São Paulo, sábado, 12 de agosto de 2006

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análise

A mídia, o terror, Pedro e o lobo

LUCIANA COELHO
EDITORA-ADJUNTA DE MUNDO

Cabe à mídia parte do pânico que se alastrou anteontem pelos EUA e pelo Reino Unido e contaminou o resto do hemisfério.
A necessidade de alertar o público para uma ameaça de segurança é inquestionável. Mas não deixa de ser perturbador que noticiários e jornais se apóiem mais em informações fragmentadas -sempre acompanhadas de superlativos e comparações aterradoras- do que em fatos.
É um limiar delicado em que transitamos nós, jornalistas, ao falar de terror. Tanto que levou os britânicos "Financial Times", "Guardian" e "Independent" a se questionarem, em editoriais, se não haviam errado na extensão da cobertura sobre o suposto plano de ataque frustrado pela Scotland Yard. Num contraste ilustrativo, nos EUA, "New York Times" e "Washington Post" criticaram o uso do fato por políticos, mas não aludiram à sua pronta aceitação da versão vinda de Washington e Londres.
Se os conspiradores tinham como levar seu objetivo a cabo, se a ameaça era iminente, em que ponto o plano foi debelado -essas são perguntas deixadas para depois, muitas vezes só respondidas ante um vexame -como quando os EUA anunciaram a descoberta de um plano para atacar a Sears Tower (em Chicago), em junho, e a "ameaça" não passava de um grupo de lunáticos sem meios nem estratégia.
Indagada anteontem pela Folha se não havia exagero no alarde, a ombudsman do "Post", Deborah Howell, respondeu que a cobertura, até aquele momento, lhe parecia justificada. "Claro que ainda é cedo para avaliar, mas o público -certamente quem usa aviões- quer saber tudo possível a respeito", avaliou.
O "tudo possível" é o ponto. Com pouco de concreto a dizer, a cobertura, contam amigos nos EUA e no Reino Unido, centrou-se em redundantes entrevistas com viajantes irritados, na repetição do comunicado da polícia britânica e em incontáveis análises de experts a partir de fiapos de informação.
"Isso é uma característica do jornalismo moderno, com os canais de notícias 24 horas e a internet", disse à Folha, por telefone, o professor de jornalismo Rosental Calmon Alves, da Universidade do Texas. "Muitas vezes uma cobertura intensiva não é necessariamente [resultado de] má avaliação da informação, mas da falta de tempo para avaliar."
Dan Georgakas, especialista em abordagem do terrorismo pela mídia na Universidade de Nova York, diagnostica um abuso do termo "terrorista". "Eu me oponho frontalmente a isso", afirmou à Folha. "Juntar todos os grupos e chamá-los de terroristas é confundir o público -e até os responsáveis pela segurança", diz.
O efeito do excesso, crêem Alves e Georgakas, pode ser um tiro pela culatra. Em vez de tornar os cidadãos mais alertas, a repetição de "ataques desbaratados" pode anestesiá-los, como se "ameaça terrorista" fosse só mais uma dor-de-cabeça diária de uma grande cidade.
Ou, como classifica editorial do "FT", uma pequena vitória dos terroristas, que conseguiram parar a vida de milhares manipulando o medo coletivo.


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