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ANÁLISE
Falou o comandante em chefe
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Foi acima de tudo um discurso do "comandante em chefe de
uma nação no meio de duas
guerras", como o próprio Barack Obama fez questão de
lembrar, logo no início do seu
discurso.
Talvez tivesse que ser assim
mesmo. É um fato da vida, que
se sobrepõe à homenagem
prestada ao pacifismo de Martin Luther King, de quem Obama se diz sempre -e se disse
novamente ontem- "um produto direto".
O senso de realismo talvez
dispensasse uma homenagem
também a George Walker
Bush, ainda que não o tenha citado nominalmente. Bastou dizer, no entanto, que "o mal
("evil') de fato existe no mundo", para soar como seu antecessor e seu "eixo do mal" e,
pior ainda, ao direito que os Estados Unidos assumiram de definir o que ou quem é "o mal".
O comandante em chefe não
poderia deixar de comparar o
seu papel com o de Martin Luther King: "Um movimento
não violento não poderia ter
brecado os Exércitos de Hitler.
Negociações não podem convencer os líderes da Al Qaeda a
depor suas armas. Dizer que a
força é às vezes necessária não
é um apelo ao cinismo -é um
reconhecimento da história,
das imperfeições do homem e
dos limites da razão".
É a mais pura verdade, mas
não é exatamente o tipo de filosofia que se espera de um Nobel
da Paz.
É igualmente compreensível
que o comandante em chefe faça o elogio do papel que os Estados Unidos desempenharam
no mundo desde que se tornaram uma grande potência. Mas
não é aceitável que um Nobel
da Paz cometa omissões graves
no balanço histórico.
Obama disse que "os Estados
Unidos ajudaram a preservar a
segurança global por mais de
seis décadas, com o sangue de
nossos cidadãos e a força de
nossas armas e (...) permitiram
que a democracia se firmasse
em lugares como os Bálcãs".
Faltou dizer que os EUA, particularmente na América Latina, impediram que a democracia se firmasse, patrocinando
incontáveis golpes de Estado
que custaram o sangue de cidadãos de outros países.
"Carrots and sticks"
História à parte, o discurso
olhou também para o futuro, aí
sim mais como um candidato a
estadista que, de repente, merecerá o Nobel em alguns anos.
Mesmo assim, seu discurso
foi uma combinação bem americana de "carrots and sticks"
(cenouras e porretes).
Sanções, sim, para quem desafiar determinações da comunidade internacional (e o Irã foi
especificamente citado, como
era natural e previsível). Sanções também para comportamentos aberrantes, como "o
genocídio em Darfur, as violações sistemáticas no Congo ou
a repressão em Mianmar".
Só no final do discurso, o comandante em chefe deu lugar
ao "yes, we can" da campanha,
ao defender que "só uma paz
justa baseada nos direitos e dignidade inerentes a cada indivíduo pode de fato durar" e ao dizer que "a segurança não existe
onde seres humanos não têm
acesso a comida suficiente, ou
água limpa, ou ao remédio que
necessitam para sobreviver.
Não existe onde crianças não
podem aspirar a uma educação
decente ou a um emprego que
sustente a família".
Pena que tão generosos conceitos sejam, na essência, a base
da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, velha de 60
anos, mas que nenhum comandante em chefe ou prêmio Nobel conseguiu tornar de fato
universal.
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