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COMENTÁRIO
Choque França-EUA é antigo
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Velhos fantasmas saíram dos
armários com a determinação da
França de vetar, no Conselho de
Segurança das Nações Unidas, o
projeto de resolução que daria legitimidade jurídica à intervenção
militar dos Estados Unidos no
Iraque.
A França exportou cerca de US$
28 bilhões no ano passado para o
mercado norte-americano. Qualquer boicote abalaria essa fortuna.
A posição francesa tem raízes
no contorno assumido pelas relações internacionais após 1989.
Inexiste, depois do colapso do comunismo, uma potência militar
capaz de dissuadir os norte-americanos. A dissuasão mútua havia
permitido o equilíbrio da Guerra
Fria.
É verdade que há algo chamado
União Européia. Mas ela é cega à
geopolítica, tanto quanto é eficiente nos mecanismos de integração comercial, fiscal e monetária. Está hoje dividida, com Reino
Unido, Itália e Espanha alinhados
aos norte-americanos.
A França procurou, nos anos 90,
impedir que, nos planos diplomático, econômico e cultural, os
EUA representassem um único
polo de hegemonia.
Investiu na comunidade francófona e raciocinou como se estivesse emergindo um mundo multipolarizado, baseado na diversidade de valores e de padrões de consumo, sem a ditadura comercial
exercida por uma única indústria
cultural.
Pouco importa, no caso, que o
presidente francês fosse o socialista François Mitterrand ou o conservador Jacques Chirac. A idéia
se sobrepõe às cisões entre blocos
políticos -esquerda e direita-
não tão mais antagônicos assim.
De raízes mais longínquas, nos
anos 60 a política externa do presidente Charles De Gaulle irritava
os presidentes John Kennedy e
Lyndon Johnson ao conceber a
Europa como um espaço de unidade ("Do Atlântico aos Urais"),
no qual a divisão entre regimes
democráticos e comunistas seria
menos relevante.
Em suma, o cenário de um possível confronto vem de longe.
O paradoxo está no fato de, em
1991, o mesmo Iraque ter servido
de pretexto para que a França, auto-excluída havia 25 anos do comando unificado da Otan, combatesse no Golfo sob um Estado-Maior chefiado por um oficial superior norte-americano, o então
general Colin Powell.
Mas se tratava, então, de forçar
Saddam a recuar da anexação do
Kuait. Aos olhos do governo francês, a motivação era bastante nítida. O que não se repete em se tratando de armas proibidas nos arsenais iraquianos ou de supostos
vínculos entre o mesmo Saddam e
os terroristas do 11 de setembro
de 2001.
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