São Paulo, segunda-feira, 11 de abril de 2005

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Em homilia, papável pede diálogo com islã

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ROMA

O papa que sucederá João Paulo 2º terá que manter a Igreja Católica como vetor do diálogo com o islamismo.
A definição pertence ao cardeal Camillo Ruini, vigário-geral de Roma, tido como papável, e foi exposta ontem, na terceira das nove missas fúnebres que serão celebradas em homenagem a Karol Wojtyla, sempre na basílica de São Pedro.
Ruini, como é da praxe, fez o elogio de João Paulo 2º, pondo ênfase no fato de ter sido agente do "diálogo entre povos, religiões e nações". Depois, Ruini recordou a missa de sexta-feira, no enterro do papa, em que "a praça São Pedro pôde tornar-se símbolo jamais tão eloqüente não do choque de civilizações, mas, ao contrário, da grande família das nações".
É uma alusão ao fato de que 200 líderes mundiais estiveram presentes ao funeral, entre eles governantes islâmicos e israelenses, que acabaram se cumprimentando, como no caso do presidente de Israel, Moshe Katzav, o da Síria, Bashar Assad, e o do Irã, Mohammad Khatami.
O arcebispo de São Paulo, dom Cláudio Hummes, foi um dos cardeais que leram a oração eucarística durante a missa.
Os vaticanistas dizem que é precisamente nas homilias do novendiário (os nove dias de cerimônias fúnebres) que os cardeais celebrantes emitem mensagens que comporiam o perfil que esperam do próximo papa.
Se é assim, as pistas até agora disponíveis não permitem formar uma idéia mínima. No primeiro dia, o do enterro do papa, o cardeal Joseph Ratzinger limitou-se a fazer um resumo emocionado da biografia de João Paulo 2º. No segundo, sábado, Francesco Marchisano, rezou para que o próximo papa siga o caminho do seu antecessor.
Ontem, a homilia de Ruini tocou no diálogo com o islã, que não parece encontrar qualquer resistência na igreja, depois que João Paulo 2º se tornou o primeiro papa a visitar uma mesquita.
De todo modo, as homilias passaram a ser as únicas indicações, ainda que precárias, do que estão pensando os cardeais, depois que eles próprios decidiram, no sábado, adotar um blecaute informativo, recusando-se a dar entrevistas.
Não que, até então, tivessem feito declarações que permitissem antecipar qualquer coisa sobre o resultado do conclave, mas, pelo menos, tocavam nos temas que, em tese, o próximo papa deverá enfrentar com prioridade.
Antes da decisão dos prelados, duas entrevistas foram recolhidas pela mídia italiana, mas tampouco trouxeram novidades, a não ser pelo lado negativo.
Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo, desqualificou os bispos latino-americanos como candidatos ao papado, ao dizer que "não estão preparados para compreender a evolução do mundo atual, que se apóia sobre a América do Norte, a Europa e a Ásia".
Para dom Paulo, é dessas três áreas que "depende a mudança no mundo".
O cardeal não faz parte do colégio que elegerá o novo papa, por ter ultrapassado a idade máxima permitida (80 anos). Tampouco está em Roma, por estar se recuperando de sérios problemas cardíacos, mas a sua voz chegou à capital italiana por ter sido entrevistado pela RAI, a principal emissora de TV da Itália.
Além disso, a desqualificação dos cardeais latino-americanos ganhou também espaço na mídia impressa, certamente por afetar dom Cláudio Hummes, o sucessor de dom Paulo em São Paulo e sempre citado como um dos favoritos na eleição para o sucessor de João Paulo 2º.
Já o cardeal alemão Karl Lehmann disse ao jornal "Allgemeine Zeitung", de Mogúncia, que não há "favoritos claros", para suceder João Paulo 2º.
Lehmann repete o que um cardeal que preferiu não se identificar havia dito dias atrás à Folha: "Os cardeais necessitam um pouco de tempo para conhecer-se melhor".
Também ele prevê um conclave não muito breve (o cardeal que falara à Folha imaginara não menos de três dias e, mais provavelmente, cinco).
O cardeal Lehmann acrescenta que tampouco existe "uma aliança bem definida" entre os chamados "grandes eleitores" -ou seja, cardeais que não parecem ter grandes chances de serem eles próprios os eleitos, mas que influenciam os demais.
O silêncio dos cardeais contribuiu para um fenômeno que certamente ocorreria do mesmo jeito, mas com menos intensidade: a fortíssima redução na "overdose" de informações na mídia italiana sobre a morte do papa João Paulo 2º e assuntos correlatos, como a sua sucessão.
Ainda há muitos visitantes tanto na praça São Pedro como na basílica. Mas não é nada remotamente parecido com a afluência descomunal dos dias que se sucederam à morte do papa.
Desde sábado, Roma está sob uma chuva persistente e fria, que fez baixar a temperatura de 6C a 8C em relação à sexta-feira do enterro do papa. A mínima ontem era de 4C, o que ajuda a afastar das ruas os turistas e, principalmente, os italianos.
Mesmo assim, a basílica ficou lotada e muita gente teve que acompanhar a missa pelos telões colocados na praça de São Pedro.

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