São Paulo, domingo, 11 de dezembro de 2005

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IRAQUE SOB TUTELA

Candidatos ligados aos EUA, a clérigos xiitas e a militares disputam voto de iraquianos

Saddam e EUA polarizam campanha

ESPECIAL PARA A FOLHA, DE BAGDÁ

"Eu disse em outubro e repito agora: não vou votar sob ocupação. Este é um plano dos americanos que beneficia os xiitas, e o governo é cúmplice", afirma o sunita Ahmed, de 23 anos, reiterando sua decisão com veemência e dedo em riste. "Se eu pudesse, mataria Ibrahim al Jafaari com minhas próprias mãos. Ele é um colaboracionista."
Atual premiê do Iraque, o xiita Al Jafaari é candidato nas eleições com a chapa 555, de seu partido Al Dawa, que faz parte da Aliança Unificada Iraquiana.
O Al Dawa goza de certo prestígio em função da resistência que fez a Saddam Hussein [1979-2003]. Seus partidários afirmam que, de 1982 a 1984, 77 mil membros do partido foram assassinados pelo regime do ex-ditador.
O aprofundamento do sectarismo entre a minoria suinta e a maioria xiita e seus aliados curdos, os atentados em grande escala, assassinatos e seqüestros de candidatos, além da intervenção externa, são algumas das características que marcam o terceiro encontro em 11 meses que os iraquianos terão com as urnas, desta vez para escolher uma Assembléia Nacional que legislará por quatro anos. Ao todo, 231 partidos disputam os 275 assentos.
Mas a reaparição de Saddam Hussein no primeiro julgamento ao qual é submetido -adiado até 21 de dezembro depois que o ex-presidente mandou os membros do Tribunal Especial "ao inferno"- é outra das causas da polarização da sociedade iraquiana, que afeta diretamente o clima pré-eleitoral, marcado pelo aumento da violência.
As fórmulas das eleições de janeiro, para uma assembléia provisória, e do referendo de outubro, que aprovou a nova Constituição do país, se repetem. O Conselho dos Ulemás, organização político-religiosa que representa os árabes sunitas, anunciou que vai boicotar as eleições parlamentares, embora tenha assegurado que não obrigará nenhum iraquiano a apoiar sua decisão.

Mortes e seqüestros
A eleição começa amanhã, com o voto dos militares, doentes hospitalizados e presos. Na terça e quarta-feira vão votar os iraquianos registrados no exterior, e, na quinta-feira, a votação se estende para todo o território nacional.
Diferentemente da primeira eleição, porém, neste terceiro momento do processo democrático imposto pela agenda dos EUA os candidatos estão se dando a conhecer publicamente. Isso tem um preço: pelo menos sete candidatos foram assassinados nos últimos dias, outros foram seqüestrados e ainda outros retiraram suas candidaturas.
Mas homens como o xiita Ahmed Chalabi -uma das fontes da CIA sobre a suposta existência de armas de destruição em massa no Iraque, usadas como justificativa pelos EUA para invadir o país mas nunca encontradas - prometem "um Iraque unido", com a chapa 569.
"Chalabi é um sem-vergonha. É graças a ele que estamos sob ocupação, sem trabalho, sem segurança, sem água e sem luz", diz Sahar, iraquiana de 43 anos que vive no bairro Al Baya, no oeste da capital, enquanto faz compras no mercado popular. Ela revela que vai votar na coalizão sunita encabeçada por Saleeh al Matlek.
O xiita Iyad Allawi, o ex-premiê interino nomeado pelo administrador norte-americano Paul Bremer durante a ocupação oficial do país, encerrada em junho de 2004, garante ser "um homem para este tempo e um homem para o futuro". Ele lidera a chapa 731 e aparece sorridente na foto de campanha, convidando os iraquianos a votarem nele.
Allawi seria o grande favorito do presidente dos EUA, George W. Bush. Isso porque, supõe, ele seria muito mais cooperativo com o governo norte-americano e com o uso do "poder aéreo", o próximo passo da Estratégia para a Vitória no Iraque anunciada por Bush na semana passada.
Se os resultados da eleição não lhe forem favoráveis, existe a possibilidade de uma grande fraude contra os aliados xiitas. "Voto em Allawi porque prefiro um governo laico e porque ele lutou contra Saddam", observa Adnin, 20 anos, estudante de línguas na Universidade de Bagdá.
Os Soldados do Partido Islâmico, com suas vestimentas que os identificam como integrantes da hierarquia eclesiástica xiita, também integram a chapa 555.
Depois de três meses de silêncio, o grão-aiatolá Ali al Sistani reapareceu publicamente para pedir a seus seguidores que participem das eleições e que votem na coalizão xiita, para "preservar o Iraque" e "proteger os iraquianos".
"Vamos votar em quem Sistani manda. Ele é um homem sábio e respeitado. Confiamos nele", diz Haquim.
Outros, no entanto, declaram que a única pessoa em quem votariam não é candidato: Saddam Hussein. (KAREN MARÓN)


Tradução de Clara Allain

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