São Paulo, quarta-feira, 12 de setembro de 2001

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NA MÍDIA

TV transmite, consciente, o espetáculo

Cobertura televisiva retrata com contenção o "filme de guerra" que se tornou o atentado que derrubou as duas torres do World Trade Center

Associated Press
Pedestres fogem enquanto asegunda torre do WTC desaba após ser atingida por avião durante ataque terrorista


NELSON DE SÁ
EDITOR DA ILUSTRADA

- É incrível. Eu pensei que estava assistindo a um filme de Hollywood.
Era Doris Tang, uma mulher comum de Hong Kong, falando à Fox News, canal de notícias concorrente da CNN.
Como ela e como Fátima Bernardes, que abriu e fechou o "Jornal Nacional" com a mesma comparação, a TV do mundo retratou o espetáculo de ontem com a consciência de tratar-se de um espetáculo.
A idéia de que o entretenimento se mesclou à realidade, apresentada em livros como "A Sociedade do Espetáculo" (67), ganhou ares hoje de consciência universal -dos terroristas que encenam o show de horror aos telespectadores que o assistem.
Mais até, tornou-se lugar-comum a consumir até os melhores críticos da "sociedade do espetáculo", como o americano Howard Kurz, do "Washington Post", que afirmava ontem:
- Era um filme de guerra se desenvolvendo na TV.
Era, mas já era assim na Guerra do Golfo, há dez anos.
A diferença agora é que até a mulher de Hong Kong acha que é. E ainda assim ela se entorpece e perde a capacidade de reagir diante do horror, pois tal horror, visto na televisão, tem o poder de entreter.
 

O "filme de guerra" durou uma hora e meia, nas cronologias da CNN e da BBC, entre as cenas da primeira torre em chamas e a queda da segunda.
Na locução de tal espetáculo, Carlos Nascimento, da Globo, a exemplo dos âncoras da CNN, não poderia ter sido menos espetacular. Seu único instante de exaltação:
- A torre está caindo. Está no chão o World Trade Center, um dos maiores símbolos do poder econômico dos Estados Unidos. O mundo está perplexo, parado diante da TV, vendo aquilo que ninguém podia imaginar.
De certo modo, no instante em que a consciência do espetáculo se estendeu ao ponto do clichê, a televisão dá sinais de não querer ir além da realidade.
 

Entretenimento por entretenimento, nesse gênero que se confunde com realidade, o sequestro do animador Silvio Santos venceu o terror hollywoodiano junto à audiência brasileira (leia texto nesta página).
Talvez por isso a Globo tenha saído logo da cobertura, enquanto redes como Bandeirantes e Rede TV! apelavam:
- Astrologia explica atentado terrorista... Nostradamus coloca tragédia como estopim da Terceira Guerra Mundial.
É o entretenimento que leva ao torpor, diante do horror.
 

Não faltaram cenários de Apocalipse nas análises da TV, para além de Nostradamus.
Mas ontem mesmo, encerrando o dia, um calmo George W. Bush entrou ao vivo, até no Brasil, para anunciar a abertura dos mercados e dos prédios públicos, para hoje, normalmente.
E vieram as telenovelas, o esporte, os vários programas -e todo o entretenimento de ficção que faz um dia depois do outro.

Leia mais sobre os atentados nos EUA na Folha Online


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