São Paulo, domingo, 12 de abril de 2009

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Rússia reconquista espaço perdido na Ásia Central

Fechamento de bases e crise de regimes aliados expõem recuo de influência dos EUA

Washington e Moscou revivem "Grande Jogo" por domínio da Ásia Central; retórica de reaproximação não arrefece as disputas


CHARLES CLOVER
ISABEL GORST
DANIEL DOMBEY
DO "FINANCIAL TIMES"

À sombra da cadeia de montanhas Tian Shan, na Ásia Central, os integrantes da 376ª Ala Aérea Expedicionária dos EUA estão envolvidos em uma operação de sedução. Nas últimas semanas, receberam alunos das escolas locais em sua base aérea em Manas, Quirguistão; uma banda de rock formada pelo pessoal da base tem se apresentado em orfanatos e escolas; e os aviadores visitaram hospitais infantis na capital, Bishkek. Mas parece que esses esforços se provarão tardios.
Em fevereiro, o governo do Quirguistão deu aos EUA um prazo de 180 dias para que saia da base de Manas, principal polo de distribuição por via aérea para a guerra do Afeganistão. A maioria dos observadores acredita que o fechamento da base esteja acontecendo por influência do Kremlin, embora um diplomata russo insista em que o fato de a decisão ter surgido depois de Moscou oferecer um empréstimo de US$ 2 bilhões à ex-república soviética, em dificuldades financeiras, seja "coincidência".
Moscou, que passará a utilizar a base de Manas, se restabeleceu como força dominante na Ásia Central, que era parte de seu território até a dissolução do império soviético em 1991. Os EUA, cuja saída do país se segue a expulsão semelhante do Uzbequistão, em 2006, parecem a ponto de perder suas últimas posições na região.
Ainda que as relações entre Washington e Moscou estejam melhorando sob Barack Obama, a Ásia Central continua a ser um foco de conflito. A cooperação tem por foco "recomeçar do zero" o relacionamento, que se deteriorou sob o governo de George W. Bush. Mas sobram desacordos nos bastidores sobre temas como a defesa contra mísseis na Europa Central, e talvez a mais delicada das questões seja o relacionamento da Rússia com os Estados soberanos que um dia foram parte da União Soviética.
Sobre isso, os líderes se mantiveram virtualmente silentes.
Bases, gás e paradigmas
Na região desenrola-se uma versão renovada do "Grande Jogo" travado entre a Rússia e o Império Britânico no século 19. O que está em questão são bases militares, fontes de petróleo e gás natural e modelos rivais de governo numa área cuja importância foi destacada pela Guerra do Afeganistão e pela crescente dependência energética da Europa Ocidental.
"Durante meu período como especialista em assuntos russos no Conselho de Segurança Nacional, sob o governo do presidente Bush, nenhuma questão envenenou mais o relacionamento entre os países, e a situação não parou de piorar depois que deixei o cargo", afirma Thomas Graham, que trabalhou para a Casa Branca entre 2002 e 2007.
"A capacidade russa de projetar poder na região confirma aos olhos de Moscou sua posição como potência, pois o que caracteriza melhor uma potência do que irradiar influência pela vizinhança?", indaga.
Já para os EUA, a região se tornou "o campo de teste da capacidade para cumprir no mundo pós-Guerra Fria o que as elites americanas veem como missão histórica do país: a promoção da democracia e da economia de mercado".
O campo em que o novo "Grande Jogo" se desenrola é vasto -vai das fronteiras da China às da Polônia, e inclui democracias disfuncionais como a Ucrânia, autocracias petroleiras como o Cazaquistão e paióis étnicos como a Geórgia. A soberania dessas nações instáveis é um obstáculo ao que muitos observadores veem como uma retomada do apetite russo pelo imperialismo.
No momento, os sinais demonstram que a Rússia está reconquistando o terreno perdido nos 15 anos posteriores a 1991. O pico da influência americana na região veio na metade desta década, quando havia bases militares dos EUA; a Otan (aliança militar ocidental) se expandiu para três países bálticos, antes parte da União Soviética, em 2004; e as revoluções "coloridas" da Geórgia (2003) e da Ucrânia (2004) criaram governos pró-ocidentais em substituição a regimes pró-Moscou.
Desde então, os EUA estão apenas assistindo. A Revolução Laranja da Ucrânia se desmancha em conflitos internos; a Rússia derrotou a Geórgia em seis dias de guerra em 2008; Moscou humilhou Kiev na disputa sobre os suprimentos de gás em janeiro, e o Kremlin se prepara para tomar o lugar do Pentágono em Manas.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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