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AMÉRICAS
Para Julia Sweig, Washington está "ocupado demais" com o Iraque
EUA têm relação "míope" com América Latina, diz analista
LEANDRO BEGUOCI
DA REDAÇÃO
A relação dos EUA com a América Latina é "míope", na avaliação da americana Julia Sweig, diretora de estudos sobre a América
Latina do Council on Foreign Relations, um dos mais importantes
centros de estudos sobre política
internacional dos EUA.
Em entrevista à Folha, ela disse
que os analistas mais graduados
do governo Bush ainda estão ocupados demais com o Iraque, razão
pela qual o debate ideológico sobre a América Latina no país
"continuará beirando a histeria".
Em março, Sweig vai lançar o livro "Friendly Fire: Misadventures
Abroad and the Making of Anti-America" (fogo amigo: desventuras no exterior e a criação da anti-América), sobre o crescimento do
antiamericanismo no mundo.
Abaixo, estão os principais trechos da entrevista que Sweig concedeu por e-mail à Folha.
Folha - Qual a sua avaliação da
política externa do governo Bush
para a América Latina?
Julia Sweig - Amplamente negativa. Comércio, terror e drogas
constituem uma agenda estreita e
míope para a região.
Folha - Em 2006 seguirá assim?
Sweig - Eleições democráticas
de novos líderes de esquerda podem obrigar a nova equipe de
América Latina de Bush a lutar
por políticas que respondam melhor às mudanças. Mas os analistas mais graduados do governo,
cujo pragmatismo é necessário e
que são os únicos a entenderem a
importância de ter compromissos
com esses novos atores na região,
seguirão totalmente preocupados
com o Iraque. Assim, a posição
ideológica, seja na Casa Branca ou
no Pentágono ou no Congresso
continuará beirando a histeria.
Folha - O Brasil está entre os países próximos aos EUA na região?
Sweig - Não. Os países mais ligados aos EUA são, pela ordem, Colômbia, El Salvador, República
Dominicana e Panamá. O presidente [Álvaro] Uribe, da Colômbia, fez uma grande aposta: ele
quer ficar o mais perto possível do
governo dos EUA, pois a sobrevivência da Colômbia depende de
sua assistência militar, apoio financeiro e cortesias diplomáticas.
Folha - O populismo é uma manifestação do antiamericanismo?
Sweig - O novo momento populista na América Latina representa a rejeição das receitas econômicas que Washington tem promovido desde o fim da Guerra Fria.
Paradoxalmente, mais espaço político e mais democracia na América Latina aumentaram o poder
das várias vozes e grupos que não
se beneficiaram da globalização
econômica. Com a globalização
cada vez mais virando sinônimo
de americanização, os EUA se tornaram um alvo dos novos líderes.
O antiamericanismo se tornou
um sinônimo para a frustração
com a pobreza crônica, a iniqüidade e a exclusão social. Mas as
elites latino-americanas também
são responsáveis pelos problemas
internos da região, embora tenham, convenientemente, passado a culpa para o EUA.
Folha - Nesse cenário de inclinação para a esquerda, há espaço para uma intervenção dos EUA?
Sweig - Não do jeito do tradicional, por meio do "big stick" [grande porrete], que marcou a diplomacia no século 20. As forças
americanas estão muito ocupadas
em outros lugares. O país não
acha que a América Latina mereça um compromisso político
aberto ou o envio de tropas que
uma intervenção militar necessita. Mas imagino um cenário no
qual os EUA seriam levados a um
conflito militar pelos exilados cubanos extremistas. Esses exilados
gostariam de ter vantagem na sucessão em Cuba desestabilizando
o país e evitando que partidários
de Fidel Castro participem do governo em um cenário pós-Fidel.
Folha - A Casa Branca diz que pretende espalhar a democracia. A sra.
acha essa a política mais apropriada, ao menos na América Latina?
Sweig - Acho a política dos EUA
para a América Latina mais contra-revolucionária do que revolucionária, mas não intencionalmente. O idealismo americano, a
noção de que os EUA podem reproduzir seu modelo em todo o
mundo, tem causado problemas.
Hoje, na América Latina, onde a
ambigüidade em relação ao poder
americano é profunda, é difícil
imaginar qualquer outra medida
que não um conjunto de políticas
pragmáticas que seriam bem-vindas na vala de polarização que se
deu nos últimos anos. O Brasil é
um dos poucos países que fogem
à regra. O governo tem conseguido administrar uma agenda bilateral que reconhece diferenças
sem acabar com o diálogo. E isso
não é somente por causa das habilidades políticas do presidente
Lula. Os EUA decidiram ter uma
relação pragmática com o Brasil,
porque o Brasil é um grande país,
com uma grande economia.
Folha - Mas por que não expandir
essa relação para outros países?
Sweig - Porque os formuladores
da política externa americana
realmente acreditam ser possível
reproduzir, em qualquer lugar do
mundo, o ideal platônico de uma
feliz e multipartidária democracia. [Hugo] Chávez e [Evo] Morales são produtos da história venezuelana e boliviana tanto quanto
Lula é da história brasileira. Nenhum surgiu do nada. Mas os
EUA têm pouco senso de história.
Orientados para o futuro, acreditam ser possível apagar a história
de um país a cada nova eleição.
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