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São Paulo, quarta-feira, 12 de março de 2003

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COMENTÁRIO

Choque França-EUA é antigo

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Velhos fantasmas saíram dos armários com a determinação da França de vetar, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o projeto de resolução que daria legitimidade jurídica à intervenção militar dos Estados Unidos no Iraque.
A França exportou cerca de US$ 28 bilhões no ano passado para o mercado norte-americano. Qualquer boicote abalaria essa fortuna.
A posição francesa tem raízes no contorno assumido pelas relações internacionais após 1989. Inexiste, depois do colapso do comunismo, uma potência militar capaz de dissuadir os norte-americanos. A dissuasão mútua havia permitido o equilíbrio da Guerra Fria.
É verdade que há algo chamado União Européia. Mas ela é cega à geopolítica, tanto quanto é eficiente nos mecanismos de integração comercial, fiscal e monetária. Está hoje dividida, com Reino Unido, Itália e Espanha alinhados aos norte-americanos.
A França procurou, nos anos 90, impedir que, nos planos diplomático, econômico e cultural, os EUA representassem um único polo de hegemonia.
Investiu na comunidade francófona e raciocinou como se estivesse emergindo um mundo multipolarizado, baseado na diversidade de valores e de padrões de consumo, sem a ditadura comercial exercida por uma única indústria cultural.
Pouco importa, no caso, que o presidente francês fosse o socialista François Mitterrand ou o conservador Jacques Chirac. A idéia se sobrepõe às cisões entre blocos políticos -esquerda e direita- não tão mais antagônicos assim.
De raízes mais longínquas, nos anos 60 a política externa do presidente Charles De Gaulle irritava os presidentes John Kennedy e Lyndon Johnson ao conceber a Europa como um espaço de unidade ("Do Atlântico aos Urais"), no qual a divisão entre regimes democráticos e comunistas seria menos relevante.
Em suma, o cenário de um possível confronto vem de longe.
O paradoxo está no fato de, em 1991, o mesmo Iraque ter servido de pretexto para que a França, auto-excluída havia 25 anos do comando unificado da Otan, combatesse no Golfo sob um Estado-Maior chefiado por um oficial superior norte-americano, o então general Colin Powell.
Mas se tratava, então, de forçar Saddam a recuar da anexação do Kuait. Aos olhos do governo francês, a motivação era bastante nítida. O que não se repete em se tratando de armas proibidas nos arsenais iraquianos ou de supostos vínculos entre o mesmo Saddam e os terroristas do 11 de setembro de 2001.


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