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ENTREVISTA DA 2ª
RICHARD N. HAASS
Na era não-polar, EUA não podem mais ser sozinhos
Para um dos principais analistas de política externa dos EUA, história caminha para novo momento, com divisão de poder mais equânime e participação maior de não-Estados
O PRÓXIMO presidente norte-americano,
seja quem for, será o primeiro de um país
que não poderá mais tomar ações unilaterais em um mundo no qual haverá uma
divisão mais equânime de poderes entre outros países
e mesmo entre não-países. Esses são os chamados
atores não-estatais, entidades como a organização
terrorista Al Qaeda, mas também o braço de investimentos de Abu Dhabi ou a fundação de Bill Gates.
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Esta é a Era da Não-Polaridade, que sucede a recente, unipolar (os EUA como potência
única), que sucedeu a da bipolaridade (quando ainda existia
a União Soviética) e assim por
diante. Quem criou a expressão
e defende esse novo passo da
História é Richard N. Haass,
presidente do Council on Foreign Relations, de Nova York,
um dos mais influentes centros
de política externa dos EUA.
Autor de dez livros sobre política externa norte-americana
-sendo o mais recente "The
Opportunity: America's Moment to Alter History's Course" (a oportunidade - o momento de os EUA alterarem o curso da história)-, Haass, 56,
foi presidente do escritório de
Política e Planejamento do Departamento de Estado entre
2001 e 2003, braço direito do
então secretário de Estado Colin Powell e trabalhou em diversos cargos no governo de
George Bush pai (1989-1993).
Leia os principais trechos de
sua conversa com a Folha.
FOLHA - O que levou ao que o sr.
chama de Era da Não-Polaridade?
RICHARD N. HAASS - Era inevitável que alguns Estados ficassem mais eficientes e mais produtivos e, conforme isso aconteceu, esses Estados acumularam muita riqueza. Estamos
vendo isso acontecer na Índia,
na China, no Brasil. Com o tempo, a força econômica acaba
sendo traduzida para outras
formas de poder e influência.
Isso é o primeiro fator.
O segundo é a globalização,
que dilui e enfraquece o poder
de algumas nações, pois, por
conta dela há muitos aspectos
do mundo que os países não podem controlar. Ela torna possível que os atores não-estatais
tenham mais acesso a recursos,
o que tanto reflete quanto contribui para a não-polaridade.
Por último, os EUA aceleraram o surgimento dessa nova
era da história por conta de alguns erros que cometeram em
suas políticas interna e externa.
A decisão de ir à guerra no Iraque, a falta de compreensão da
política energética, o gerenciamento da economia do país, todos esses problemas se juntaram e viraram um grande problema que enfraqueceu o país.
Assim, foi a combinação de problemas estruturais, históricos e
políticos levou o país e o mundo
a essa nova era.
FOLHA - A não-polaridade viria
mesmo sem esse erros?
HAASS - Sim, mas não tão rápido. Era inevitável que o mundo
entrasse em uma era não-polarizada, mas tudo aconteceu
mais rápido e de forma mais
traumática do que teria sido se
os EUA não tivessem errado
tanto politicamente.
FOLHA - O próximo presidente dos
EUA será o primeiro "não-polar", digamos assim. O que muda em seu
trabalho?
HAASS - Primeiro, ele terá de lidar com um mundo mais complicado, com desafios consideráveis para os EUA, um mundo
que os EUA não vão conseguir
dominar ou controlar, que precisarão de alianças em tudo o
que quiserem fazer internacionalmente.
Acima de tudo, será um mundo em que a força militar será
apenas um instrumento da força norte-americana, não o fator
definidor. Além disso, o próximo presidente terá de lidar
com esse novo mundo ao mesmo tempo em que o país enfrenta problemas tanto militares quanto econômicos e domésticos. Ouso dizer que os desafios do 44º presidente norte-americano serão incríveis.
FOLHA - E quem é que o sr. vê mais
bem preparado entre os três candidatos presidenciais atuais?
