São Paulo, quinta-feira, 11 de setembro de 2008

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Atentado na Bolívia reduz gás ao Brasil

Fechamento de válvula seria causa de explosão em gasoduto; oposição, acusada, não assume ação, mas bloqueia acesso ao local

Redução, que pode chegar a 30% do fluxo diário, ainda não foi sentida, segundo governo brasileiro; La Paz denuncia ato terrorista

Antonio Pocoata/Associated Press
Manifestantes oposicionistas que tentaram invadir e parar funcionamento de mercado camponês em Tarija fogem do gás lacrimogêneo lançado pela Polícia Nacional

FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A VILLAMONTES (BOLÍVIA)
ROBERTO MACHADO
DA SUCURSAL DO RIO

Uma explosão no começo da manhã de ontem rompeu um trecho do duto que leva gás da Bolívia ao Brasil na conturbada região do Chaco, no sul boliviano, onde opositores do governo de Evo Morales organizam bloqueios rodoviários e impõem locautes há 18 dias e já haviam feito ameaças de interromper a exportação do combustível.
A empresa que administra o duto, a Transierra, que tem a participação da brasileira Petrobras, disse que ainda investiga as causas da explosão, mas o governo acusa seus oponentes pelo que chamou de "atentado terrorista" contra o gasoduto.
O problema aconteceu em uma válvula entre os municípios de Yacuíba e Villamontes, pouco depois das 5h da manhã. A estrada de 130 km que liga os dois municípios, pela qual a Folha passou ontem, tem nove pontos de bloqueios. Neles, os opositores reforçaram a ameaça de cortar o gás ao Brasil.
O rompimento pode diminuir em 30% o envio de gás ao mercado brasileiro, segundo os cálculos do engenheiro da Transierra Oscar Sánchez, que inspecionou a área. O governo boliviano mencionou redução ontem de 3 milhões de metros cúbicos de gás, ou 10% do total diário -informação confirmada por fontes da Petrobras.
Como o gasoduto está operando em carga máxima, os reflexos no Brasil só deverão ser sentidos nos próximos dias. A estatal boliviana de petróleo e gás estima o reparo em 20 dias. A Petrobras menciona uma semana de prazo.
Pela localização da explosão, o mercado brasileiro poderá deixar de receber o combustível extraído do megacampo de San Alberto, mas não do maior deles, San Antonio, ambos operados pela Petrobras no Chaco, no departamento de Tarija.
Os líderes opositores da região, por enquanto, não assumiram a responsabilidade pela explosão. "Estamos achando que foi um auto-atentado, provocado pelo governo", disse à Folha o presidente do Comitê Cívico de Tarija, Reinaldo Bayard -que, na segunda, prometera interromper o envio de gás tanto ao mercado brasileiro quanto ao argentino, os dois consumidores do gás boliviano.
Segundo a Petrobras, os manifestantes tentaram fechar a válvula -há uma a cada 30km ao longo do gasoduto. A interrupção teria causado a explosao. Uma hipótese levantada ontem era a de que manifestantes com experiência no uso do equipamento tenham participado do ataque - opositores disseram nos últimos dias terem experiência no setor.

Argentina
O incidente no duto em Tarija, que concentra 60% da produção de gás, principal fonte de renda da Bolivia, não foi o único a afetar o fornecimento ao Brasil. Depois de anunciarem o fechamento de quatro válvulas do gasoduto, anteontem, os lideres "cívicos" da região invadiram e ocuparam, na madrugada de ontem, o campo de gás Volta Grande, que envia gás ao Brasil e à Argentina.
A produção foi interrompida pelos operadores, por motivos de segurança. Com o fechamento, a principal afetada deve ser a Argentina, porque vem deste campo a maior parte do gás que vai ao país.
O local, a 40 quilômetros de Villamontes, mas já no departamento vizinho, Chuquisaca, estava sendo vigiado por cerca de 30 militares, que foram obrigados a se render, entregar as armas e deixar a estação. "Os fuzis são das Forças Armadas", diz um soldado a um manifestante. "Não são não, são do povo da Bolívia", responde ele. Depois, os opositores devolveram os armamentos.
"Dissemos que não queríamos confrontação e eles não usaram gases [lacrimogêneos] por razão de segurança", disse Bayard, que liderou a invasão.

Escalada
As ações fazem parte dos graves episódios recentes que acompanham a escalada da crise política, que ganhou novo fôlego desdedezembro passado, quando a Assembléia Constituinte de maioria governista aprovou o texto de uma nova Carta, rejeitado pela oposição de direita, incluindo quatro dos nove governadores.
Os governadores também exigem que Morales restitua às regiões parcela do IDH, imposto sobre hidrocarbonetos, que vem sendo usada por La Paz para pagar aposentadoria para maiores de 60 anos pobres.
Os protestos promovidos pelos governadores e seus aliados dos Comitês Cívicos -a elite econômica e política dos departamentos- incluem a interrupção das principais estradas do sul e do leste do país.
Ontem, em Tarija, grupos de "cívicos" atacaram o Mercado Camponês, na periferia da cidade. Os enfrentamentos causaram até o fechamento desta edição ao menos 50 feridos, segundo a rede de TV ATB.
O mercado, cujos comerciantes são de origem indígena e apóiam Morales, desafiou o toque de recolher imposto pelo Comité Cívico na segunda-feira, comprovou a Folha.
No Rio, fontes da Petrobras admitiram que há ameaça ao fornecimento de cerca de 11 milhões de metros cúbicos diários ao Brasil, caso toda a produção de San Alberto tenha que ser interrompida, se for avaliado que há riscos para a segurança de funcionários e dos equipamentos. É uma decisão que não pôde ser tomada até o fim da tarde de ontem, porque o trabalho da equipe de segurança estava prejudicado pelo fogo (as chamas atingiram a atingir seis metros de altura) no local da explosão.


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