São Paulo, quinta-feira, 11 de outubro de 2007

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Espanha terá lei que enterra franquismo

Lei da Memória Histórica, negociada pelos socialistas, será aprovada até o fim do mês, com o veto de PP e comunistas

Texto vai além da Anistia, votada há 30 anos durante a transição democrática, e indeniza familiares dos que foram condenados à morte

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Projeto que tramita desde ontem na Câmara espanhola procura enterrar de vez o legado franquista, com a declaração da "ilegitimidade" dos tribunais criados por Francisco Franco Bahamonde para o julgamento de opositores, na Guerra Civil (1938-1939) e na ditadura que ele chefiou até sua morte, em 1975.
A Lei da Memória Histórica deverá ser aprovada até o fim do mês e vai bem mais longe que a Lei da Anistia, votada há 30 anos, durante a transição democrática. Sua negociação durante 14 meses é vista como um trunfo político do primeiro-ministro socialista José Luis Rodríguez Zapatero.
A tramitação será pura formalidade. Os sete partidos que apóiam o texto têm confortável maioria na Câmara e no Senado. Ficaram de fora apenas três: a ERC (Esquerda Republicana da Catalunha) e o PCE (Partido Comunista Espanhol), em protesto pela não anulação das sentenças dos tribunais franquistas; o terceiro é o PP (Partido Popular), conservador e o maior da oposição, cujo secretário-geral, Ángeles Acebes, qualificou o texto de "prova dos nove da vontade de Zapatero de dividir os espanhóis".
A promulgação poderá coincidir com cerimônia programada pelo Vaticano para o dia 28, em que Bento 16 beatificará -na presença de esperados 74 bispos e 20 mil católicos espanhóis- 498 padres e freiras, mortos entre 1934 e 1937, período que cobre o início da Guerra Civil, quando os republicanos praticaram uma espécie de genocídio anticlerical.

PP e a igreja
O PP procurará tirar proveito dessa beatificação em massa. A hierarquia católica já tem afinidades com aquele partido, em protesto contra Zapatero, que instituiu via parlamentar o casamento entre homossexuais.
O fato, no entanto, é que a Lei da Memória Histórica comprova que o franquismo continua a ser controvertido para a sociedade espanhola. Não que a extrema direita seja numerosa e reivindique sua herança política. Os neofascistas na Espanha estão mais preocupados em combater a imigração de africanos e muçulmanos.
Os dois maiores sites franquistas na internet estão em crise e são atualizados com pouca freqüência. Há neles o mesmo anacronismo demonstrado há dias por Gervasio Puerta, 86, presidente da Associação dos Ex-Presos Políticos. Ele constatou em entrevista ao "El País" que sua geração está chegando ao fim.
Zapatero e o líder da bancada socialista na Câmara, Diego López Garrido, quiseram incomodar a direita e marcar posição. O projeto, com 22 artigos e 54 parágrafos, dá pensões mensais de R$ 534 a órfãos da repressão franquista e R$ 360 mil às famílias de condenados à morte por razões políticas nos nove anos finais da ditadura.
Também dispensa de renúncia à nacionalidade anterior os combatentes das Brigadas Internacionais que queiram se tornar espanhóis. E permite a exumação de fuzilados da Guerra Civil que estão até hoje em centenas de valas comuns. Entre eles, o poeta Federico García Lorca, morto pelos franquistas em agosto de 1936 e cujos sobrinhos resistem em dar melhor destino a seus ossos.
O projeto ainda obriga os prédios oficiais a retirar símbolos do franquismo e ameaça com o corte de subvenção os particulares que não o fizerem.

Sem corte de pensões
Há coisas, no entanto, que a futura Lei da Memória Histórica não prevê. Os veteranos falangistas e os funcionários que ao longo do regime reprimiram a oposição não terão suas pensões suspensas. Nisso, o novo texto apenas procura ir um pouco além daquilo que o "Financial Times" chamou de "pacto do silêncio" na transição da Espanha à democracia.
Há pouco mais de três décadas o Exército e a polícia não foram expurgados, e os novos dirigentes não julgaram torturadores ou oficiais responsáveis por crimes de guerra.


Com agências internacionais


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