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Filme aviva crítica à estratégia dos EUA
Documentário mostra esforço de jovens militares em combater enquanto buscam engajamento no Afeganistão
Diretor de "Restrepo" critica plano de guerra que cobra ação política dos militares treinados "para lutar e matar"
ANDREA MURTA
DE WASHINGTON
Há duas faces da estratégia da contrainsurgência, escolhida pelo presidente dos
EUA, Barack Obama, para lutar a guerra no Afeganistão.
Uma é a da discussão sobre como combater, conquistar o apoio dos afegãos e reconstruir o país. Outra bem
diferente é a dos garotos de
18 anos treinados para matar
que, de repente, têm que agir
como diplomatas.
Essa segunda faceta é
mostrada com crueza no documentário "Restrepo", que
entrou em cartaz na última
sexta, em Washington.
O filme é o resultado da
imersão entre maio de 2007 e
julho de 2008 do jornalista
americano Sebastian Junger
e do fotógrafo britânico Tim
Hetherington num grupo de
soldados no vale do Korengal, perto da fronteira paquistanesa, por muito tempo
considerado o lugar mais perigoso do Afeganistão.
Apesar de editado para ser
apolítico, "Restrepo" contribui para o crescente questionamento da estratégia. A
contrainsurgência exige
muitos soldados não só para
derrotar o inimigo mas para
viver entre a população e reconstruir o governo, esforço
que pode levar décadas.
As câmeras exibem com
tom de futilidade reuniões
organizadas pelos jovens soldados com líderes tribais.
Em uma cena, um idoso
afegão gira nas mãos uma
caixinha de suco dada pelos
soldados sem saber onde enfiar o canudinho, em óbvio
constrangimento. A distância aumenta quando ele diz:
"Querem matar o inimigo,
OK, mas estão matando gente daqui que não tem nada a
ver com os insurgentes".
Os soldados não podem fazer mais do que pedir desculpas e voltar a uma base nas
montanhas, onde sofrem até
14 ataques por dia.
Em outro momento, os militares se animam ao serem
procurados por três líderes
locais. "É a primeira vez que
isso acontece." Mas os afegãos não querem discutir a
guerra. Querem indenização
após os americanos matarem
uma vaca que se prendera no
arame farpado, dias antes.
"O que vimos é uma contrainsurgência barata", disse
Hetherington após uma pré-exibição do filme, na última
quarta. "Respeito os rapazes,
mas estamos pedindo a eles
que ajam como políticos, enquanto são treinados para lutar e matar."
REVISÃO
Segundo Hetherington, os
militares não se queixam do
(pouco) resultado das tentativas de aproximação. Expressam frustração, sim, pela contenção de fogo para
evitar a morte de civis, outra
prática da estratégia.
Esse ponto passa atualmente por revisão. A orientação atual é limitar os ataques
aéreos e com morteiros contra casas, a não ser em casos
de risco iminente. Os soldados são forçados a analisar o
movimento das construções
por 48 horas para verificar
que não há civis, antes de
ataques. E dizem que isso os
coloca em perigo.
"Restrepo" é ainda um retrato da vulnerabilidade dos
soldados. Os diretores testemunharam com uma proximidade rara batalhas sangrentas e seus efeitos nos jovens americanos, que choram como crianças ao ver o
melhor amigo ser morto.
O nome do documentário
é oriundo disso: Restrepo é o
nome do pequeno posto de
combate no vale onde se desenrola a ação, homenagem
a um membro morto em combate. O posto foi fechado em
abril, após mais de 450 combates e quase 50 mortes.
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