de habitantes, tornou-se a maior democracia do mundo.
Mas também houve fracassos trágicos, especialmente na África. Entretanto aprendemos também com os fracassos. O conhecimento que ganhamos está à disposição dos EUA, especialmente no que diz respeito ao treinamento de administradores militares e civis que precisam empreender o tipo de trabalho que está sendo feito no Iraque e no Afeganistão. Uma idéia que eu gostaria de ver explorada, com rapidez, é a criação de uma escola anglo-americana de treinamento de homens e mulheres, tanto das Forças Armadas quando do governo, nas habilidades necessárias para resgatar países frágeis ou falidos e para integrar antigas tiranias e ditaduras ao círculo mágico de justiça e democracia. Temos um projeto vasto pela frente, e precisamos ser educados para cumpri-lo.
Que papel existe para a Europa continental dentro desse projeto? A resposta é: um papel tão grande quanto os europeus quiserem exercer, forem capazes de exercer e estiverem ansiosos por exercer em boa-fé. Mas sou obrigado a dizer que os acontecimentos recentes não mostraram os europeus sob uma ótica favorável. Vai demorar tempo considerável até que a União Européia ampliada mostre se é econômica e politicamente viável e se é capaz de gerar os recursos e manifestar a vontade necessários para fazer uma contribuição militar ou outra que valha a pena. Meu palpite é que os Estados Unidos da Europa, que já constituem uma estrutura capenga, se dirigem ao desastre -à falência econômica e à implosão política. Olhando para a situação desde o ponto de vista do Reino Unido, deveríamos manter distância da confusão toda. Em termos emocionais e cerebrais, o canal da Mancha é mais largo do que o Atlântico, e eu preferiria ver ampliada a área de livre comércio do Atlântico Norte do que uma Europa burocrática, antidemocrática e não-liberal.
A administração Bush está apenas começando a dar-se conta das implicações do rumo no qual embarcou. Ela ainda fala a linguagem do antiimperialismo, embora o faça com dificuldade cada vez maior. Mas esse é o jargão do século 20, ou, pelo menos, de sua segunda metade. Quem pode dizer que será o discurso prevalecente no século 21? O imperialismo virou um termo pejorativo nos EUA apenas durante a Guerra de Secessão (1861-65), quando o sul acusou o norte de comportar-se como um império europeu. A partir de então, passou a ser politicamente correto falar apenas do "excepcionalismo americano". No âmbito internacional, ""imperialismo" virou palavrão no início do século 20, e os principais responsáveis por isso foram os comunistas.
Vale recordar também que, até 1860, ""império" não era um termo que trazia conotação abusiva nos EUA. O próprio George Washington falava do ""Império Americano em ascensão". Ciente do dilema, Thomas Jefferson afirmava que os EUA eram ""um império em prol da liberdade". É isso que o país está se tornando outra vez, senão em nome, pelo menos na realidade.
A busca americana de segurança contra o terrorismo e os Estados delinqüentes anda de mãos dadas com a libertação de suas populações oprimidas. A distância entre o Império do Mal e o Império da Liberdade é um passo gigantesco, um contraste tão grande quanto as imagens assustadoras do século 20 desperdiçado e a aurora reluzente do século 21. Mas os EUA têm a musculatura e a vontade suficientes para empreender passos gigantes, coisa que já mostraram no passado.
Existe outro fator que vem recebendo muito pouca atenção. É possível que a humanidade se encontre às vésperas de uma era inteiramente nova de exploração e assentamento -no espaço. Em 1450, ninguém na velha Europa imaginava que a descoberta e a colonização do Novo Mundo estivessem pouco além do horizonte histórico. Mas a tecnologia dos navios e da navegação oceânica já existia e vinha sendo usada havia 50 anos, e, assim, todo um hemisfério novo foi trazido para dentro de nosso alcance.
Não se pensara previamente em quem poderia ficar com a posse dele. Hoje, o imperialismo é uma possibilidade técnica e pode virar realidade muito antes do que imaginamos. E, quando isso acontecer, ele vai se desenvolver como aconteceu na era de Colombo -em velocidade dramática, com os aventurosos avançando muito mais rapidamente do que os advogados e estadistas internacionais. Deveríamos estar pensando sobre isso agora.
Uma coisa é certa: os EUA estarão na vanguarda desse novo imperialismo. De fato, já deram os primeiros passos, ao impor uma proibição unilateral de envio de sistemas de armas rivais ao espaço. O papel de primeira potência imperialista espacial provavelmente será imposto aos EUA simplesmente por força de sua riqueza, seu poder e sua tecnologia.
Uma coisa está clara: é pouco provável que os EUA deixem de ser um império no sentido fundamental do termo. Eles não irão compartilhar sua soberania com ninguém. Vão continuar a promover esforços internacionais de valor comprovado, tais como o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt), e a apoiar alianças militares como a Otan, nos casos apropriados. Mas não vão permitir que a ONU ou qualquer outra organização infrinja seu direito natural de defender-se como achar melhor.
A nova globalização da segurança vai seguir adiante com a ONU, se possível, ou sem ela, se necessário. O império para a liberdade é a dinâmica da transformação.

Tradução de Clara Allain


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