São Paulo, sábado, 12 de abril de 2008

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Governo cubano facilita posse de imóvel

Habitação é um dos fatores de maior descontentamento da população; medida ainda não permite venda ou aluguel

Hoje cubanos só podem mudar de casa sob permuta consentida pelo governo; expectativa é que decreto de Raúl prenuncie reforma

Javier Galeano/Associated Press
Casa em Havana; só permuta autorizada pelo governo permite a cubanos trocar de moradia

DA REDAÇÃO

Milhares de cubanos que vivem em imóveis do governo poderão obter com mais rapidez e menos burocracia o título de propriedade, mantendo o endereço mesmo após deixarem o cargo público ao qual a residência está vinculada, anunciou ontem o governo Raúl Castro. O primeiro decreto publicado nos dois meses de uma gestão marcada pelo fim das "proibições desnecessárias" na ilha pode enunciar uma reforma habitacional mais ampla.
Decretada um dia após o fim dos tetos salariais para os trabalhadores do setor público, que agora terão sua renda vinculada à produtividade como forma de estímulo, a medida aprofunda as transformações no país socialista.
Embora tenha anunciado também a ampliação do crédito agrícola e a concessão de terras ociosas aos agricultores privados e cooperativas, o governo de Cuba nega que esteja em curso uma transição capitalista e rejeita comparações com o processo de abertura que resultou no fim do bloco soviético.
Com o título de posse em mãos, o imenso contingente de inquilinos do governo -incluindo médicos, militares, professores, operários da construção civil, cortadores de cana- poderá legar a propriedade aos familiares. Mas não terá autorização para vendê-la.
Dois funcionários do Instituto Nacional de Habitação em Cuba disseram à agência Associated Press, sob anonimato por não terem autorização para falar com a mídia estrangeira, que o decreto de ontem é provavelmente o primeiro de uma série de reformas do setor, um dos que mais aflige os 11,2 milhões de cubanos.
Prevista em lei desde 1987, a possibilidade de transferência das residências aos seus ocupantes jamais havia sido regulamentada. "Estão legalizando uma zona sem lei", diz o economista de oposição Oscar Espinosa Chepe à Associated Press. "Isso acaba com a insegurança de muita gente."
O déficit habitacional é um dos grandes problemas da ilha, onde é comum que filhos adultos e seus pais ou casais divorciados continuem a dividir o mesmo espaço por não conseguirem casas novas, seja para comprar ou para alugar. Dados do governo indicam que Cuba precisa de meio milhão de novas habitações -a estimativa dos críticos é o dobro disso.
Por lei, os cubanos somente podem vender suas casas ao Estado, embora seja permitida a permuta de imóveis com aval governamental -processo que pode demorar anos. Para Espinosa, "dar às pessoas documentos legais poderia dar-lhes liberdade para vender as casas ou talvez alugá-las, desde que paguem impostos".

"Socialismo aperfeiçoado"
Cuba repassou no jornal oficial "Granma" as recentes mudanças que, diz o diário, são um "aperfeiçoamento do socialismo".
Na mesma edição, artigo de Fidel Castro criticou o consumismo como fermento da desigualdade. O ex-ditador, que em fevereiro deixou o cargo livre para a ascensão do irmão, citou como exemplo a antes "próspera" Romênia socialista.
A legalização da venda de computadores, aparelhos de DVD e telefone celulares é um reconhecimento da desigualdade crescente. Pagos em pesos conversíveis, aos quais apenas quem lida com turistas tem acesso, os bens continuam inacessíveis a quem recebe em pesos cubanos -o peso conversível vale 24 vezes mais.
A recuperação do poder de compra dos salários, outra bandeira de Raúl, é uma promessa mais difícil de concretizar.


Com agências internacionais

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