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ATRÁS DAS GRADES
Jornalista se passa por carcereiro e descreve Sing Sing
Pior prisão
dos EUA vive
guerra não
declarada
R. M. DE RITUERTO
DO "EL PAÍS", EM CHICAGO
Na legendária penitenciária de
Sing Sing, a mais temida dos
EUA, que já testemunhou mais de
600 execuções, vive-se uma guerra não declarada entre os 700
"funcionários de segurança" e os
2.400 detentos.
É um presídio antigo, em mau
estado, infestado por ratos, baratas e aranhas venenosas e sem
aquecimento.
Drogas e armas entram em Sing
Sing, e apenas cerca de 300 ou 400
detentos se beneficiam de programas de formação. De vez em
quando a tensão constante entre
carcereiros e encarcerados explode em insultos, atos de insubordinação e enfrentamentos.
No pavilhão de castigo, conhecido como "Caixa", os detentos
atiram o conteúdo de seus urinóis
sobre funcionários.
"A área em volta da "Caixa" gera
atos inacreditáveis de loucura e
barbárie. Um preso chegava ao
ponto de lançar sobre os funcionários um jorro de urina e fezes
-saído de sua boca", diz Ted Conover, jornalista investigativo especializado em viver na pele dos
alvos de suas pesquisas e que se
converteu em funcionário do sistema carcerário durante um ano
para poder descrever Sing Sing
vista por dentro.
Para isso, teve de fazer um curso
dado na própria penitenciária.
"Os funcionários eram como tubarões sedentos de sangue. A primeira lição que você aprende é
não chamar a atenção para você
mesmo."
Durante alguns meses o candidato a carcereiro vive um processo acelerado de desumanização. É
a fase preparatória para a imersão
no mundo real da penitenciária,
onde os funcionários não conseguem dar conta dos problemas e
passam o dia inteiro rodeados de
presos e temendo por suas vidas.
"Mesmo nas prisões mais controladas, dominamos com o consentimento dos detentos", reconhece um instrutor. "Todos os
dias ocorrem várias ocasiões em
que, se os detentos estivessem organizados, poderiam tomar a
maioria dos presídios."
Para outro funcionário que
conseguiu ser transferido de Sing
Sing, os nove meses que passou
ali foram piores até mesmo do
que o tempo em que serviu no
Vietnã. "Nosso trabalho não é
reabilitar ninguém", diz outro. "A
verdade é que somos guardas de
um depósito de seres humanos."
Sing Sing fica a 50 km de Nova
York, no luxuoso condado de
Westchester, onde o presidente
Bill Clinton comprou uma casa.
Quase 2 milhões de norte-americanos lotam as prisões dos EUA.
Nenhuma delas, porém, é tão
atroz quanto Sing Sing, um universo de degradação que até agora era vedado aos olhos da humanidade.
Conover já havia experimentado esse método de pesquisa jornalística antes. Nunca antes, porém, tinha se dissociado de sua
própria personalidade ou profissão. Enquanto escrevia o livro em
que relata sua experiência, Conover pôde dormir em sua própria
cama todas as noites, mas, em troca, foi obrigado a mergulhar na
degradação.
E as humilhações infligidas e sofridas cobram seu preço. Numa
revista dos presos confinados na
"Caixa", em busca de pedaços de
vidro que pudessem ser transformados em armas, o jornalista acabou por deixar seus escrúpulos de
lado. "De repente, senti-me satisfeito por estar incluído. Eu já tinha aguentado tanta indisciplina
e desrespeito por parte dos detentos que me senti com força renovada diante da idéia de que já tínhamos chegado até ali."
A demonstração de violência
triunfal que se seguiu lhe deixou
um gosto amargo na boca. "Dado
que já se sabia o que ia acontecer,
quem ganhou, afinal? O que acontece com um homem cujo trabalho consiste em quebrar a resistência de outros homens?"
Conover começava a trabalhar
às 6h45 e, oito horas mais tarde,
voltava para casa para sentar-se
diante do computador durante
uma hora e fazer suas anotações
do dia. "A prisão deixa as pessoas
loucas", escreveu. Ele precisava
de duas horas para reajustar-se à
vida de homem normal, com sua
mulher, Margot, e dois filhos pequenos. Mesmo assim, era com
muita dificuldade que conseguia.
Durante a noite, acordava com
pesadelos, e o ambiente de trabalho opressivo prejudicou suas relações com sua mulher. Seu trabalho era secreto. Na penitenciária,
ninguém sabia que era jornalista,
e Conover revelou a muito poucos amigos o tema que estava pesquisando. Não falava de trabalho
com Margot, "para não manchar
a toalha de mesa com as coisas
que tinha visto durante o dia".
"Nossa resposta à criminalidade continua sendo um instrumento pesado e cego, que mais
marca o delinquente do que o reforma", escreve, falando do sistema penitenciário. Com relação à
sujeira psicológica gerada pelo
trabalho de carcereiro, Conover
disse ao "The New York Times":
"É uma coisa que não sai no banho. Você faz coisas que trazem à
tona o que existe de pior em você
e se sente sujo. É algo tão vergonhoso que se faz às escondidas".
Tradução de Clara Allain
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