São Paulo, sábado, 11 de agosto de 2001

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ORIENTE MÉDIO

Segundo parentes e amigos, Jorge Balazs, 68, se preparava para casamento do filho

Brasileiro morto queria "paz entre irmãos"

MARIA BRANT
DA REDAÇÃO

O brasileiro Jorge Balazs, 68, que morreu no atentado a bomba na última quinta-feira em Jerusalém, achava que israelenses e palestinos eram "irmãos" e deveriam encontrar uma forma de viver em paz.
"Jorge tinha muito forte dentro dele a experiência socialista do kibutz. Ele achava que os irmãos semitas tinham de encontrar uma forma de se dar as mãos e viver em paz", disse o funcionário público Antônio Augusto da Costa Faria, 52, genro de Balazs.
Jorge viveu cerca de 20 anos no kibutz (fazenda coletiva) Broch Chail, conhecido como "o kibutz brasileiro", no deserto do Negev, do final da década de 50 até 1979, segundo Faria.
Foi em Israel que Jorge conheceu sua mulher Flora Rosembaum, 58, e teve três filhos: Aran, 33, Michael, 30 e Rinat, 28.
Faria é casado com Deborah Brando Balazs da Costa Faria, 43, filha do primeiro casamento de Jorge, que desde quarta-feira passada acompanhava o pai, a madrasta, e a irmã Rinat em uma viagem a Israel. A família fora ao país para o casamento de Aran, que mora perto de Jerusalém há três anos, com uma israelense.
"Nos últimos tempos, Jorge só falava do casamento do filho, da felicidade que estava sentindo", disse Shirley Balazs, 30, à Folha, na casa onde Jorge morava com Flora, no Bom Retiro (região central de São Paulo). Shirley é casada com Michael, que foi para Israel anteontem para comparecer ao enterro do pai.
Até o início da noite de ontem, a família ainda não sabia se o enterro seria em Jerusalém, Tel Aviv, na cidade onde vive Aran ou na cidade da família de Flora. Segundo Shirley, a cerimônia ocorreria hoje à noite ou amanhã.
O casamento de Aran estava marcado para a próxima terça-feira, mas pode ser adiado.
"A lei judaica impõe um ano de luto para as famílias, mas o casamento já estava marcado há bastante tempo. Ainda não sabemos o que vai ocorrer", disse Shirley.
Deborah, Rinat, Flora e Jorge passavam em frente à pizzaria Sbarro, a caminho do Muro das Lamentações, em Jerusalém, quando houve a explosão. Deborah sofreu queimaduras no cabelo e nas pernas, além de ter tido dois estilhaços de vidro enterrados em uma das pernas. Flora sofreu um corte na cabeça, queimaduras e perdeu parte dos dentes. Rinat não ficou ferida.
"Falei com Deborah várias vezes por telefone, ela chorava muito, mas não me disse nada a respeito do atentado, de como as coisas aconteceram. Ela e Flora já estão melhores, mas estavam desesperadas. E, ainda por cima, sentiam muita dor por causa dos ferimentos," disse Faria.
Segundo ele, o Estado de Israel está custeando todas as despesas médicas de Flora e Deborah, que deve ter alta em dez dias, e deve pagar o tratamento das queimaduras no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
"Michael ficou muito abalado", disse Shirley. "Nos não pudemos ir para o casamento porque tínhamos obrigações de trabalho, e era preciso que alguém ficasse para tomar conta da casa, do cachorro. Michael sabia da situação em Israel, mas a gente nunca imagina que algo assim vá ocorrer com alguém da família."
Segundo Shirley, Jorge tinha três pontes de safena. "Talvez por isso não tenha resistido."
Shirley disse que planejava se reunir com amigos de Jorge para uma prece no shabat (descanso semanal judaico que vai do pôr-do-sol da sexta-feira ao pôr-do-sol do sábado) de ontem à noite. "Geralmente, são os filhos que têm de fazer a oração, mas como nenhum deles está aqui, vamos chamar os amigos", disse Shirley.
Segundo Shirley, Jorge e Flora costumavam frequentar a sinagoga Talmud Torá, no Bom Retiro.
A Federação Israelita do Estado de São Paulo divulgou uma comunicado oficial ontem a cerca de 50 sinagogas em todo o Estado pedindo para que incluíssem durante os serviços religiosos do fim de semana preces em memória às vítimas do atentado.
O rabino Henry Sobel, presidente do rabinato da Congregação Israelita Paulista, disse que, em reação ao atentado de quinta-feira, "a comunidade judaica brasileira entrou em contato com a comunidade judaica dos EUA, e estamos encorajando o governo Bush a ter um papel mais ativo no contexto do Oriente Médio. A situação é perigosa demais e não pode mais ficar apenas nas mãos de israelenses e palestinos".
Sobel esteve ontem com o presidente Fernando Henrique Cardoso. Segundo ele, "o presidente lamentou a morte de tantos civis inocentes" (leia texto abaixo).
Saul Balazs, um primo de Jorge que vive no kibutz Broch Chail, disse que falou com Deborah e Flora. "Elas passam bem, mas estão muito abaladas", disse. Ele afirmou ter convivido "muito" com Jorge na época em que ambos viviam no kibutz, mas não quis fazer comentários sobre o primo. "Queremos manter tudo isso em família, estamos passando por um momento de muita dor."
Segundo Shirley, Jorge era uma pessoa tranquila e alegre, que falava muito sobre Israel e sobre os jogos do Corinthians. "Ele era corintiano roxo", disse.
Jorge trabalhou muitos anos como chefe de cozinha de uma empresa de alimentação industrial, disse Shirley. Depois de se aposentar, ele passou a ajudar Flora a fazer doces e salgados, que costumavam vender nas festas do Teatro Taib, no Bom Retiro.
Ontem, vizinhos do casal na rua da Adoração se diziam chocados com a tragédia. Dina Tognini, 83, amiga dos Balazs, disse que chegou a perguntar a Flora se ela não tinha medo de ir para uma região com tantos conflitos. "O perigo está em qualquer lugar", respondeu Flora, segundo Dina.


Colaborou Gilberto Bergamim Jr., do "Agora São Paulo"



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