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HORROR EM NOVA YORK
Corpos e destroços compõem o cenário
Além de ar sufocante, calor e fogo, há um desagradável cheiro doce de queimado, que embrulha o estômago
SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK
A ponte que ligava as duas torres do World Trade Center está a
10 metros, caída no chão sobre
dois carros da polícia e quatro caminhões dos bombeiros. Cedeu
quando a primeira torre veio ao
chão. Dois enfermeiros carregam
uma maca com o corpo de um
bombeiro. Ele está decapitado.
Protegido por uma máscara que
consegui com um dos bombeiros,
pude ultrapassar três bloqueios
policiais e estou a poucos passos
dos fundos do que sobrou das estruturas das duas torres. O ar está
tomado por uma mistura de pó
branco com fumaça preta. É
meio-dia, o sol brilha alto, mas ao
lado do World Trade Center está
escuro como noite.
Além do ar sufocante e do calor
que emana das duas construções
em fogo, há um desagradável
cheiro doce de queimado, que
embrulha o estômago.
O barulho dos alarmes de incêndio dos prédios vizinhos, todos disparados, se junta aos alarmes dos carros que não foram
completamente queimados e às
sirenes das ambulâncias e das viaturas que conseguiram escapar do
segundo desabamento.
Desordem
Não há uma ordem aparente.
Policiais chegam, sozinhos ou em
duplas, e gritam ordens, que são
modificadas pelo chefe dos bombeiros, que se sobrepõe aos agentes do FBI. No meio da confusão,
enfermeiros, paramédicos e voluntários não sabem o que fazer.
Eles são os que sobraram, a terceira leva do resgate. A primeira
foi quase toda soterrada pelo primeiro desabamento. Parte da segunda, que foi enviada para tentar
resgatar a primeira, está sob os escombros do segundo desabamento. A terceira é de bombeiros que
estavam de folga, enfermeiros
aposentados, policiais de outros
bairros da cidade, agentes mais
acostumados ao trabalho atrás
das mesas, estudantes de medicina e de enfermagem.
De vez em quando, todos se entreolham assustados: um dos canos de gás que ainda resiste na estrutura dos prédios explode, fazendo um barulho desagradavelmente parecido com o das bombas de minutos atrás. Cães farejadores começam a latir e a vasculhar pedras, atrás de corpos.
Primeiro desabamento
O escritório da Folha em Nova
York fica a cerca de 15 quadras do
local da explosão, ambos no sul da
ilha de Manhattan, em Nova
York. Desde que ouvi as primeiras sirenes e barulhos de helicópteros, fui para as ruas tentar chegar ao World Trade Center.
Em questão de minutos, o serviço do metrô foi interrompido. Logo as ruas foram invadidas por
pessoas, que tomaram os táxis e
os ônibus, já parados pelo tráfego.
A solução foi caminhar. Descendo a Terceira Avenida, o primeiro
susto: uma das duas torres que até
então estavam lá, à vista, desaba
numa nuvem de poeira.
Nenhum barulho, nenhuma alteração. As lojas ainda estão funcionando, a bilheteria do cinema
ainda vende ingressos. Até que as
primeiras notícias começam a
chegar pelo boca-a-boca. Realmente, a torre desabou. Começam a se formar filas nos poucos
telefones públicos que ainda funcionam. Os primeiros gritos.
Todos tentam em vão falar nos
celulares, que estão fora do ar.
Um casal atravessa a rua correndo
e chorando. Dois amigos se abraçam com lágrimas nos olhos.
Uma senhora leva as mãos à cabeça e pergunta: "Por quê? Por
quê?" Grupinhos assustados vão
se formando nas esquinas.
Já na altura da Quinta Avenida,
com uma visão mais completa da
torre que sobrou, tomo o segundo
susto. É como uma batida de carro. Um ruído surdo e seco, alguns
berros. Um silêncio. E então a correria nas ruas, o desespero, o pânico. A segunda torre acaba de
desabar, ali, aos olhos de todos,
em nova nuvem de poeira.
Consigo chegar à parte de trás
do que ontem de manhã era o
prédio mais alto da cidade. O cenário é de guerra. Todos os edifícios num raio de três quarteirões
sofreram pelo menos algum abalo. Alguns ainda correm risco de
desabamento.
A poucos passos de uma das entradas da segunda torre do prédio, um telefone público teve o
gancho arrancado. Sobre o aparelho, um saquinho com um resto
de maconha. No chão, perto de
um dos carros queimados, um
chapéu de policial pisado faz
companhia para duas botas destruídas numa poça de sangue.
Perto das 13h, com o fogo aparentemente controlado e sem
perspectivas de novos desabamentos, uma nova leva de salvamento, a quarta do dia, começa a
chegar. São dezenas de homens,
que andam juntos arrancando
mais poeira do chão, numa imagem que remete ao Velho Oeste.
Batalhões de voluntários, bombeiros, médicos e policiais passam a se aproximar em blocos do
prédio para verificar se há sobreviventes. Mas não há. Em minutos, macas começam a ser tiradas.
São corpos esmagados, na maioria policiais e bombeiros, cobertos de pó branco e sangue.
Nesse momento, sou expulso
do lugar.
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