São Paulo, domingo, 11 de novembro de 2007

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Estudantes impõem desafio a Chávez

Movimento reúne de social-democratas a direitistas, afirma lutar por "direitos humanos" e ocupa nas ruas espaço dos partidos

Além de reforma da Carta, está em jogo preservação da autonomia universitária; chavistas dizem que colegas querem manter privilégios

Juan Barreto - 7.nov.07/France Presse
Estudantes formam corrente humana em ato pelo adiamento do referendo sobre reforma da Carta


FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

A cena, ocorrida no dia 22 de outubro no centro de Caracas, beira o surrealismo. Protegidos pelos escudos transparentes da tropa de choque controlada pelo chavismo, manifestantes com camisas do Che e rostos tapados lançam pedras, garrafas e impropérios contra milhares de estudantes universitários, estes sem qualquer traço de cor vermelha em roupas e cartazes.
Fazendo oposição a um governo com retórica de esquerda, o movimento estudantil venezuelano se transformou, desde maio passado, na maior surpresa política dos últimos anos e no principal desafio do presidente Hugo Chávez para vencer o referendo sobre a sua controvertida reforma constitucional, daqui a três semanas.
"Somos um movimento sem ideologia de esquerda ou direita, nos unimos pelos direitos humanos", diz à Folha Cristina Carbonelli, 26, estudante de trabalho social da Universidade Central da Venezuela (UCV) e dirigente do movimento. "Cada um tem sua ideologia. Eu me considero socialista, mas há gente de centro-esquerda, social-democrata, direita."
Praticamente inativo nos quase nove anos de governo Chávez, o movimento estudantil ressurgiu em meio aos protestos contra a não-renovação da concessão da emissora oposicionista RCTV, no chamado "maio venezuelano". Expostos à exaustão pelos meios de comunicação antigoverno, em poucos dias seus líderes se transformaram em figuras públicas, sobretudo Yon Goicoechea, 23, e Stálin González, 26.
Ambos estudam direito: o primeiro, de classe média alta, estuda na exclusiva Ucab (Universidade Católica Andrés Bello), espécie de PUC local. González, filho de militantes comunistas de classe média baixa, preside a Federação dos Centros Universitários da pública UCV, maior universidade do país, com 70 mil alunos.
Embora não tenham revertido a decisão sobre a RCTV, as marchas de meados do ano serviram para que líderes estudantis começassem a se organizar para os protestos contra o projeto de reforma constitucional, que inclui a reeleição ilimitada para presidente.
"Saímos todos às ruas e nos demos conta de que necessitávamos de uma estrutura. Criamos o Parlamento Nacional dos Estudantes, onde há representantes de todas as universidades", explica Carbonelli.

Mãos brancas
Ao longo desse período, os estudantes foram desqualificados por Chávez, com rótulos como "lacaios do império", "filhinhos de papai" e "fascistas". A sua frase mais célebre contra eles é: "Foguinho que se acende, foguinho que se apaga".
Também sobram episódios violentos. O mais grave ocorreu na última quarta-feira, quando nove estudantes oposicionistas ficaram feridos -pelo menos três a bala- no campus da UCV, um orgulho nacional tombado pela Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade. Uma das pessoas armadas foi identificada como o deputado estadual chavista José Félix Valera. Ele não foi preso.
Goicoechea, 23, que se diz ameaçado de morte, foi agredido duas vezes diante das câmeras por militantes chavistas -sofreu uma fratura no nariz.
A persistência dos estudantes e a superexposição nos meios de comunicação opositores parecem ter aumentado o apoio a eles. O símbolo do movimento, duas mãos abertas pintadas de branco, se multiplica em pichações e em camisetas vendidas por camelôs. Nas últimas marchas, estudantes recebem o apoio de simpatizantes desiludidos com os partidos tradicionais da oposição, tidos como ineptos e cansados.
Nos populares fóruns de discussão oposicionistas na internet, como o noticierodigital.com, muitos debatem se os universitários serão capazes de impedir a reforma constitucional ou até mesmo forçar Chávez a deixar o poder.
"Não sobrecarreguem os estudantes", tem advertido Fernando Mires, um sociólogo chileno especializado em Venezuela. "É um erro pedir a um movimento recém-nascido que os libere daquilo que os partidos políticos não puderam fazer. Tampouco me parece justo imaginar que os estudantes são a força antipartido da sociedade. Hoje, vivem seu momento feliz. Mas uma democracia sem partidos políticos é uma impossibilidade."
Além do fim da RCTV e da proposta de reforma constitucional, lançada por Chávez logo depois de sua reeleição com 62% dos votos, em dezembro passado, os estudantes oposicionistas da UCV têm outra bandeira: a manutenção da autonomia universitária, que assegura liberdade para administrar o orçamento e desenhar o currículo dos cursos e tem favorecido a escolha de reitores anti-Chávez, mesmo sendo uma instituição do governo.

Processo de seleção
"A divisão de classe perdura. Apenas um grupo da alta burguesia da sociedade controla a reitoria, escondido na autonomia universitária", diz o estudante chavista Jesus Mujica, 20, diante do prédio da Escola de Trabalho Social da UCV, maior reduto "bolivariano" da instituição e palco do confronto ocorrido na quarta-feira.
Negro, Mujica diz que a faculdade de medicina "parece a Alemanha" e que tem medo de andar pelo campus: "Não podemos andar nos corredores com a camisa do Che e procuramos sempre andar em grupos", relata. "Somos diferentes tanto na composição de classe como na maneira de pensar."
Os chavistas defendem a alteração do processo de seleção para o ingresso na universidade -a maior parte entra por meio de provas, e um programa menor recruta os melhores estudantes de escolas públicas.
Reitor interino da UCV, Eleazar Narváez discorda que haja um problema na seleção. "Entre os estudantes ucevistas, há menos de 1% de estrato superior. A grande maioria dos nossos estudantes é da classe média ou classe média baixa. É certo que há uma pequena porcentagem do estrato socioeconômico baixo, mas a universidade é a responsável pela exclusão?", pergunta, em entrevista em seu imponente escritório, mobiliado com móveis antigos.
Mas o momento não é de debate. Por causa da polarização política, o campus, uma enorme área verde perto do centro de Caracas, vive sob tensão. Professores e funcionários carregam vinagre na bolsa -molhado em pano, ajuda a aliviar os efeitos do gás lacrimogêneo. Na madrugada de ontem, o centro acadêmico da Faculdade de Direito, controlado pelos chavistas, foi incendiado.


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