HAASS - Eu não vou cair nessa
armadilha [risos]. E a eleição
não acontece até novembro,
acho que vamos conhecer muito mais a respeito dos candidatos até lá. Ainda assim, não importa o quanto você conhece a
respeito de uma pessoa enquanto ela é candidata, não é
possível aprender tudo nem
prever como ela vai se comportar quando estiver no Salão
Oval [gabinete do presidente
dos EUA]. Ou seja, sua pergunta não é difícil, é impossível.
FOLHA - Coloquemos da seguinte
maneira: um republicano ou neoconservador saberá se comportar
como presidente dos EUA nesse novo mundo?
HAASS - A não-polaridade não
é uma opção política, mas uma
realidade. Não importa quem
seja o próximo presidente, este
é o mundo que ele ou ela vai encontrar. Você pode escolher
sua política, mas não pode escolher sua realidade. Como o
próximo presidente e como o
próximo Congresso vão lidar
com isso não é questão de visão
ou escolha, mas de reação.
FOLHA - Qual será o papel dos EUA
nesse nova era?
HAASS - Os EUA ainda são o
Estado mais poderoso nessa
nova era, mas mesmo assim podem fazer muito pouco sozinhos. Por isso precisam de aliados. O grande desafio para os
EUA é construir coalizões internacionais para lidar com os
conflitos regionais e globais. O
país ainda tem o papel de um líder ativo, mas precisa exercer
esse papel junto de outros parceiros, pois não tem mais o poder de fazer tudo sozinho.
FOLHA - E o papel do Brasil e, num
sentido mais abrangente, dos BRICs
(acrônimo para Brasil, Rússia, Índia e
China) e de outras economias emergentes?
HAASS - Países como o Brasil
terão cada vez mais importância nesse novo mundo. Não são
mais simplesmente potências
regionais, mas globais. O Brasil,
por exemplo, será central na
hora de resolver o problema
das mudanças climáticas e na
questão do comércio exterior.
Será fundamental nas ações para promover a ordem na América Latina. É o país potencialmente mais importante como
parceiro dos EUA na questão
de construir instituições regionais e agir em respostas rápidas
aos desafios locais.
FOLHA - Há muitas teorias que dizem que os EUA estão em declínio e
que a China seria a próxima superpotência. Por que o sr. discorda dessa tese?
HAASS - Os EUA são e vão continuar sendo a economia mais
forte do mundo, de maior poderio militar, nesse caso ainda
maior do que hoje. O que vai
acontecer é que outros países
também vão ficar mais poderosos. A posição dos EUA em relação aos outros pode cair, mas
não sua força absoluta.
Também não acredito numa
"troca de guarda" de elenco na
mesma peça do mundo unipolar, com a China ou outro país
qualquer tomando o lugar dos
EUA. Entramos em uma nova
era da história, em que nenhum
país poderá dominar o resto do
mundo. Nem os EUA, nem a
China, nem a Índia, nem a Rússia, nem o Japão, nem a Europa, nem o Brasil. O mundo de
hoje não será dominado por nenhuma força única.
FOLHA - O sr. reforça muito também a participação do que chama
de atores não-estatais, como fundações. Há "superpotências" entre esses atores?
HAASS - É uma questão interessante. Existem atores não-estatais muito importantes na
questão das relações internacionais, como a Al Qaeda. É um
ator significativo no mundo do
terrorismo e por isso requer esforços de segurança. A autoridade de negócios de Abu Dhabi
é cada vez mais um ator significativo no mundo dos investimentos, por exemplo. Uma organização como a Fundação
[Bill e Melinda] Gates é um ator
significativo na saúde pública.
Os atores não-estatais tendem
a ter um papel limitado a apenas um aspecto das relações internacionais, mas, dentro dele,
podem ser extraordinariamente importantes.
FOLHA - Países têm entidades como a ONU ou a Organização dos Estados Americanos. Qual seria o fórum de negociação dos não-países?
HAASS - Não acho que o mundo
vá dar uma cadeira para a Fundação Gates ou para o braço financeiro de Abu Dhabi, por
exemplo, na Assembléia Geral
da ONU. O que eu vejo acontecer são encontros isolados,
consultas em que esses atores
não-estatais são participantes
ativos. Será um jeito de se comunicar menos formal, mais
fluido e prático. O que será
muito mais eficaz para as relações internacionais, porque essas organizações só serão chamadas a participar quando forem realmente relevantes na
resolução de um problema.
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