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Rússia reconquista espaço perdido na Ásia Central
Fechamento de bases e crise de regimes aliados expõem recuo de influência dos EUA
Washington e Moscou revivem "Grande Jogo" por domínio da Ásia Central; retórica de reaproximação não arrefece as disputas
CHARLES CLOVER
ISABEL GORST
DANIEL DOMBEY
DO "FINANCIAL TIMES"
À sombra da cadeia de montanhas Tian Shan, na Ásia Central, os integrantes da 376ª Ala
Aérea Expedicionária dos EUA
estão envolvidos em uma operação de sedução. Nas últimas
semanas, receberam alunos das
escolas locais em sua base aérea
em Manas, Quirguistão; uma
banda de rock formada pelo
pessoal da base tem se apresentado em orfanatos e escolas; e
os aviadores visitaram hospitais infantis na capital, Bishkek.
Mas parece que esses esforços se provarão tardios.
Em fevereiro, o governo do
Quirguistão deu aos EUA um
prazo de 180 dias para que saia
da base de Manas, principal polo de distribuição por via aérea
para a guerra do Afeganistão.
A maioria dos observadores
acredita que o fechamento da
base esteja acontecendo por influência do Kremlin, embora
um diplomata russo insista em
que o fato de a decisão ter surgido depois de Moscou oferecer
um empréstimo de US$ 2 bilhões à ex-república soviética,
em dificuldades financeiras, seja "coincidência".
Moscou, que passará a utilizar a base de Manas, se restabeleceu como força dominante na
Ásia Central, que era parte de
seu território até a dissolução
do império soviético em 1991.
Os EUA, cuja saída do país se
segue a expulsão semelhante
do Uzbequistão, em 2006, parecem a ponto de perder suas
últimas posições na região.
Ainda que as relações entre
Washington e Moscou estejam
melhorando sob Barack Obama, a Ásia Central continua a
ser um foco de conflito.
A cooperação tem por foco
"recomeçar do zero" o relacionamento, que se deteriorou sob
o governo de George W. Bush.
Mas sobram desacordos nos
bastidores sobre temas como a
defesa contra mísseis na Europa Central, e talvez a mais delicada das questões seja o relacionamento da Rússia com os
Estados soberanos que um dia
foram parte da União Soviética.
Sobre isso, os líderes se mantiveram virtualmente silentes.
Bases, gás e paradigmas
Na região desenrola-se uma
versão renovada do "Grande
Jogo" travado entre a Rússia e o
Império Britânico no século 19.
O que está em questão são bases militares, fontes de petróleo e gás natural e modelos rivais de governo numa área cuja
importância foi destacada pela
Guerra do Afeganistão e pela
crescente dependência energética da Europa Ocidental.
"Durante meu período como
especialista em assuntos russos
no Conselho de Segurança Nacional, sob o governo do presidente Bush, nenhuma questão
envenenou mais o relacionamento entre os países, e a situação não parou de piorar depois
que deixei o cargo", afirma
Thomas Graham, que trabalhou para a Casa Branca entre
2002 e 2007.
"A capacidade russa de projetar poder na região confirma
aos olhos de Moscou sua posição como potência, pois o que
caracteriza melhor uma potência do que irradiar influência
pela vizinhança?", indaga.
Já para os EUA, a região se
tornou "o campo de teste da capacidade para cumprir no
mundo pós-Guerra Fria o que
as elites americanas veem como missão histórica do país: a
promoção da democracia e da
economia de mercado".
O campo em que o novo
"Grande Jogo" se desenrola é
vasto -vai das fronteiras da
China às da Polônia, e inclui democracias disfuncionais como
a Ucrânia, autocracias petroleiras como o Cazaquistão e paióis
étnicos como a Geórgia.
A soberania dessas nações
instáveis é um obstáculo ao que
muitos observadores veem como uma retomada do apetite
russo pelo imperialismo.
No momento, os sinais demonstram que a Rússia está reconquistando o terreno perdido nos 15 anos posteriores a
1991. O pico da influência americana na região veio na metade
desta década, quando havia bases militares dos EUA; a Otan
(aliança militar ocidental) se
expandiu para três países bálticos, antes parte da União Soviética, em 2004; e as revoluções
"coloridas" da Geórgia (2003) e
da Ucrânia (2004) criaram governos pró-ocidentais em substituição a regimes pró-Moscou.
Desde então, os EUA estão
apenas assistindo. A Revolução
Laranja da Ucrânia se desmancha em conflitos internos; a
Rússia derrotou a Geórgia em
seis dias de guerra em 2008;
Moscou humilhou Kiev na disputa sobre os suprimentos de
gás em janeiro, e o Kremlin se
prepara para tomar o lugar do
Pentágono em Manas.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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