São Paulo, domingo, 11 de julho de 2010

Próximo Texto | Índice

Brasil apoia venda de diamante africano

Ditador do Zimbábue conta com voto do governo Lula para liberar exportação de pedras recém-descobertas

Receita seria salvação para o regime de Robert Mugabe, cuja economia registrou uma inflação de milhões por cento


Tsvangirayi Mukwazhi/Associated Press
Mineiros escavam terreno em busca de diamantes no campo de Marange, no Zimbábue; atividade levanta temores de violência e criminalidade no país

FÁBIO ZANINI
DE JOHANNESBURGO

O governo brasileiro apoia a liberação da exportação de diamantes de um novo e vasto campo descoberto recentemente no leste do Zimbábue, visto como tábua de salvação para o regime do ditador Robert Mugabe, no poder há 30 anos.
A posição se choca com a de ONGs, que apontam graves violações de direitos humanos pelo Exército de Mugabe na área, conhecida como campo de Marange. A venda dos diamantes também tem a oposição de EUA, Canadá, Austrália e União Europeia, que citam ainda o contrabando das pedras.
O Brasil se uniu a um bloco formado por seus colegas do grupo dos Brics (Rússia, Índia e China) e países africanos -alguns, ditaduras não muito melhores que a de Mugabe. O ditador disse no mês passado, em entrevista à Folha, que vê o governo Lula como aliado para sair do isolamento internacional.
Com ajuda do presidente, a seleção de Dunga jogou um amistoso no Zimbábue no início de junho, faturado politicamente por Mugabe.
As divisões ficaram claras na última reunião do Processo de Kimberley, em Israel, em 24 de junho. Criado por recomendação da ONU, em 2003, trata-se de um organismo que reúne 75 países produtores, representantes da indústria e de ONGs.
Sua função é assegurar que não haja "diamantes de sangue" no mercado internacional, após as guerras financiadas pelas pedras nos anos 90 em países como Serra Leoa, Libéria e Angola.
Para que um país possa exportar seus diamantes legitimamente, é preciso que o processo dê autorização, por consenso dos participantes.
É esta chancela que Mugabe busca e que, numa situação inédita, rachou a organização. Uma nova reunião será realizada nesta semana em São Petersburgo (Rússia). "O impasse é algo estranho e incomum para nós", disse à Folha o presidente do Processo de Kimberley, o israelense Boaz Hirsch.
Irritado, o governo de Mugabe agora ameaça vender os diamantes de Marange no mercado negro. Argumenta que o Zimbábue, um país em que a economia se desintegrou nos últimos anos e que chegou a registrar uma inflação de milhões por cento ao ano, precisa desesperadamente dos recursos.
O campo de Marange, com área de 26 km2, está apenas começando a ser conhecido. "As primeiras análises indicam que é uma das maiores descobertas em décadas. Em breve, pode responder por 20% da produção mundial de diamantes", diz Hirsch.

CAMPO
Assim que a boa nova chegou, há quatro anos, Mugabe ocupou militarmente a área e impede a livre entrada. Cerca de 3% da região foi concedida a duas empresas sul-africanas. ONGs suspeitam que sirvam de fachada para representantes da elite militar do país. O resto está sob controle direto do Exército.
Com a conivência dos militares, parte dos diamantes já é contrabandeada pela fronteira com Moçambique, mas o preço no mercado negro é baixo, e há dificuldades para exportação em larga escala.
No final de 2009, um grupo de trabalho do organismo foi criado para tentar resolver o impasse. Um relator sul-africano, após visitas ao campo, concluiu pela liberação dos diamantes, mas sua independência é questionada.


Próximo Texto: Saiba mais: Sob grave crise, ditador nunca esteve tão frágil
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.