São Paulo, terça-feira, 11 de abril de 2006

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ARTIGO

Sim, Bush faria

PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"

"Mas ele não faria isso." Essa é a opinião que tornou possível ao presidente Bush empurrar os EUA para uma guerra no Iraque e adiar até depois da eleição de 2004 as perguntas contundentes quanto às razões que conduziram à guerra. Muitas pessoas não queriam acreditar que um presidente americano pudesse intencionalmente enganar a nação em relação a questões de guerra e paz.
Hoje, pessoas que têm contatos na administração e no meio militar avisam que Bush pode estar planejando outra guerra.
"Mas ele não faria isso", dizem pessoas que pensam estar sendo sensatas. Em vista, porém, do que hoje sabemos sobre as origens da Guerra do Iraque, não é sensato descontar a possibilidade de Bush iniciar outra guerra desnecessária e malconcebida. Isso é pensamento ilusório, movido pelos desejos.
Acontece que os rumores sobre uma nova guerra coincidem com o surgimento de evidências que parecem confirmar nossas piores suspeitas em relação à guerra na qual já estamos mergulhados.
Para começar, está mais claro do que nunca que Bush, que ainda afirma que travar a guerra no Iraque foi o último recurso, na realidade estava disposto e ansioso por fazer a guerra. O "New York Times" confirmou a autenticidade de um memorando do governo britânico sobre uma discussão entre Bush e Tony Blair antes da guerra. Nessa conversa, Bush disse a Blair que estava determinado a invadir o Iraque, mesmo que os inspetores da ONU saíssem do país de mãos vazias.
Em segundo lugar, está ficando cada vez mais claro que Bush sabia que os argumentos que estava apresentando em favor da guerra -argumentos esses que dependiam crucialmente de visões de nuvens em formato de cogumelos- se baseavam em provas suspeitas. Por exemplo, em seu discurso do Estado da União em 2003, Bush citou a compra de tubos de alumínio pelo Iraque como evidência clara de que Saddam estava tentando adquirir um arsenal nuclear. No entanto Murray Waas afirma no "National Journal" que Bush fora avisado de que muitos analistas de inteligência discordavam dessa avaliação.


Depois do Iraque, não é sensato descontar a possibilidade de Bush iniciar outra guerra desnecessária

Será que a diferença entre o retrato público que Bush pintou da ameaça iraquiana e as informações de inteligência que ele realmente recebeu é suficientemente grande para justificar as alegações de que ele enganou a população propositalmente, para conduzi-la à guerra? Ao que tudo indica, Karl Rove pensava que sim.
De acordo com Waas, Rove, "no verão de 2003, avisou a outros assessores da Casa Branca que as perspectivas de reeleição de Bush em 2004 seriam gravemente prejudicadas" se viesse a público o teor de um "Sumário do Presidente", escrito em outubro de 2002, sobre o significado dos tubos de alumínio.
Agora surgem rumores sobre planos para atacar o Irã. A maioria dos analistas pensa que uma campanha de bombardeios desse país seria um erro desastroso. Mas isso não significa que não vá acontecer. Bush ignorou avisos semelhantes, inclusive de seu próprio pai, sobre os riscos do Iraque.
Como observou recentemente Joseph Cirincione, do Instituto Carnegie para a Paz Internacional, a administração parece estar adotando no caso do Irã exatamente o mesmo roteiro que seguiu no Iraque: "O vice-presidente dos EUA profere um discurso importante focalizando a ameaça representada por um país petrolífero do Oriente Médio. O secretário de Estado diz ao Congresso que esse mesmo país representa nosso mais sério desafio global. O secretário da Defesa descreve esse país como a principal fonte de apoio do terrorismo global. O presidente o acusa de ataques a tropas americanas".
Por que Bush poderia querer outra guerra? Para começo de conversa, Bush, cuja Presidência está sendo cada vez mais definida pelo atoleiro no Iraque, talvez acredite que possa redimir-se com um novo "momento Missão Cumprida".
E não é apenas seu legado que está em risco. Pesquisas de opinião sugerem que, em novembro, o controle de uma ou de ambas as Casas do Congresso possa passar para os democratas, que, com isso, ganhariam a capacidade de lançar investigações reforçadas pelo poder de intimações judiciais. Isso poderia trazer à tona diversos escândalos do governo. Analistas políticos sugerem abertamente que um ataque ao Irã ofereceria a Bush uma maneira de afastar esse perigo -que um ataque militar lançado com timing correto poderia modificar a dinâmica política interna dos EUA.
Tudo isso soa improvável demais? Não deveria. Dada a combinação de insensatez e desonestidade manifestada por Bush ao lançar a Guerra do Iraque, por que deveríamos supor que ele não tornaria a fazer a mesma coisa outra vez?

Tradução de Clara Allain

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