São Paulo, segunda-feira, 11 de setembro de 2006

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ARTIGO

Os ataques da Al Qaeda no contexto histórico

France Presse
Bin Laden no Afeganistão em 1989; colapso soviético foi crucial no processo que culmina no 11/ 9


RAMI G. KHOURI

Ouvimos nesta semana como o mundo mudou desde o 11 de Setembro: o terrorismo é pior; o combate a grupos terroristas é mais eficiente; o militarismo liderado pelos EUA gera uma contra-ofensiva antiamericana; liberdade e democracia são promovidas no exterior enquanto seus valores erodem nos EUA e no Reino Unido. Não são abordagens analíticas úteis. Os eventos desta semana deveriam nos lembrar de manter o discernimento entre o trauma profundo de um país e as tendências de real significado global e histórico a todos os países.
Ao marcarmos o 11 de Setembro, deveríamos nos ater a uma questão simples mas crucial: foi o terrorismo estilo Al Qaeda que gerou o militarismo anglo-americano ou foi o unilateralismo anglo-americano que alimentou política e psicologicamente a Al Qaeda e sua visão distorcida do mundo?
É preciso ir além do 11 de Setembro como evento bárbaro e isolado, cujos responsáveis devem ser combatidos a todo custo, e analisá-lo como parte de um processo maior num contexto histórico complexo.

Colapso soviético
Há um antigo ciclo de tensão, ataque, raiva e vingança entre terroristas estilo Al Qaeda e elementos ocidentais que remonta ao início dos anos 90.
É por isso que uma data muito mais significativa em termos de transformação da história é o colapso da União Soviética e seu império em 1989-1990.
Esse triunfo do capitalismo ocidental, da liberdade, da democracia e do militarismo contribuiu para três aspectos representativos no Oriento Médio sob os quais o 11 de Setembro é analisado de forma mais acurada: 1) a região segue fechada à mudança democrática, permitindo a regimes autocráticos se fortalecerem; 2) o fim da Guerra Fria rompeu laços ideológicos que mantinham a região congelada e permitiu a regimes e grupos não-estatais tentar novas aventuras (Iraque no Kuwait, Síria fora do Líbano, EUA e Reino Unido no Iraque); 3) a visão anglo-americana-israelense do mundo, que se apóia na força das armas, dominou a política para o Oriente Médio, chegando à era atual de mudanças induzidas de regime.
Desde os anos 90, a região está atolada num legado de extremismo local e global, terror e violência militar. Os políticos anglo-americano-israelenses enquadram de forma simplista a trajetória de violência como uma guerra justa contra o terror gerada pelo hediondo crime do 11 de Setembro. A realidade não é tão simples. Na verdade, o 11 de Setembro foi um ato particular desumano e criminoso de uma cadeia de ataques antiamericanos por um pequeno grupo de terroristas cuja paixão não ressoa profundamente na opinião pública árabe.
Para entender o 11 de Setembro, devemos começar por volta de 1990; traçar a trajetória destes pequenos e isolados grupos criminosos terroristas; entender por que eles não têm apelo ao público árabe como o Hamas, o Hizbollah e a Irmandade Muçulmana; ver a interação simbiótica entre suas ações e o militarismo anglo-americano-israelense na região; seguir a longa história dos países e sistemas políticos no Oriente Médio que continuam pressionados por causa de uma cruel combinação de seu próprio extremismo e a crônica interferência militar estrangeira.
A Al Qaeda foi difundida por esse legado e contribuiu para piorá-lo nos últimos anos, em parte por meio da dinâmica que envolve o 11 de Setembro. Hoje temos quatro marcas da doença moderna do militarismo: o 11 de Setembro, a Guerra do Iraque e as guerras israelenses em Gaza e no Líbano.
Se esses temas correlatos não são entendidos como um processo histórico único, não serão entendidos de verdade. Nesse caso, tudo que vivenciaremos nesta semana será uma overdose de entretenimento analítico e emocional -até sermos sacudidos pelo próximo ataque, a próxima guerra ou a próxima mudança de regime.


RAMI G. KHOURI é diretor do Instituto Issam Fares na Universidade Americana de Beirute e editor licenciado do jornal Daily Star, de Beirute


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