São Paulo, quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

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"Irã tem problemas maiores que plano nuclear", diz Ebadi

Advogada que ganhou o Nobel da Paz cita maior repressão e alta da inflação; para ela, é cedo para avaliar se relação com EUA mudará

RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A TEERÃ

"Morte a Ebadi" e "Ebadi = EUA" estão pichados na entrada do prédio onde trabalha a advogada Shirin Ebadi, 61. O subsolo abriga o escritório da Prêmio Nobel da Paz em 2003, talvez a maior opositora do regime que ainda mora no Irã e que não está atrás das grades.
Ebadi foi a primeira mulher a se tornar juíza no país, em 1969, mas perdeu o cargo em 1979, quando a nascente República Islâmica proibiu mulheres de exercer a magistratura. Só em 1992 ela conseguiu licença para advogar e começou a defender vítimas do regime.
A ativista diz que há uma onda repressiva, da qual são alvo pessoas como ela e que a internet entrou na linha de fogo da censura "porque os jovens ainda resistem". Não é muito otimista com o novo tom conciliador do presidente Mahmoud Ahmadinejad e acha que é cedo para julgar se Barack Obama conseguirá restabelecer as relações entre os EUA e o Irã.
Com pão doce que ela mesmo faz, Ebadi recebeu a Folha em seu escritório em Teerã. Leia trechos da entrevista abaixo.

Armas e economia
"Ahmadinejad disse que não vai parar o programa nuclear, então será preciso mais do que palavras para demonstrar que algo vai mudar na relação com os EUA. Temos problemas bem maiores e mais urgentes do que o programa nuclear."
"Há uma inflação incontrolável, preços de produtos básicos sobem todo dia, triplicaram em menos de um ano. O desemprego é alto. Até os que têm sorte de terminar uma universidade e achar emprego têm salários que dão pena. O preço do petróleo caiu muito, sabemos que a economia vai piorar. Para os iranianos, arrumar a economia é muito mais prioritário que ter armas nucleares, muito caras."

Jovens driblam censura
"Vivemos uma onda redobrada de repressão à liberdade de expressão. A internet é bloqueada, blogueiros são presos e páginas que defendem mais direitos para as mulheres são bloqueadas. O que chama a atenção é o talento dos jovens para driblar a censura. Os jovens são os que mais resistem, sobretudo as mulheres. Elas estudam mais, são mais combativas. O feminismo é talvez o movimento mais forte hoje."

Relação com EUA
"É cedo para julgar Obama, cedo para ver como ele vai reconstruir a relação com o Irã. Só posso afirmar que sou contra a guerra, a favor da diplomacia e do diálogo, que precisa ser em três níveis: entre os presidentes, os Parlamentos e as respectivas sociedades civis."
"Há dois milhões de iranianos nos EUA, com parentes no Irã. É um número incrível de pessoas que apoiam mais diálogo e têm interesse na normalização das relações."

Eleição limitada
"Quem quer que seja o novo presidente do Irã, eleito em junho, terá uma autoridade limitada. Pela Constituição, o líder supremo [aiatolá Ali Khamenei] está acima dos três Poderes. Acredito firmemente no secularismo, a religião deveria ser claramente separada da política e do Estado. Políticos não podem ter o direito de se aproveitar da emoção e dos sentimentos despertados pela fé."

Vítima de vandalismo
"Meu escritório foi fechado em dezembro, mas não vou parar nossas atividades. Transfiro para outro lugar e continuo meu trabalho. Sei que minha atitude irrita muito o governo, mas o que posso fazer?"
"No mês passado, meu escritório foi invadido por vândalos. Rasgaram fotos, cartazes, picharam paredes. Chamei a polícia, eles vieram, mas não fizeram nada. Acho que ficaram satisfeitos com o serviço feito."

Sem respeito
"Antes do Nobel, não era fácil trabalhar. Fui presa várias vezes. Sempre defendi vítimas do governo, gente assassinada. O Nobel fez que minha voz fosse mais ouvida lá fora, mas isso não se transformou em mais respeito do governo iraniano. Quando meu escritório é vandalizado e ninguém faz nada, que respeito é esse?"


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