São Paulo, domingo, 12 de março de 2006

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"EIXO DO MAL"

Jogadores americanos que defendem times da república islâmica viram embaixadores informais de seu país

Diplomacia do basquete marca pontos no Irã

GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL

Até pedras voaram das arquibancadas no primeiro jogo que Andre Pitts disputou por uma equipe do Irã. No vestiário, o jogador perguntou aos companheiros se toda aquela ira da torcida derivava da presença de um norte-americano em quadra.
"Eles me explicaram que naquele ginásio os fãs de basquete eram sempre violentos com os adversários. Não tinha nada a ver com a minha origem. Já faz um ano que isso aconteceu. Dali em diante, percebi que não havia o que temer. Passei a me sentir em casa."
O fato de não ter pensado em voltar para a América após aquela partida na cidade de Gorgan (norte do país) não faz de Pitts uma exceção. Ao contrário. A participação de jogadores dos EUA na liga iraniana parece seguir caminho justamente oposto ao agravamento da relação diplomática entre os dois países.
Nas duas últimas semanas, a Folha ouviu atletas, administradores de times e técnicos para esquadrinhar a situação.
Em 2002, três norte-americanos mergulharam em um mercado até então pouco explorado pelo principal formador de craques do basquete. No ano passado, já eram 14 os que envergavam camisas de times iranianos, formando uma legião de embaixadores não oficiais do que alguns batizam no Oriente Médio de "Grande Satã".
"Pelo entusiasmo com que os clubes recebem os esportistas dos EUA, deveremos abrigar pelo menos 30 nas equipes até o final de 2006. Esse crescimento é importante, pois nosso objetivo é desenvolver a modalidade", relata Amir Lahouni, relações públicas da Federação Iraniana de basquete.
O trunfo que o dirigente aponta para a adaptação dos forasteiros é a informação. Segundo Lahouni, uma espécie de catecismo foi instituída pelos principais clubes para amenizar o choque de culturas.
"Nós chamamos os americanos para conversar. Explicamos que professamos o islamismo e temos um estilo de vida às vezes radicalmente oposto ao adotado na América. A vida social é muito diferente. Não é permitido beber, por exemplo, e as mulheres vivem de acordo com nossas tradições. Por fim, mostramos que, se eles nos respeitarem, também serão respeitados", conta Mehran Fhahin, treinador do Sabba Battery, clube localizado na capital, Teerã.
O técnico é um dos principais entusiastas da contratação de jogadores do Ocidente. Após viajar pelo mundo por 12 anos como atleta da seleção iraniana, Fhahin diz que é preciso superar o preconceito. "Somos esportistas, não políticos. Não importa como meu país se relaciona com a América. O que sei é que lá se pratica o melhor basquete do mundo. Temos de importar conhecimento."
De fato, o abismo técnico é enorme. O último embate EUA x Irã na modalidade aconteceu nos Jogos Universitários do ano passado. Os americanos cravaram exatamente o dobro de pontos dos adversários: 94 a 47.
Não por acaso, os atletas formam uma mão-de-obra muito valorizada. Os salários dos americanos que atuam no Irã variam entre US$ 8 mil e US$ 15 mil, segundo a própria federação local.
Cada clube pode colocar dois estrangeiros em quadra. Fhahin não tem mais vagas -além do texano Pitts, conta com Garth Joseph, dominicano que obteve cidadania dos EUA.
Joseph é um dos que mais veneram a importância das lições recebidas ao chegar na nova pátria. "Depois do que o Fhahin me explicou, comecei a pesquisar sobre o Irã. Adoro história", diz ele, que conta: um dos investidores do Sabba Battery é o general Mustafa Mohammad Najjar, ministro da Defesa do Irã e defensor do programa nuclear que hoje causa tanta celeuma no Ocidente.
"Nunca tive problemas com o Mustafa nem com ninguém. Meus colegas de time me chamam para suas casas, Não ligam se sou negro e norte-americano. Nunca joguei em um time tão unido", relata Joseph, 32.
Apesar das loas que tece ao grupo e ao país, ele não pretende levar a mulher e os três filhos a Teerã. Diz que as crianças são educadas em outra realidade e não suportariam mudança tão radical.
É uma postura diferente da adotada por Pitts. Após seis anos de Oriente Médio -antes havia atuado na Síria e no Líbano-, o jogador de 34 anos quer encerrar sua carreira em Teerã. E convencer a mulher que estar sempre ao seu lado faz parte de seus planos.
"Ela mora nos EUA e vive me perguntando se não tenho medo de viver em um lugar considerado perigoso para norte-americanos. Sempre respondo da mesma forma: se ainda estou aqui, é porque todo esse discurso contra os iranianos não faz o menor sentido."


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