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"Irã tem problemas maiores que plano nuclear", diz Ebadi
Advogada que ganhou o Nobel da Paz cita maior repressão e alta da inflação; para ela, é cedo para avaliar se relação com EUA mudará
RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A TEERÃ
"Morte a Ebadi" e "Ebadi =
EUA" estão pichados na entrada do prédio onde trabalha a
advogada Shirin Ebadi, 61. O
subsolo abriga o escritório da
Prêmio Nobel da Paz em 2003,
talvez a maior opositora do regime que ainda mora no Irã e
que não está atrás das grades.
Ebadi foi a primeira mulher a
se tornar juíza no país, em 1969,
mas perdeu o cargo em 1979,
quando a nascente República
Islâmica proibiu mulheres de
exercer a magistratura. Só em
1992 ela conseguiu licença para
advogar e começou a defender
vítimas do regime.
A ativista diz que há uma onda repressiva, da qual são alvo
pessoas como ela e que a internet entrou na linha de fogo da
censura "porque os jovens ainda resistem". Não é muito otimista com o novo tom conciliador do presidente Mahmoud
Ahmadinejad e acha que é cedo
para julgar se Barack Obama
conseguirá restabelecer as relações entre os EUA e o Irã.
Com pão doce que ela mesmo
faz, Ebadi recebeu a Folha em
seu escritório em Teerã. Leia
trechos da entrevista abaixo.
Armas e economia
"Ahmadinejad disse que não
vai parar o programa nuclear,
então será preciso mais do que
palavras para demonstrar que
algo vai mudar na relação com
os EUA. Temos problemas bem
maiores e mais urgentes do que
o programa nuclear."
"Há uma inflação incontrolável, preços de produtos básicos
sobem todo dia, triplicaram em
menos de um ano. O desemprego é alto. Até os que têm sorte
de terminar uma universidade
e achar emprego têm salários
que dão pena. O preço do petróleo caiu muito, sabemos que a
economia vai piorar. Para os
iranianos, arrumar a economia
é muito mais prioritário que ter
armas nucleares, muito caras."
Jovens driblam censura
"Vivemos uma onda redobrada de repressão à liberdade
de expressão. A internet é bloqueada, blogueiros são presos e
páginas que defendem mais direitos para as mulheres são bloqueadas. O que chama a atenção é o talento dos jovens para
driblar a censura. Os jovens são
os que mais resistem, sobretudo as mulheres. Elas estudam
mais, são mais combativas. O
feminismo é talvez o movimento mais forte hoje."
Relação com EUA
"É cedo para julgar Obama,
cedo para ver como ele vai reconstruir a relação com o Irã.
Só posso afirmar que sou contra a guerra, a favor da diplomacia e do diálogo, que precisa ser
em três níveis: entre os presidentes, os Parlamentos e as respectivas sociedades civis."
"Há dois milhões de iranianos nos EUA, com parentes no
Irã. É um número incrível de
pessoas que apoiam mais diálogo e têm interesse na normalização das relações."
Eleição limitada
"Quem quer que seja o novo
presidente do Irã, eleito em junho, terá uma autoridade limitada. Pela Constituição, o líder
supremo [aiatolá Ali Khamenei] está acima dos três Poderes. Acredito firmemente no
secularismo, a religião deveria
ser claramente separada da política e do Estado. Políticos não
podem ter o direito de se aproveitar da emoção e dos sentimentos despertados pela fé."
Vítima de vandalismo
"Meu escritório foi fechado
em dezembro, mas não vou parar nossas atividades. Transfiro
para outro lugar e continuo
meu trabalho. Sei que minha
atitude irrita muito o governo,
mas o que posso fazer?"
"No mês passado, meu escritório foi invadido por vândalos.
Rasgaram fotos, cartazes, picharam paredes. Chamei a polícia, eles vieram, mas não fizeram nada. Acho que ficaram satisfeitos com o serviço feito."
Sem respeito
"Antes do Nobel, não era fácil
trabalhar. Fui presa várias vezes. Sempre defendi vítimas do
governo, gente assassinada. O
Nobel fez que minha voz fosse
mais ouvida lá fora, mas isso
não se transformou em mais
respeito do governo iraniano.
Quando meu escritório é vandalizado e ninguém faz nada,
que respeito é esse?"
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