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Jornal turco desafia tabus e enfrenta governo local
Com orçamento apertado, "Taraf" revela abusos de militares que concorrência evita
Publicação foi lançada em 2007 por um escritor; ideia era criar diário independente em meio à mídia vista como comprometida com o poder
FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A ISTAMBUL
Há pouco mais de uma semana, na região sudeste da Turquia, um artefato explosivo
atingiu em cheio o tronco de
uma menina curda de 12 anos.
Ceylan pastoreava as ovelhas
da família e morreu na hora.
Seus braços, pernas e cabeça
ficaram intactos, o que eliminou a hipótese de ela ter pisado
em uma mina terrestre. O mais
provável é que a bomba tenha
vindo do céu. Há um quartel do
Exército da Turquia a alguns
quilômetros dali.
Um único jornal turco registrou o incidente, em manchete
de primeira página. O diário
"Taraf" foi avisado diretamente
pela família de Ceylan, que já
havia tomado conhecimento de
sua fama de independente, corajoso e polêmico.
Nos dias seguintes, silêncio
em toda a mídia turca. Com exceção novamente do "Taraf",
que passou a apontar o dedo
para os militares como responsáveis pela morte.
Em um par de dias, a história
se tornou assunto nacional, e
redes de TV e outros diários sucumbiram. Atrasados, passaram a dar grande repercussão
ao caso revelado pelo "Taraf"
na semana passada.
Não foi a primeira vez que o
"Taraf", com tiragem de 55 mil
exemplares, saiu na frente e
pautou os outros cerca de 25
jornais nacionais e redes de TV
da Turquia.
Há dois meses, o jornal revelou a história de um comandante que resolveu punir um soldado que dormira fazendo sentinela obrigando-o a ficar acordado segurando na mão uma
granada ativada.
A granada acabou explodindo, matando quatro soldados. O
Exército acobertou a história,
dizendo que eles morreram em
um treinamento militar.
Relatos precisos sobre o caso
da granada acabaram chegando
à Redação do "Taraf". Os militares assumiram a verdade, e o
comandante acaba de ser indiciado por assassinato.
"Temos muitas fontes de informação espontâneas entre os
militares, no governo e no meio
empresarial. Muitas de nossas
grandes histórias chegam pelo
telefone, quando alguém nos
procura", afirma Yasemin Congar, 42, editora-chefe do "Taraf". O lema do diário: "Pensar é
tomar partido".
O "Taraf" tem 75 jornalistas e
começou a circular em 15 de
novembro de 2007 a partir de
uma Redação no último andar
de uma livraria.
A livraria é apenas uma da rede do publisher do "Taraf" e escritor, Ahmet Altan. Ele decidiu lançar o jornal em resposta
a uma mídia turca vista como
comprometida por interesses
comerciais e políticos com o
governo e os militares.
Além disso, os grandes grupos de comunicação no país
pertencem a empresários de
outras áreas, como gás, petróleo, construção civil e indústrias de bens de consumo. Os
diários acabam como alavanca
para outros interesses.
A Turquia é um país atrasado
nesse ponto. Até sites como
YouTube e MySpace foram banidos do país. O partido no poder, o AK, é considerado por
muitos como radical islamista,
que gostaria de ver o país e seu
Estado laico mais parecido com
o Irã do que com a Europa.
Contrário a tabus
Há alguns dias, o próprio
"Taraf" revelou que um grande
grupo de mídia, o Dogan Yayin,
estava em conversações secretas com os militares para escapar de uma multa bilionária do
governo que pode levá-lo à falência. O Dogan Yayin é tido como partidário da oposição.
"Encontramos um nicho, o
de quem quer a verdade e um
país moderno. Questionamos
todos os grandes tabus: a guerra suja de quase 25 anos contra
a minoria curda, a Constituição, escrita pelos militares em
1980, os grandes conglomerados", afirma Congar.
Na semana passada, enquanto o publisher Altan viajava para a Alemanha a fim de receber
um prêmio por conta do jornal,
Congar olhava para o calendário e lembrava que 7 é dia de pagar salários . "Ainda não sei se
vamos ter o suficiente para pagar tudo neste mês."
Por conta dos custos de lançamento, o "Taraf" ainda tem
dívidas elevadas, mas vem, com
alguns apertos, conseguindo
"se pagar" mês a mês.
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