São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 2006

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AMÉRICAS

Para Julia Sweig, Washington está "ocupado demais" com o Iraque

EUA têm relação "míope" com América Latina, diz analista

LEANDRO BEGUOCI
DA REDAÇÃO

A relação dos EUA com a América Latina é "míope", na avaliação da americana Julia Sweig, diretora de estudos sobre a América Latina do Council on Foreign Relations, um dos mais importantes centros de estudos sobre política internacional dos EUA.
Em entrevista à Folha, ela disse que os analistas mais graduados do governo Bush ainda estão ocupados demais com o Iraque, razão pela qual o debate ideológico sobre a América Latina no país "continuará beirando a histeria".
Em março, Sweig vai lançar o livro "Friendly Fire: Misadventures Abroad and the Making of Anti-America" (fogo amigo: desventuras no exterior e a criação da anti-América), sobre o crescimento do antiamericanismo no mundo. Abaixo, estão os principais trechos da entrevista que Sweig concedeu por e-mail à Folha.

Folha - Qual a sua avaliação da política externa do governo Bush para a América Latina?
Julia Sweig -
Amplamente negativa. Comércio, terror e drogas constituem uma agenda estreita e míope para a região.

Folha - Em 2006 seguirá assim?
Sweig -
Eleições democráticas de novos líderes de esquerda podem obrigar a nova equipe de América Latina de Bush a lutar por políticas que respondam melhor às mudanças. Mas os analistas mais graduados do governo, cujo pragmatismo é necessário e que são os únicos a entenderem a importância de ter compromissos com esses novos atores na região, seguirão totalmente preocupados com o Iraque. Assim, a posição ideológica, seja na Casa Branca ou no Pentágono ou no Congresso continuará beirando a histeria.

Folha - O Brasil está entre os países próximos aos EUA na região?
Sweig -
Não. Os países mais ligados aos EUA são, pela ordem, Colômbia, El Salvador, República Dominicana e Panamá. O presidente [Álvaro] Uribe, da Colômbia, fez uma grande aposta: ele quer ficar o mais perto possível do governo dos EUA, pois a sobrevivência da Colômbia depende de sua assistência militar, apoio financeiro e cortesias diplomáticas.

Folha - O populismo é uma manifestação do antiamericanismo?
Sweig -
O novo momento populista na América Latina representa a rejeição das receitas econômicas que Washington tem promovido desde o fim da Guerra Fria. Paradoxalmente, mais espaço político e mais democracia na América Latina aumentaram o poder das várias vozes e grupos que não se beneficiaram da globalização econômica. Com a globalização cada vez mais virando sinônimo de americanização, os EUA se tornaram um alvo dos novos líderes.
O antiamericanismo se tornou um sinônimo para a frustração com a pobreza crônica, a iniqüidade e a exclusão social. Mas as elites latino-americanas também são responsáveis pelos problemas internos da região, embora tenham, convenientemente, passado a culpa para o EUA.

Folha - Nesse cenário de inclinação para a esquerda, há espaço para uma intervenção dos EUA?
Sweig -
Não do jeito do tradicional, por meio do "big stick" [grande porrete], que marcou a diplomacia no século 20. As forças americanas estão muito ocupadas em outros lugares. O país não acha que a América Latina mereça um compromisso político aberto ou o envio de tropas que uma intervenção militar necessita. Mas imagino um cenário no qual os EUA seriam levados a um conflito militar pelos exilados cubanos extremistas. Esses exilados gostariam de ter vantagem na sucessão em Cuba desestabilizando o país e evitando que partidários de Fidel Castro participem do governo em um cenário pós-Fidel.

Folha - A Casa Branca diz que pretende espalhar a democracia. A sra. acha essa a política mais apropriada, ao menos na América Latina?
Sweig -
Acho a política dos EUA para a América Latina mais contra-revolucionária do que revolucionária, mas não intencionalmente. O idealismo americano, a noção de que os EUA podem reproduzir seu modelo em todo o mundo, tem causado problemas.
Hoje, na América Latina, onde a ambigüidade em relação ao poder americano é profunda, é difícil imaginar qualquer outra medida que não um conjunto de políticas pragmáticas que seriam bem-vindas na vala de polarização que se deu nos últimos anos. O Brasil é um dos poucos países que fogem à regra. O governo tem conseguido administrar uma agenda bilateral que reconhece diferenças sem acabar com o diálogo. E isso não é somente por causa das habilidades políticas do presidente Lula. Os EUA decidiram ter uma relação pragmática com o Brasil, porque o Brasil é um grande país, com uma grande economia.

Folha - Mas por que não expandir essa relação para outros países?
Sweig -
Porque os formuladores da política externa americana realmente acreditam ser possível reproduzir, em qualquer lugar do mundo, o ideal platônico de uma feliz e multipartidária democracia. [Hugo] Chávez e [Evo] Morales são produtos da história venezuelana e boliviana tanto quanto Lula é da história brasileira. Nenhum surgiu do nada. Mas os EUA têm pouco senso de história. Orientados para o futuro, acreditam ser possível apagar a história de um país a cada nova eleição.


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