São Paulo, domingo, 11 de outubro de 2009

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Jornal turco desafia tabus e enfrenta governo local

Com orçamento apertado, "Taraf" revela abusos de militares que concorrência evita

Publicação foi lançada em 2007 por um escritor; ideia era criar diário independente em meio à mídia vista como comprometida com o poder


FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A ISTAMBUL

Há pouco mais de uma semana, na região sudeste da Turquia, um artefato explosivo atingiu em cheio o tronco de uma menina curda de 12 anos. Ceylan pastoreava as ovelhas da família e morreu na hora.
Seus braços, pernas e cabeça ficaram intactos, o que eliminou a hipótese de ela ter pisado em uma mina terrestre. O mais provável é que a bomba tenha vindo do céu. Há um quartel do Exército da Turquia a alguns quilômetros dali.
Um único jornal turco registrou o incidente, em manchete de primeira página. O diário "Taraf" foi avisado diretamente pela família de Ceylan, que já havia tomado conhecimento de sua fama de independente, corajoso e polêmico.
Nos dias seguintes, silêncio em toda a mídia turca. Com exceção novamente do "Taraf", que passou a apontar o dedo para os militares como responsáveis pela morte.
Em um par de dias, a história se tornou assunto nacional, e redes de TV e outros diários sucumbiram. Atrasados, passaram a dar grande repercussão ao caso revelado pelo "Taraf" na semana passada.
Não foi a primeira vez que o "Taraf", com tiragem de 55 mil exemplares, saiu na frente e pautou os outros cerca de 25 jornais nacionais e redes de TV da Turquia.
Há dois meses, o jornal revelou a história de um comandante que resolveu punir um soldado que dormira fazendo sentinela obrigando-o a ficar acordado segurando na mão uma granada ativada.
A granada acabou explodindo, matando quatro soldados. O Exército acobertou a história, dizendo que eles morreram em um treinamento militar.
Relatos precisos sobre o caso da granada acabaram chegando à Redação do "Taraf". Os militares assumiram a verdade, e o comandante acaba de ser indiciado por assassinato.
"Temos muitas fontes de informação espontâneas entre os militares, no governo e no meio empresarial. Muitas de nossas grandes histórias chegam pelo telefone, quando alguém nos procura", afirma Yasemin Congar, 42, editora-chefe do "Taraf". O lema do diário: "Pensar é tomar partido".
O "Taraf" tem 75 jornalistas e começou a circular em 15 de novembro de 2007 a partir de uma Redação no último andar de uma livraria.
A livraria é apenas uma da rede do publisher do "Taraf" e escritor, Ahmet Altan. Ele decidiu lançar o jornal em resposta a uma mídia turca vista como comprometida por interesses comerciais e políticos com o governo e os militares.
Além disso, os grandes grupos de comunicação no país pertencem a empresários de outras áreas, como gás, petróleo, construção civil e indústrias de bens de consumo. Os diários acabam como alavanca para outros interesses.
A Turquia é um país atrasado nesse ponto. Até sites como YouTube e MySpace foram banidos do país. O partido no poder, o AK, é considerado por muitos como radical islamista, que gostaria de ver o país e seu Estado laico mais parecido com o Irã do que com a Europa.

Contrário a tabus
Há alguns dias, o próprio "Taraf" revelou que um grande grupo de mídia, o Dogan Yayin, estava em conversações secretas com os militares para escapar de uma multa bilionária do governo que pode levá-lo à falência. O Dogan Yayin é tido como partidário da oposição.
"Encontramos um nicho, o de quem quer a verdade e um país moderno. Questionamos todos os grandes tabus: a guerra suja de quase 25 anos contra a minoria curda, a Constituição, escrita pelos militares em 1980, os grandes conglomerados", afirma Congar.
Na semana passada, enquanto o publisher Altan viajava para a Alemanha a fim de receber um prêmio por conta do jornal, Congar olhava para o calendário e lembrava que 7 é dia de pagar salários . "Ainda não sei se vamos ter o suficiente para pagar tudo neste mês."
Por conta dos custos de lançamento, o "Taraf" ainda tem dívidas elevadas, mas vem, com alguns apertos, conseguindo "se pagar" mês a mês.


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