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"EIXO DO MAL"
Jogadores americanos que defendem times da república islâmica viram embaixadores informais de seu país
Diplomacia do basquete marca pontos no Irã
GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL
Até pedras voaram das arquibancadas no primeiro jogo que
Andre Pitts disputou por uma
equipe do Irã. No vestiário, o jogador perguntou aos companheiros se toda aquela ira da torcida
derivava da presença de um norte-americano em quadra.
"Eles me explicaram que naquele ginásio os fãs de basquete eram
sempre violentos com os adversários. Não tinha nada a ver com a
minha origem. Já faz um ano que
isso aconteceu. Dali em diante,
percebi que não havia o que temer. Passei a me sentir em casa."
O fato de não ter pensado em
voltar para a América após aquela
partida na cidade de Gorgan (norte do país) não faz de Pitts uma
exceção. Ao contrário. A participação de jogadores dos EUA na liga iraniana parece seguir caminho justamente oposto ao agravamento da relação diplomática entre os dois países.
Nas duas últimas semanas, a
Folha ouviu atletas, administradores de times e técnicos para esquadrinhar a situação.
Em 2002, três norte-americanos
mergulharam em um mercado
até então pouco explorado pelo
principal formador de craques do
basquete. No ano passado, já
eram 14 os que envergavam camisas de times iranianos, formando
uma legião de embaixadores não
oficiais do que alguns batizam no
Oriente Médio de "Grande Satã".
"Pelo entusiasmo com que os
clubes recebem os esportistas dos
EUA, deveremos abrigar pelo menos 30 nas equipes até o final de
2006. Esse crescimento é importante, pois nosso objetivo é desenvolver a modalidade", relata Amir
Lahouni, relações públicas da Federação Iraniana de basquete.
O trunfo que o dirigente aponta
para a adaptação dos forasteiros é
a informação. Segundo Lahouni,
uma espécie de catecismo foi instituída pelos principais clubes para amenizar o choque de culturas.
"Nós chamamos os americanos
para conversar. Explicamos que
professamos o islamismo e temos
um estilo de vida às vezes radicalmente oposto ao adotado na
América. A vida social é muito diferente. Não é permitido beber,
por exemplo, e as mulheres vivem
de acordo com nossas tradições.
Por fim, mostramos que, se eles
nos respeitarem, também serão
respeitados", conta Mehran Fhahin, treinador do Sabba Battery,
clube localizado na capital, Teerã.
O técnico é um dos principais
entusiastas da contratação de jogadores do Ocidente. Após viajar
pelo mundo por 12 anos como
atleta da seleção iraniana, Fhahin
diz que é preciso superar o preconceito. "Somos esportistas, não
políticos. Não importa como meu
país se relaciona com a América.
O que sei é que lá se pratica o melhor basquete do mundo. Temos
de importar conhecimento."
De fato, o abismo técnico é
enorme. O último embate EUA x
Irã na modalidade aconteceu nos
Jogos Universitários do ano passado. Os americanos cravaram
exatamente o dobro de pontos
dos adversários: 94 a 47.
Não por acaso, os atletas formam uma mão-de-obra muito
valorizada. Os salários dos americanos que atuam no Irã variam
entre US$ 8 mil e US$ 15 mil, segundo a própria federação local.
Cada clube pode colocar dois
estrangeiros em quadra. Fhahin
não tem mais vagas -além do texano Pitts, conta com Garth Joseph, dominicano que obteve cidadania dos EUA.
Joseph é um dos que mais veneram a importância das lições recebidas ao chegar na nova pátria.
"Depois do que o Fhahin me explicou, comecei a pesquisar sobre
o Irã. Adoro história", diz ele, que
conta: um dos investidores do
Sabba Battery é o general Mustafa
Mohammad Najjar, ministro da
Defesa do Irã e defensor do programa nuclear que hoje causa tanta celeuma no Ocidente.
"Nunca tive problemas com o
Mustafa nem com ninguém.
Meus colegas de time me chamam para suas casas, Não ligam
se sou negro e norte-americano.
Nunca joguei em um time tão
unido", relata Joseph, 32.
Apesar das loas que tece ao grupo e ao país, ele não pretende levar a mulher e os três filhos a Teerã. Diz que as crianças são educadas em outra realidade e não suportariam mudança tão radical.
É uma postura diferente da adotada por Pitts. Após seis anos de
Oriente Médio -antes havia
atuado na Síria e no Líbano-, o
jogador de 34 anos quer encerrar
sua carreira em Teerã. E convencer a mulher que estar sempre ao
seu lado faz parte de seus planos.
"Ela mora nos EUA e vive me
perguntando se não tenho medo
de viver em um lugar considerado
perigoso para norte-americanos.
Sempre respondo da mesma forma: se ainda estou aqui, é porque
todo esse discurso contra os iranianos não faz o menor sentido."
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