São Paulo, terça-feira, 12 de janeiro de 2010

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Juíza prolonga crise institucional argentina

María José Sarmiento adia decisão sobre recurso de governo contra sentença que invalidou demissão de presidente do Banco Central

Cristina Kirchner acusa juíza de tomar decisões com base em critérios políticos e denuncia uma "formidável manobra" contra o governo

Juan Mabromata/France Presse
O presidente do Banco Central, Martín Redrado, pivô da crise entre governo Cristina Kirchner, Congresso e Justiça na Argentina

SILVANA ARANTES
DE BUENOS AIRES

A juíza María José Sarmiento tomou ontem nova decisão desfavorável ao governo argentino e tornou mais difícil para a presidente Cristina Kirchner sair da crise que desencadeou ao ordenar a demissão do presidente do Banco Central do país, Martín Redrado.
Sarmiento deferiu pedido de partidos de oposição para dar caráter de "ordinárias" às medidas cautelares que ela concedeu na última sexta, anulando dois decretos de Cristina -o que cria fundo de US$ 6,5 bilhões com reservas do BC para pagar a dívida externa em 2010 e o que exonera Redrado por não cumprir a ordem. A juíza concordou com o argumento de que, conforme a legislação argentina, as decisões de Cristina precisariam ser referendadas pelo Congresso.
Com a decisão de ontem, Sarmiento dilata os prazos para a avaliação dos recursos com que o governo tenta restabelecer a validade dos decretos -fica para a semana que vem o julgamento das apelações apresentadas pela Casa Rosada. O governo recorreu ontem mesmo e tentará acelerar os prazos.
A oposição buscou o adiamento por estimar que, nesta semana, a câmara que avaliará os recursos daria vantagem ao governo, com juízes alinhados ao kirchnerismo. Com a rotação prevista para ocorrer na semana que vem, assumem juízes que seriam menos afeitos aos interesses da Casa Rosada.
Cristina acusou Sarmiento de tomar decisões guiadas por critérios políticos, e não judiciais. O atrito entre a juíza e a Casa Rosada se acentuou desde o fim de semana. Depois de tentar, em vão, submeter as apelações a Sarmiento fora do horário de expediente judiciário, o governo acionou a Polícia Federal para localizar a juíza.
Sarmiento denunciou o uso do aparato policial como uma forma de pressão do governo.
Mantido no cargo por ora, Redrado disse que iria "trabalhar em defesa das reservas". O vice-presidente Julio Cobos, que preside o Senado, tentou articular sessão extraordinária para avaliar os decretos.
Sem a adesão da bancada governista, a tentativa fracassou. A decisão foi tentar "estabelecer o diálogo e a busca de consenso" com os governistas.

"Manobra"
Ontem, Cristina defendeu a criação do fundo para pagar a dívida externa com reservas do BC como crucial para a volta da Argentina aos mercados internacionais de crédito, que classificou de "imperiosa".
A presidente disse que os argumentos da oposição são "pouco críveis" e que está em curso "uma formidável manobra política e midiática" de boicote ao governo. Ela citou as sentenças de Sarmiento como exemplo da adesão de parte do Judiciário a essa "manobra".
Cristina refuta os argumentos da oposição porque "uns dizem que não se deve pagar a dívida; outros não querem pôr em risco as reservas para pagar a dívida que eles geraram".
O recado se endereça, em primeiro lugar, ao deputado Fernando Solanas (Projeto Sul), que apresentou uma denúncia penal contra Cristina, por tentar usar as reservas para pagar "uma dívida ilegítima".
O outro destinatário é o partido opositor UCR (União Cívica Radical), que estava no poder em 2001, quando a Argentina decretou moratória.
Embora tenha rechaçado as críticas da oposição, Cristina admitiu veladamente o risco de embargo do fundo por credores internacionais da dívida argentina. Essa foi a razão citada por Redrado para sua recusa em transferir as reservas.
"Sabemos que os "fundos-abutre" estão aí, latentes, à espreita para dar seu bote na Argentina", disse Cristina.
A Casa Rosada tacha de "fundos-abutre" os credores que recusaram sua oferta de troca da dívida em default em 2005. São os "holdouts", que tentam reaver investimentos na Justiça e poderiam embargar o fundo.


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