São Paulo, sexta-feira, 12 de junho de 2009

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Irã vai hoje às urnas sob olhar do Ocidente

Washington aposta em derrota do presidente conservador Ahmadinejad para impulsionar sua reabertura diplomática

Não há pesquisas confiáveis, mas analistas ouvidos pela Folha acreditam em vitória do opositor Mousavi; religião dominou debate eleitoral

Ben Curtis/Associated Press
Iraniana passa por cartazes de Mahmoud Ahmadinejad (acima dela) e de seu principal adversário, Mir Hossein Mousavi, em Teerã

RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A TEERÃ

O Irã vai hoje às urnas em eleições que o Ocidente acompanha com atenção na expectativa de que uma derrota do presidente conservador Mahmoud Ahmadinejad impulsione a política de reabertura diplomática do governo Barack Obama, que até aqui encontrou pouco eco vindo de Teerã.
Segundo vários analistas ouvidos pela Folha, o candidato reformista Mir Hossein Mousavi, 67, é o favorito para vencer hoje o primeiro turno das eleições iranianas -se nenhum candidato superar 50% dos votos haverá segundo turno na sexta que vem. Além de Mousavi e Ahmadinejad, há outros dois candidatos (veja quadro).
À falta de pesquisas confiáveis, os especialistas falam da enorme campanha popular -nas ruas e na internet - a favor de Mousavi e dos efeitos combinados de inflação, alta no desemprego e desaceleração econômica por conta da queda dos preços de petróleo.
Mas a maior ameaça ao favoritismo de Ahmadinejad, que era tido como praticamente reeleito até o mês passado -desde a fundação da República Islâmica do Irã, em 1979, todos os presidentes se reelegeram-, é a divisão na liderança religiosa do país.
Conservadores e reformistas se atacaram como nunca antes, e sobraram cobranças para que o aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do país, intervenha.
Ontem, quando qualquer ato de campanha foi proibido no chamado dia de reflexão, abundavam boatos em Teerã sobre consultas a Khamenei, que controla as Forças Armadas, a mídia estatal e o Poder Judiciário e que está acima do presidente na hierarquia nacional.
Falava-se de uma longa reunião de última hora com Khamenei do ex-presidente Akbar Hashemi Rafsanjani (1989-1997) -desafeto de Ahmadinejad depois de ser acusado por este de "ter se enriquecido com a política".
Também se fala muito que Ahmadinejad tentou uma última reunião, sem sucesso, com Khamenei. Apesar da excitação eleitoral que toma conta do país, pouca gente acredita que o resultado das urnas será mesmo respeitado se não tiver a aprovação do líder supremo.

Interpretação religiosa
Para a gravidade da crise econômica, houve poucas respostas -propostas vagas pela oposição, defesa do atual estado econômico por Ahmadinejad. O isolamento externo do país e questões culturais e religiosas acabaram dominando os debates eleitorais.
"Concordo que há uma divisão em dois grandes grupos, os aiatolás e clérigos que acham que devemos estar fora da política e cuidar apenas da espiritualidade, e os que interpretam que política e religião são uma coisa só, que tem que fazer parte e seguir os preceitos religiosos", disse à Folha o aiatolá Seyyed-Abbas Alamolhoda, que dirige o Centro Científico-Religioso de Chizar.
"Entre os que querem participação na política, há outra divisão, os que preferem fazer a justiça social e os que achamos que o islã está em toda parte, que tem uma aplicação prática na vida e no cotidiano", diz.
Ahmadinejad pregou para o lado mais conservador, defendendo políticas que premiam o casamento para os mais jovens, a prática de mais filhos no interior e a repressão reforçada a qualquer liberdade feminina.
Ele reafirmou que "defende a Revolução Islâmica" ao comprar briga com diversos países e negar o Holocausto.
Já Mousavi prometeu nomear ministras e embaixadoras se virar presidente, e, para espanto dos conservadores, apareceu em comícios de mãos dadas com sua mulher. Criticou o isolamento do país e prometeu diálogo até com os EUA.
"No mundo inteiro há valores mudando, não só no islã", diz Alamolhoda. "A obediência das mulheres aos maridos e o respeito aos pais estão em crise em todo mundo."
Mousavi e Ahmadinejad só não diferem sobre o programa nuclear iraniano -ambos pretendem mantê-lo. EUA e Israel acusam o Irã de estar tentando desenvolver uma bomba atômica -Teerã nega e diz que o programa só tem objetivos energéticos.
Quarenta e seis milhões de iranianos estão aptos a votar -o voto não é obrigatório-, e o organismo eleitoral espera recorde de comparecimento às urnas. O maior número foi em 1997, na eleição do reformista Mohammad Khatami, com 78% de comparecimento.
A empolgação da campanha se traduz em números. O debate entre Ahmadinejad e Mousavi atraiu audiência de 45 milhões de pessoas - o país tem 66 milhões de habitantes.


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