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MINHA HISTÓRIA JOEL DECKARD, 68
De legislador a fora da lei
Perguntaram se estaríamos interessados em levar pessoas para Toronto. O único problema é que seriam ilegais Meu senso moral indicava que ajudar imigrantes era mais importante que obedecer a lei
RESUMO
Em 1982, um
acidente mal explicado
três semanas antes da eleição acabou com a carreira
política de Joel Deckard,
ex-legislador do Estado
americano de Indiana.
Mais de 20 anos depois,
chefiando uma empresa
de transportes, foi abordado por um brasileiro com
uma proposta: enfrentar a
imigração na fronteira dos
EUA com o Canadá para
traficar imigrantes.
Deckard agora quer publicar o livro de memórias
"The Naked Diaries of an
Unlikely Coyote" (os diários Completos de um
coiote improvável).
ANDREA MURTA
DE WASHINGTON
Em 2006, me aposentei pelo Citibank e fundei uma pequena empresa de transporte
de pessoal em Jacksonville
(Flórida). Oferecíamos transporte local e viagens mais
longas para a costa.
Um amigo brasileiro chamado Adriano começou a
distribuir panfletos da empresa para outros brasileiros.
Em poucas semanas, recebemos a ligação de um conhecido dele em Myrtle Beach perguntando se estaríamos interessados em levar pessoas
para Toronto.
O único problema é que as
pessoas seriam ilegais.
Eu já tivera muito contato
com brasileiros ilegais, ajudando-os a preencher formulários e intermediando negociações com empregadores
abusivos. Então não precisei
pensar muito a respeito.
Aceitei na hora.
Não havia feito nada ilegal
antes, mas meu senso moral
pessoal indicava que ajudar
imigrantes sem questionar
seu status legal era mais importante que obedecer a lei.
VIAGEM IMPROVISADA
Começamos em 1º de dezembro de 2007. Nunca havia feito nada parecido, então a primeira viagem foi bastante improvisada. Levamos
duas semanas estudando
mapas da região e decidimos
partir de um ponto ao sul da
fronteira com o Canadá.
Lá, dávamos instruções
aos ilegais sobre o caminho
que teriam que fazer a pé.
Eles iam pela floresta.
Da primeira vez, foram
quatro homens jovens. Levaram quatro horas até nos
reencontrar do lado canadense. Isso em temperaturas
negativas e sob muita neve.
A partir daí, reformulamos
a rota. Para as últimas viagens, descobrimos uma trilha que passava por uma
ponte sobre um rio. Só andavam cerca de cem metros até
chegar em um local seguro
no Canadá.
TRAVESSIA GELADA
Os clientes eram na maioria homens jovens. Só na sexta viagem levei uma família,
com pai, mãe, um garoto de
11 anos e um tio. O pai, por algum motivo, se perdeu na trilha. Entrou em pânico e resolveu atravessar o rio nadando, com o garoto nos ombros, no meio do inverno.
O abrigo onde tinham de
me esperar não tinha aquecimento. Eles quase morreram
congelados.
Se eu fosse detido, seria
preciso arrumar outra pessoa
para buscar o pessoal. Mas tínhamos formas de fazer isso.
Enquanto eu viajava, Adriano ficava com um computado ligado no Google Maps e
com dois celulares. Ele ia seguindo nossas posições.
Em geral, os brasileiros
não aparentavam muito medo. Eram muito determinados, gente trabalhadora, honesta e religiosa. Todos iam
para Toronto. A economia da
cidade estava indo bem, e
eles já tinham empregos esperando. Nos EUA, a crise estava começando.
PERIGOS
Sempre soube que seria
perigoso. Nas duas últimas
viagens tive muitas complicações com o pessoal da imigração. Senti que estava muito perto de ser preso e decidi
que era hora de parar.
Algum tempo depois,
Adriano foi preso perto de
Houston e acho que acabou
deportado para o Brasil.
Não fiz muito dinheiro.
Muitos "coiotes" cobram
US$ 12 mil para cruzar a fronteira. Começamos cobrando
US$ 1.000 por pessoa, mas
isso não cobria os custos. No
fim estávamos cobrando US$
2.000. Os brasileiros ficavam
felizes de pagar tão pouco.
Minha família não sabia
que as pessoas que eu levava
ao Canadá eram ilegais. Só
descobriram depois que o
trabalho tinha acabado. Não
aprovam, mas sempre souberam da minha crença de
que é preciso ajudar estranhos com bondade.
Foi o período mais interessante da minha vida. Muita
gente discorda, mas para
mim era algo muito positivo.
Sinto saudades.
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