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Em homilia, papável pede diálogo com islã
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ROMA
O papa que sucederá João Paulo
2º terá que manter a Igreja Católica como vetor do diálogo com o
islamismo.
A definição pertence ao cardeal
Camillo Ruini, vigário-geral de
Roma, tido como papável, e foi
exposta ontem, na terceira das
nove missas fúnebres que serão
celebradas em homenagem a Karol Wojtyla, sempre na basílica de
São Pedro.
Ruini, como é da praxe, fez o
elogio de João Paulo 2º, pondo ênfase no fato de ter sido agente do
"diálogo entre povos, religiões e
nações". Depois, Ruini recordou
a missa de sexta-feira, no enterro
do papa, em que "a praça São Pedro pôde tornar-se símbolo jamais tão eloqüente não do choque
de civilizações, mas, ao contrário,
da grande família das nações".
É uma alusão ao fato de que 200
líderes mundiais estiveram presentes ao funeral, entre eles governantes islâmicos e israelenses, que
acabaram se cumprimentando,
como no caso do presidente de Israel, Moshe Katzav, o da Síria,
Bashar Assad, e o do Irã, Mohammad Khatami.
O arcebispo de São Paulo, dom
Cláudio Hummes, foi um dos cardeais que leram a oração eucarística durante a missa.
Os vaticanistas dizem que é precisamente nas homilias do novendiário (os nove dias de cerimônias
fúnebres) que os cardeais celebrantes emitem mensagens que
comporiam o perfil que esperam
do próximo papa.
Se é assim, as pistas até agora
disponíveis não permitem formar
uma idéia mínima. No primeiro
dia, o do enterro do papa, o cardeal Joseph Ratzinger limitou-se a
fazer um resumo emocionado da
biografia de João Paulo 2º. No segundo, sábado, Francesco Marchisano, rezou para que o próximo papa siga o caminho do seu
antecessor.
Ontem, a homilia de Ruini tocou no diálogo com o islã, que não
parece encontrar qualquer resistência na igreja, depois que João
Paulo 2º se tornou o primeiro papa a visitar uma mesquita.
De todo modo, as homilias passaram a ser as únicas indicações,
ainda que precárias, do que estão
pensando os cardeais, depois que
eles próprios decidiram, no sábado, adotar um blecaute informativo, recusando-se a dar entrevistas.
Não que, até então, tivessem feito declarações que permitissem
antecipar qualquer coisa sobre o
resultado do conclave, mas, pelo
menos, tocavam nos temas que,
em tese, o próximo papa deverá
enfrentar com prioridade.
Antes da decisão dos prelados,
duas entrevistas foram recolhidas
pela mídia italiana, mas tampouco trouxeram novidades, a não
ser pelo lado negativo.
Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo, desqualificou os bispos latino-americanos como candidatos ao papado, ao dizer que "não estão preparados para compreender a evolução do mundo atual, que se apóia
sobre a América do Norte, a Europa e a Ásia".
Para dom Paulo, é dessas três
áreas que "depende a mudança
no mundo".
O cardeal não faz parte do colégio que elegerá o novo papa, por
ter ultrapassado a idade máxima
permitida (80 anos). Tampouco
está em Roma, por estar se recuperando de sérios problemas cardíacos, mas a sua voz chegou à capital italiana por ter sido entrevistado pela RAI, a principal emissora de TV da Itália.
Além disso, a desqualificação
dos cardeais latino-americanos
ganhou também espaço na mídia
impressa, certamente por afetar
dom Cláudio Hummes, o sucessor de dom Paulo em São Paulo e
sempre citado como um dos favoritos na eleição para o sucessor de
João Paulo 2º.
Já o cardeal alemão Karl Lehmann disse ao jornal "Allgemeine
Zeitung", de Mogúncia, que não
há "favoritos claros", para suceder João Paulo 2º.
Lehmann repete o que um cardeal que preferiu não se identificar havia dito dias atrás à Folha:
"Os cardeais necessitam um pouco de tempo para conhecer-se
melhor".
Também ele prevê um conclave
não muito breve (o cardeal que falara à Folha imaginara não menos
de três dias e, mais provavelmente, cinco).
O cardeal Lehmann acrescenta
que tampouco existe "uma aliança bem definida" entre os chamados "grandes eleitores" -ou seja,
cardeais que não parecem ter
grandes chances de serem eles
próprios os eleitos, mas que influenciam os demais.
O silêncio dos cardeais contribuiu para um fenômeno que certamente ocorreria do mesmo jeito, mas com menos intensidade: a
fortíssima redução na "overdose"
de informações na mídia italiana
sobre a morte do papa João Paulo
2º e assuntos correlatos, como a
sua sucessão.
Ainda há muitos visitantes tanto na praça São Pedro como na
basílica. Mas não é nada remotamente parecido com a afluência
descomunal dos dias que se sucederam à morte do papa.
Desde sábado, Roma está sob
uma chuva persistente e fria, que
fez baixar a temperatura de 6C a
8C em relação à sexta-feira do
enterro do papa. A mínima ontem era de 4C, o que ajuda a afastar das ruas os turistas e, principalmente, os italianos.
Mesmo assim, a basílica ficou
lotada e muita gente teve que
acompanhar a missa pelos telões
colocados na praça de São Pedro.
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