São Paulo, domingo, 11 de junho de 2000


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ATRÁS DAS GRADES
Jornalista se passa por carcereiro e descreve Sing Sing
Pior prisão dos EUA vive guerra não declarada


R. M. DE RITUERTO
DO "EL PAÍS", EM CHICAGO

Na legendária penitenciária de Sing Sing, a mais temida dos EUA, que já testemunhou mais de 600 execuções, vive-se uma guerra não declarada entre os 700 "funcionários de segurança" e os 2.400 detentos.
É um presídio antigo, em mau estado, infestado por ratos, baratas e aranhas venenosas e sem aquecimento.
Drogas e armas entram em Sing Sing, e apenas cerca de 300 ou 400 detentos se beneficiam de programas de formação. De vez em quando a tensão constante entre carcereiros e encarcerados explode em insultos, atos de insubordinação e enfrentamentos.
No pavilhão de castigo, conhecido como "Caixa", os detentos atiram o conteúdo de seus urinóis sobre funcionários.
"A área em volta da "Caixa" gera atos inacreditáveis de loucura e barbárie. Um preso chegava ao ponto de lançar sobre os funcionários um jorro de urina e fezes -saído de sua boca", diz Ted Conover, jornalista investigativo especializado em viver na pele dos alvos de suas pesquisas e que se converteu em funcionário do sistema carcerário durante um ano para poder descrever Sing Sing vista por dentro.
Para isso, teve de fazer um curso dado na própria penitenciária. "Os funcionários eram como tubarões sedentos de sangue. A primeira lição que você aprende é não chamar a atenção para você mesmo."
Durante alguns meses o candidato a carcereiro vive um processo acelerado de desumanização. É a fase preparatória para a imersão no mundo real da penitenciária, onde os funcionários não conseguem dar conta dos problemas e passam o dia inteiro rodeados de presos e temendo por suas vidas.
"Mesmo nas prisões mais controladas, dominamos com o consentimento dos detentos", reconhece um instrutor. "Todos os dias ocorrem várias ocasiões em que, se os detentos estivessem organizados, poderiam tomar a maioria dos presídios."
Para outro funcionário que conseguiu ser transferido de Sing Sing, os nove meses que passou ali foram piores até mesmo do que o tempo em que serviu no Vietnã. "Nosso trabalho não é reabilitar ninguém", diz outro. "A verdade é que somos guardas de um depósito de seres humanos."
Sing Sing fica a 50 km de Nova York, no luxuoso condado de Westchester, onde o presidente Bill Clinton comprou uma casa.
Quase 2 milhões de norte-americanos lotam as prisões dos EUA. Nenhuma delas, porém, é tão atroz quanto Sing Sing, um universo de degradação que até agora era vedado aos olhos da humanidade.
Conover já havia experimentado esse método de pesquisa jornalística antes. Nunca antes, porém, tinha se dissociado de sua própria personalidade ou profissão. Enquanto escrevia o livro em que relata sua experiência, Conover pôde dormir em sua própria cama todas as noites, mas, em troca, foi obrigado a mergulhar na degradação.
E as humilhações infligidas e sofridas cobram seu preço. Numa revista dos presos confinados na "Caixa", em busca de pedaços de vidro que pudessem ser transformados em armas, o jornalista acabou por deixar seus escrúpulos de lado. "De repente, senti-me satisfeito por estar incluído. Eu já tinha aguentado tanta indisciplina e desrespeito por parte dos detentos que me senti com força renovada diante da idéia de que já tínhamos chegado até ali."
A demonstração de violência triunfal que se seguiu lhe deixou um gosto amargo na boca. "Dado que já se sabia o que ia acontecer, quem ganhou, afinal? O que acontece com um homem cujo trabalho consiste em quebrar a resistência de outros homens?"
Conover começava a trabalhar às 6h45 e, oito horas mais tarde, voltava para casa para sentar-se diante do computador durante uma hora e fazer suas anotações do dia. "A prisão deixa as pessoas loucas", escreveu. Ele precisava de duas horas para reajustar-se à vida de homem normal, com sua mulher, Margot, e dois filhos pequenos. Mesmo assim, era com muita dificuldade que conseguia.
Durante a noite, acordava com pesadelos, e o ambiente de trabalho opressivo prejudicou suas relações com sua mulher. Seu trabalho era secreto. Na penitenciária, ninguém sabia que era jornalista, e Conover revelou a muito poucos amigos o tema que estava pesquisando. Não falava de trabalho com Margot, "para não manchar a toalha de mesa com as coisas que tinha visto durante o dia".
"Nossa resposta à criminalidade continua sendo um instrumento pesado e cego, que mais marca o delinquente do que o reforma", escreve, falando do sistema penitenciário. Com relação à sujeira psicológica gerada pelo trabalho de carcereiro, Conover disse ao "The New York Times": "É uma coisa que não sai no banho. Você faz coisas que trazem à tona o que existe de pior em você e se sente sujo. É algo tão vergonhoso que se faz às escondidas".


Tradução de Clara Allain


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