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São Paulo, sábado, 12 de julho de 2003

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ENTREVISTA

Chanceler alemão vê oportunidade de reduzir benefícios sociais e trabalhistas para combater crise econômica

Reformas contam mais que rixa com Itália, diz Schröder

DO "FINANCIAL TIMES"

O chanceler (premiê) alemão, Gerhard Schröder, sabe como encarar uma piada. Quando, no começo desta entrevista, recebeu de presente uma garrafa de vinho italiano como compensação por abandonar seus planos de férias na Itália, ele levou na brincadeira.
No entanto, a atitude dele com relação à Itália continua a ser muito séria. Afinal, seus planos de férias cancelados surgiram depois de uma série de comentários desfavoráveis aos alemães feitos por políticos italianos, entre os quais o premiê Silvio Berlusconi.
Ele insiste em que as relações bilaterais mais amplas não foram prejudicadas, mas manteve sua decisão, simbólica, quanto às férias. "Não se pode tratar a Alemanha como ela foi tratada", disse.
No começo da entrevista, de uma hora de duração, concedida na moderna e imensa Chancelaria construída em frente ao Bundestag (Parlamento) histórico, Schröder deixou claro que sua agenda de reformas para a Alemanha, não a briga diplomática com a Itália, é a sua prioridade.
"Existe agora um grau de abertura à reforma, na Alemanha, que não se via há muitos anos. Isso é muito animador. Devemos aproveitá-lo para implementar as medidas da Agenda 2010", disse ele, referindo-se ao pacote de propostas de reformas que apresentou em março. Quatro meses depois, Schröder está satisfeito com o progresso obtido, mas argumenta que ainda resta muito trabalho.
"Tenho um período muito difícil pela frente, para realizar reformas na saúde, no mercado de trabalho e em outras áreas", disse o chanceler social-democrata.
Até mesmo seus críticos mais severos reconhecem que o chanceler e sua coalizão de social-democratas e verdes superaram obstáculos significativos, especialmente a resistência interna à reforma nos dois partidos.
Muitos economistas acreditam que Schröder tinha pouca alternativa ao tipo de reforma estrutural que busca enxugar o inchado aparato da seguridade social alemã, liberalizando o mercado de trabalho. O desemprego, que caiu ligeiramente nesta semana para 4,4 milhões de trabalhadores, ajustado sazonalmente, segue em nível alto, em termos históricos.

Estagnação
A economia alemã, a maior da Europa, está em seu terceiro ano de estagnação, e nenhum dos seis principais institutos econômicos alemães crê que o crescimento deste ano atinja os 0,75% previstos pelo governo. Os custos trabalhistas não-salariais -como planos de saúde, pensões e apoio aos desempregados- seguem 42% superiores aos salários líquidos, o que não estimula as empresas a realizar novas contratações.
Imediatamente depois de reeleito, em setembro passado, o chanceler parecia pouco disposto a enfrentar os problemas estruturais da Alemanha. Foi só no começo deste ano, com o agravamento da situação econômica, que ele decidiu agir.
Schröder diz que a Agenda 2010 representa a mais audaciosa reforma alemã em décadas. Líderes empresariais, embora descrevam as medidas como apenas um primeiro passo, tendem a concordar. As regras tradicionalmente rígidas de proteção de empregos na Alemanha serão afrouxadas. Benefícios aos desempregados serão reduzidos. Cortes de gastos abrangentes e medidas de aumento da eficiência no setor da saúde também fazem parte dos planos.
"Muitas pessoas acreditam que essas medidas vão longe demais", disse Schröder, ainda que a resistência inicial, em seu partido e no movimento sindical, tenha diminuído um pouco. A derrota da greve da união sindical IG Metall em junho e a subseqüente crise na liderança da poderosa organização também são sinais de uma nova era no país. Um dos mais fortes lobbies alemães, antes resistente às mudanças, pode agora mudar de posição.
Apesar da convicção recém-encontrada pelo chanceler na busca das reformas, entender por que ele mudou de estratégia em março continua a ser um mistério.
Os críticos alegam que Schröder sempre foi pragmático e duro em termos políticos, pronto a mudar de posição de acordo com as circunstâncias. Eles alegam que, em março, ele percebeu que era necessário agir para salvar sua pele política, depois que os social-democratas sofreram derrotas humilhantes em eleições regionais.
O chanceler, que diz que não tem objeções a ser chamado de camaleão político, oferece uma explicação mais elaborada.

Momento certo
"Quando você deseja implementar reformas em uma sociedade próspera como a da Alemanha, é preciso não só saber o que se quer, mas escolher o momento certo para agir." O momento surge quando "você sente que existe o apoio necessário, não só no Parlamento, mas na sociedade".
As pesquisas indicam que, na sociedade tradicionalmente dirigida por consenso da Alemanha, a disposição para mudar e aceitar perdas aumentaram. Mas o chanceler não se dispõe a admitir que as reformas deveriam ter começado mais cedo. E outras reformas dolorosas se aproximam, especialmente a das aposentadorias. "Isso não será possível sem um fardo extra de custos sociais."
Ao final da entrevista, a atenção retorna aos assuntos italianos. O chanceler agradece o vinho, mas revela um segredo. Prefere os vinhos franceses aos italianos.


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